História por Mateus Maia • Poder360
A 15ª Cúpula do Brics, realizada em Joanesburgo, na África do Sul, terminou nesta 5ª feira (24.ago.2023) com o fortalecimento da China e da Índia na influência sobre o bloco com a adesão de 6 novos países. O Brasil, porém, sai sem ter conseguido avançar em vantagens concretas. Aceitou a promessa de um apoio vocal, porém estéril, para pressionar o Conselho de Segurança da ONU a admitir novos integrantes permanentes. Ainda assim, o bloco amplia sua relevância internacional no objetivo de se contrapor aos grupos dos países ricos, em especial o G7, liderado pelos Estados Unidos.
O Brics, composto atualmente por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, anunciou o início do processo de expansão do bloco –leia aqui (329 KB) a declaração final do encontro. Eis os 6 países que integrarão o grupo a partir de janeiro de 2024:
- Argentina;
- Arábia Saudita;
- Egito;
- Emirados Árabes Unidos;
- Etiópia;
- Irã.
O último país anunciado para o rol de novos participantes foi a Etiópia. O país africano entrou na lista no último dia de negociações a pedido da África do Sul para dar mais representatividade ao continente, que já tinha o Egito na lista dos postulantes.
Com a nova composição, a população do grupo passou de 41% para 46% do planeta, especialmente pela presença de Índia e China, os mais populosos do mundo. Já o PIB (Produto Interno Bruto) do bloco expandido pode chegar a US$ 32,9 trilhões em 2024, de acordo com projeções do FMI (Fundo Monetário Internacional). O valor representaria 29,7% do PIB global.
A soma do PIB dos atuais integrantes atingiu US$ 25,9 trilhões, tendo representado 25,5% da atividade econômica global. Os dados são do Banco Mundial para o ano de 2022.
Na declaração final divulgada pela cúpula, os países, no entanto, preferiram divulgar o PIB por paridade de compra, que será de 36,6% do total mundial com os novos países. O dado considera o poder de compra da moeda de um país internacionalmente. O parâmetro é mais benevolente para os países em desenvolvimento porque reduz os efeitos da conversão de moedas desvalorizadas em relação ao dólar.
A expansão atual é a maior da história do bloco, que foi formado em 2001 apenas por Brasil, Rússia, Índia e China. A África do Sul foi incorporada em 2011, também a pedido dos chineses. O Brasil, liderado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), inicialmente era contrário à inclusão de novos países sem antes definir critérios claros para isso.
Até a realização desta cúpula, não havia nenhum mecanismo estabelecido de adesão ao Brics, com procedimentos regulares e normatizados. Listas de interessados chegaram a 23 países, mas, até então, as manifestações eram informais.
Na prática, o Brics é um clube de amigos.
A parceria dos 5 países é uma associação que promove reuniões regulares e incentiva acordos e protocolos de cooperação em diversas áreas de interesse comum, mas é uma associação política vaga, sem sede e que sequer tem uma página oficial na internet. O que existem são os endereços criados na web para as diversas reuniões, como site da 15ª cúpula na África do Sul, que mostra uma linha do tempo sobre a evolução da associação.
O Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), entidade do governo federal, tem uma página antiga, de 2014, dizendo o que é o Brics. O Poder360 preparou um material didático sobre o grupo e um vídeo a respeito (2min5s).
Agora, com o anúncio de novos integrantes, o bloco vai definir quais serão essas regras. Grande bandeira do Brasil, tais normas, entretanto, serão vagas o suficiente para que os países se comprometam sem ficar desconfortáveis.
VITÓRIA DE PEQUIM
O crescimento do bloco é uma vitória dos chineses.
Xi Jinping disse na 4ª feira (23.ago.2023), 2º dia da cúpula, que o bloco precisa fazer “um bom uso do formato de cooperação” e “acelerar o processo de expansão para incluir o maior número de países”. O presidente chinês quer usar o Brics como contraponto ao G7, liderado pelos Estados Unidos, e ao G20 nos debates internacionais.
A expansão também conta com o apoio da Índia.
Lula endossou a adesão de novos integrantes com a justificativa de que Pequim sinalizaria apoio à entrada de mais países no Conselho de Segurança da ONU, pleito historicamente defendido pelo petista.
Na prática, no entanto, o cenário deve ser outro. Isso porque essa instância das Nações Unidas só será reformada se seus 5 integrantes permanentes (EUA, Rússia, China, França e Reino Unido) votarem de maneira unânime –o que não deve acontecer em um futuro próximo.
O Brasil se esforçou, durante as negociações, para que a citação ao Conselho de Segurança estivesse tanto nas diretrizes para novos integrantes do Brics, quanto na declaração oficial da 15ª Cúpula.
