Um desconhecido na política até 2021, ele chegou aos primeiros lugares na pesquisas eleitorais e despontou nas primárias eleitorais da Argentina, levantando questionamentos sobre suas chances de ser o próximo presidente da Argentina
Por Redação – Jornal Estadão
Um desconhecido na política argentina até conquistar uma cadeira como deputado em 2021, o libertário Javier Milei ganhou impulso na corrida presidencial neste domingo, 13, ao ser o grande vencedor das PASO, as Primárias, Abertas, Simultâneas e Obrigatórias, que são um termômetro para a disputa presidencial da Argentina. O economista que surgiu com uma terceira força política virou o jogo e saiu como protagonista, com mais de 5 milhões de votos.
Com 97% das urnas apuradas, Javier Milei tem 30,4% dos votos. À frente da coalizão de centro-direita Juntos por el Cambio (28,27%) e da coalizão da esquerda que governa o país Unión por la Pátria (27,27%). As prévias definem as chapas que vão concorrer na eleição presidencial de outubro.
A votação expressiva de Milei foi antecipada pelas próprias campanhas enquanto a apuração avançava e pegou a Argentina de surpresa. Em discurso após a vitória, Milei falou em fazer um esforço nacional para “acabar com o kirchnerismo e a casta política parasitária” que domina o país.
O presidente da coalizão Liberdade Avança capturou uma atenção considerável do eleitorado argentino quando se colocou como “diferente de tudo que está aí”. Com seu lema de ser “contra a casta política”, Milei enfatiza que não faz parte nem da política peronista nem da oposição macrista. O discurso agradou quem está cansado da enorme crise econômica que passa o país e não foi resolvida no últimos governos de Alberto Fernández e seu antecessor Mauricio Macri.
À insatisfação popular se somou as brigas internas dentro das coalizões de governo e oposição pelas candidaturas presidenciais. A chapa peronista União pela Pátria (antiga Frente de Todos) travou batalhas até os últimos dias para definir um candidato. Enquanto a oposição do Juntos pela Mudança decidiu sair com dois nomes de peso para a disputa, mas não sem antes protagonizar trocas de acusações entre eles e disputas até mesmo pela prefeitura de Buenos Aires.
Um outsider na liderança
Javier Milei é a mais nova expressão dos outsiders que irromperam na política nos anos recentes. O economista de 51 anos, autodenominado anarcocapitalista, disse que iria acabar com a classe dominante, cortar o governo e fechar o banco central, cuja política monetária ruim, segundo ele, “rouba” dinheiro dos argentinos por meio da inflação. .
Estrela do atual ciclo eleitoral da Argentina, Milei tem propostas radicais. Além da dolarização da economia do país, ele propõe o fim da educação gratuita e obrigatória, que substituiria por um sistema de vouchers; uma gradual privatização do sistema de saúde; desregulamentação do mercado de armas; e o fim da educação sexual obrigatória.
Mas uma promessa parece ter causado impacto: se eleito, disse Milei, ele sortearia seu salário mensal. “Para mim, isso é dinheiro sujo”, disse ele. “Do meu ponto de vista filosófico, o Estado é uma organização criminosa que se financia com impostos retirados das pessoas à força. Estamos devolvendo o dinheiro que a casta política roubou”.
Desde que Milei assumiu o cargo em dezembro, 2,4 milhões de argentinos se inscreveram para ter a chance de ganhar seu contracheque de US$ 3.200 em sorteios transmitidos ao vivo nas redes sociais. De talvez maior consequência: o político anteriormente obscuro, cujas ideias geralmente fogem do mainstream político aqui, é o candidato líder nas primeiras pesquisas para a eleição presidencial do ano que vem, com o apoio de eleitores de todo o espectro.
“Milei articula a raiva das pessoas melhor do que ninguém”, disse Lucas Romero, diretor da empresa de consultoria de Buenos Aires Synopsis. “Sua verbosidade contra a liderança política o ajuda a construir apoio baseado em resultados econômicos fracos na última década.”
Como presidente, diz Milei, ele cortaria os gastos drasticamente para poder reduzir os impostos. Ele fortaleceria os laços com os Estados Unidos e outras potências ocidentais e atrairia o apoio de aliados que se opõem às ideias da esquerda que estão surgindo na região.
“A América Latina só tem uma saída se abraçar ideias de liberdade mais uma vez”, disse Milei ao The Washington Post no ano passado. Ele disse que “cortaria o próprio braço antes de aumentar os impostos”.