O ponto 7 da declaração conjunta diz que o Brics:
- defende “uma compreensível reforma da ONU, inclusive no Conselho de Segurança, com uma visão de deixá-lo mais democrático, representativo, efetivo e eficiente”;
- apoia o aumento da representação de países em desenvolvimento nas diferentes formas de associação existentes para que o órgão possa responder “adequadamente” aos desafios globais;
- endossa as aspirações “legítimas” dos países emergentes como o Brasil, a Índia e a África do Sul de terem papéis mais importantes na ONU, inclusive no Conselho de Segurança.
Os norte-americanos não pretendem ceder a troco apenas de uma pressão de alguns países. O Brasil se esforçou, durante as negociações, para que a citação ao Conselho de Segurança estivesse tanto nas diretrizes, quanto na declaração oficial da cúpula, o que foi feito. Mas, na prática, o efeito disso é zero. Por isso, o Brasil deixa a África do Sul sem ter conseguido manter sua posição no bloco que ajudou a criar.
Embora Lula tenha falado ao final da cúpula sobre o fortalecimento da democracia, os novos integrantes do Brics dão margem a cobranças a respeito do descumprimento de direitos humanos e de valores democráticos, principalmente a Arábia Saudita e o Irã. China e Rússia também são contestadas.
Em entrevista a jornalistas em Joanesburgo, Lula minimizou a questão. Disse que “não quer saber” sobre a posição ideológica dos chefes de Estados dos novos países. Para Lula, o que importa é a influência geopolítica de cada um.
Leia abaixo os principais temas de destaque da Cúpula do Brics:
- moedas locais – o bloco avançou pouco na criação de uma unidade de referência comum para transações comerciais e investimentos, tema discutido desde 2009. O tema é defendido por Lula e tem apoio dos demais países do grupo;
- contraponto ao G7 – Lula afirmou que o grupo formado pelas 7 economias mais desenvolvidas do Ocidente e lideradas pelos Estados Unidos é um “clube dos ricos” que já “teve papel importante”. Afirmou que, agora, o Brics consolidou sua relevância na política global: “Qualquer ser humano que quiser discutir a geopolítica de qualquer coisa vai ter que conversar com o Brics também. Não é só com os Estados Unidos e não é só com o G7”;
- ampliação do Conselho de Segurança da ONU – questão entrou na declaração final da cúpula e foi usada como moeda de troca para que Lula apoiasse a China na entrada de novos países no Brics. Em entrevista a jornalistas, Lula disse ter esperança de que os países integrantes permanentes da ONU –Estados Unidos, Rússia, China, França e Reino Unido– aceitem a entrada de nações em desenvolvimento no Conselho de Segurança. O secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, disse nesta 5ª feira (24.ago.2023) que “a estrutura global de hoje”, incluindo o Conselho de Segurança da ONU –criado ao fim da 2ª Guerra Mundial, “reflete o mundo de ontem”.
- guerra na Ucrânia – o tema ficou em 2º plano durante a cúpula, com a presença da Rússia. Lula criticou o conflito em reunião aberta com os líderes do bloco. Em fala logo antes do presidente russo, Vladimir Putin, que participou por videoconferência, o petista afirmou que o conflito evidencia as limitações do Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas). “Todos sofrem as consequências da guerra. As populações mais vulneráveis, em desenvolvimento, são atingidas proporcionalmente. A guerra na Ucrânia evidencia as limitações do Conselho de Segurança. Muitos outros conflitos estão por vir”, disse.
Moedas locais e unidade de referência
O 2º principal tema da cúpula foi a criação de uma unidade de referência comum para transações comerciais e investimentos dentro do bloco. O assunto, discutido desde 2009, tinha arrefecido nas negociações iniciais, mas Lula retomou o tema durante o retiro dos chefes de Estado, na 3ª feira (22.ago.2023).
Antes disso, em sua live semanal, ele disse que o uso de uma moeda de negócio entre o Brasil e os outros países do Brics não significaria “negar o dólar”.
“Colocar uma moeda de negócio entre Brasil e outros países não é negar o dólar. O dólar vai continuar com o valor que ele tem. Mas não precisamos se não tivermos dinheiro para comprar dólar. Negociaremos nas nossas moedas”, disse em sua live semanal “Conversa com o presidente”.
Lula citou como exemplo a ajuda que o Brasil pode dar para a Argentina. De acordo com ele, o país pode ajudar o vizinho com yuans, a moeda chinesa, em vez de enviar dólares. No dia seguinte, na 4ª feira (23.ago), o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou que o governo brasileiro já havia proposto ao país vizinho garantir as exportações para aquele país em yuan.
O presidente russo, Vladimir Putin, também é favorável à ideia. Em plenária da cúpula na 3ª feira (22.ago), disse que as operações com dólar no grupo já estão caindo, e que, em 2022, só 28,7% das negociações usaram a moeda norte-americana.
Não foi a 1ª vez que ele defendeu o uso de uma moeda local. Em julho, durante reunião com a presidente do NBD, Dilma Rousseff, Putin afirmou que a moeda norte-americana é usada como instrumento político e o Brics precisava de uma alternativa.
Na declaração final, assinada pelos 5 chefes de Estado do Brics, o tema foi tratado como algo para o futuro. Criou-se uma tarefa para que os ministros da Fazenda e afins de cada nação estude o tema e leve sua proposta para a próxima Cúpula do bloco, em 2024, na Rússia.
“Nós expressamos a importância de encorajar o uso de moedas locais em transações internacionais e financeiras entre os países do Brics, assim como seus parceiros comerciais”, escreveram.
Nos bastidores, a ideia é criar uma unidade de referência, que já é chamada informalmente de R5 para facilitar o comércio entre os países do grupo com moedas locais.
GUERRA NA UCRÂNIA
Entre os discursos oficiais dos chefes de Estado, o presidente Lula foi o mais enfático sobre a guerra da Ucrânia, o que causou algumas respostas, mas sem que o tema virasse uma pauta generalizada durante a cúpula.
Em fala logo antes de Putin, que participou por videoconferência, o petista afirmou que o conflito evidencia as limitações do Conselho de Segurança da ONU.
Assista ao momento em que Lula fala da guerra (1min45s):
O presidente brasileiro também declarou estar pronto para participar de qualquer grupo que possa negociar a paz e um cessar-fogo: “Não subestimamos as dificuldades para alcançar a paz, tampouco podemos ficar indiferentes às mortes e à destruição que aumentam a cada dia. O Brasil não contempla fórmulas unilaterais para a paz. Estamos prontos para nos juntar a um esforço que possa efetivamente contribuir para um pronto cessar-fogo e uma paz justa e duradoura”.
Na declaração final do Brics, o tema foi tratado de forma discreta. No documento, as nações criticam a ONU e citam a Ucrânia em uma única parte do texto, onde os países recordam as “posições nacionais” sobre a guerra já expressas anteriormente.
“Registramos com apreço propostas relevantes de mediação e bons ofícios que visam a resolução pacífica do conflito através do diálogo e da diplomacia, incluindo a Missão de Paz dos Líderes Africanos e o caminho proposto para a paz”, declararam.
Em outro ponto do documento, que não cita a Ucrânia, os países se disseram “preocupados com os conflitos em curso em muitas partes do mundo”. Eles falaram mais uma vez no “compromisso com a resolução pacífica de diferenças e disputas através do diálogo e de consultas inclusivas de forma coordenada e cooperativa”.
Apesar de ter encontrado pouco eco para suas declarações sobre a guerra nos outros países do Brics, a diplomacia brasileira encarou como natural os discursos do petista. Isso porque o Brasil é independente e neutro internacionalmente ao longo da história, por isso, seria coerente Lula repetir o que tem sempre dito sobre o tema mesmo na presença de outros países que não pensem da mesma forma.
BRICS & BANCO DO BRICS
É importante notar que há diferença entre Brics (uma parceria amigável entre 5 países para discutir interesses comuns) e o Banco do Brics (uma entidade concreta e formal, com recursos próprios e não por acaso com uma luxuosa sede em Xangai, na China). O Poder360 fez uma descrição do que é o Banco do Brics e um vídeo didático (1min39s) sobre como funciona a instituição.
No caso do Banco do Brics, cujo nome formal é Novo Banco de Desenvolvimento (NDB, na sigla em inglês, de New Development Bank), os fundadores são Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Hoje, o NDB está sob comando da ex-presidente do Brasil Dilma Rousseff (o cargo tem ocupação rotativa e Dilma fica na cadeira até julho de 2025).
Criado em 2015, o NDB tem um processo formal de entrada de novos membros. Além dos 5 fundadores, já ingressaram na instituição Bangladesh e Emirados Árabes Unidos (em 2021) e Egito (em 2023). O Uruguai está em processo de admissão avançado.
Como o NDB é um banco, um dos critérios mais concretos para entrar como membro é fazer um depósito para se tornar sócio. Os 5 sócios iniciais depositaram US$ 10 bilhões cada um para formar a instituição. Bangladesh entrou com US$ 942 milhões. Egito, com US$ 1,196 bilhão. E Emirados Árabes com US$ 556 milhões. Esses dados estão no site oficial do Banco do Brics em agosto de 2023.