Milei é talvez o membro mais radical de um grupo de libertários que obteve vitórias nas eleições de meio de mandato de 2021. Foi a primeira vez em décadas que a filosofia de governo limitado atraiu apoio considerável, uma surpresa em um país há muito governado por variantes do peronismo de esquerda.
A ascensão de Milei foi auxiliada por sentimentos generalizados de pessimismo e apatia. O país concluiu um acordo com o Fundo Monetário Internacional para evitar o mais recente de uma série de inadimplências, mas a inflação mensal de 6,7% em março sugere que as pressões sobre os preços estão apenas piorando. Pesquisas indicam que a maioria dos argentinos acredita que a economia estará pior daqui a um ano e espera que seus filhos também estejam piores no futuro.
“Hoje, Milei é um repositório das frustrações das pessoas”, disse Mariel Fornoni, diretor da empresa de pesquisas de Buenos Aires Management & Fit. “As expectativas são incrivelmente baixas. Cada líder político que medimos tem uma imagem pública muito ruim, e isso é algo que nunca vi em anos”.
Infância difícil e goleiro
Milei foi goleiro do clube de futebol argentino Chacarita Juniors, mas encerrou a carreira no começo dos anos 1990. Nascido no bairro portenho de Palermo, em 22 de outubro de 1970, Milei teve uma infância marcada por polêmicas em família. Ele mesmo reconhece que não se dava bem com a família, apenas com sua irmã, Karina Milei. Ele diz que ela é a pessoa que melhor o conhece e “a grande arquiteta” de seus acontecimentos políticos. Milei disse a diferentes meios de comunicação que, caso se torne presidente, ela desempenhará o papel de primeira-dama.
O jornalista Juan Luis González é um dos pesquisadores da biografia não autorizada do economista, intitulada “El Loco”. À CNN, ele declarou que a passagem de Javier Milei pelo Colégio Cardenal Copello, em Villa Devoto, foi marcada por bullying na maior parte da vida.
Hoje Milei vive com cinco Mastiffs ingleses, cada um pesando cerca de 100 quilos, e ele reconhece nesses cachorros sua verdadeira família.
A partir de 2018, a ascensão de Milei começou nos principais meios de comunicação argentinos, com a divulgação de seu discurso “liberal libertário”, como costuma chamar. Suas aparições no rádio e na televisão locais geraram polêmica, seja entre seus colegas economistas, jornalistas ou apresentadores.
O grande salto em sua carreira política veio em 2020, quando anunciou sua candidatura à presidência nas eleições de 2023. Esse passo abriu caminho para que seu partido, La Libertad Avanza, conquistasse duas cadeiras na Câmara dos Deputados no ano seguinte, ocupados por ele e por sua candidata à vice-presidência, Victoria Villarruel.
Enquanto a corrida estava indefinida dentro dos partidos tradicionais da Argentina, Milei se beneficiava de ser o único nome certo na disputa para as primárias que ocorrem em agosto e já ocupava espaços na televisão e no rádio para compartilhar suas ideias de governo.
As palavras fortes contra os políticos e a marca registrada do cabelo desordenado – que lhe rendeu comparações com o ex-premiê britânico Boris Johnson – conquistou um público que se viu representado em seu jeito mais próximo “do povo”. Mas foi seu diploma de economista que lhe rendeu a confiança de parte da população argentina de que ele saberia resolver o problema da inflação acima dos 110%. Ainda que seus planos fossem vagos ou radicais, como acabar com o Banco Central ou dolarizar a economia – em um cenário de fuga de dólares.
Escândalo
Além das mudanças no xadrez dos adversários, Milei se vê agora prejudicado pelo maior escândalo envolvendo seu nome desde que entrou para a política em 2021. A Justiça Eleitoral argentina abriu uma investigação por denúncias de venda de candidaturas dentro da coalizão Liberdade Avança.
Segundo denunciou ex-aliados do candidato, sua equipe chegou a cobrar mais de US$ 50 mil dólares para indicar nomes às corridas para prefeitos, vereadores e governadores nas eleições provinciais. Áudios divulgados pelo La Nación em que Milei é citado pelo nome reforçaram as denúncias até que a Justiça abriu o inquérito. Milei nega a venda e se diz vítima de difamação.
Além disso, nenhum dos candidatos apoiados por ele conseguiu cargos nas eleições provinciais, que até então veem predominância dos candidatos apoiados pelo governo. No entanto, ainda faltam eleições de províncias importantes e que concentram a maioria do eleitorado, como Buenos Aires e Santa Fé. /Washington Post, AFP, EFE, com Carolina Marins