Lei sancioanada este mês ajuda a tirar o estigma da educação profissional e a conecta também com a universidade
Por Renata Cafardo – Jornal Estadão
O ensino técnico no Brasil sofre com o estigma de ser apenas um bom caminho para os pobres, já que os jovens ricos vão para a universidade. É curioso quando se compara com números internacionais. Na Finlândia, 68% dos alunos cursam o ensino técnico e na Suíça, 84%. Será que tem tanto pobre assim por lá? E tanta gente que não vai para a faculdade?
Claro que não. A verdade é que o preconceito dos brasileiros não estimula investimentos e só 10% dos jovens estão na educação profissional e tecnológica, conhecida como ensino técnico, no País. E eles nem são os mais pobres, infelizmente. Pesquisas recentes mostram o interesse gigante pelos cursos técnicos entre os jovens, mas não há vagas para todos e é preciso fazer seleção.
O ensino técnico no mundo contemporâneo é visto como uma forma de dar significado à escola para o adolescente, muitas vezes perdido entre o sonho do emprego ideal e uma aula chata de Física. Ele pode ser um grande mobilizador de teoria e prática, dando ao trabalho um princípio educativo.
Quando é bem feito, o técnico cursado junto com o ensino médio é um grande articulador das disciplinas da formação básica, como Português, História, Biologia. Faz o aluno refletir sobre como a aprendizagem está ligada à sua vida e a uma profissão.
Tanto é verdade que alunos de escolas técnicas são os que têm melhores notas em vestibulares se comparados com o restante da escola pública – são eles os que entram na universidade, contrariando a ideia de que seriam renegados a parar de estudar no ensino médio. Pesquisas também mostram que países cujos estudantes de 15 anos têm melhor desempenho em avaliações internacionais investem no ensino técnico junto com o médio.
Uma lei sancionada neste mês, que passou despercebida por causa da confusão do novo ensino médio, exige agora que faculdades validem como créditos as disciplinas cursadas no ensino técnico, em áreas semelhantes. A intenção, segundo a deputada federal Tábata Amaral (PSB-SP), relatora do projeto de lei, é justamente a de deixar mais claro que ensino técnico e universidade podem ser um objetivo comum.
O sentido também é o de que hoje o profissional não está pronto quando termina um curso técnico ou uma faculdade. Os conhecimentos se entrelaçam, se completam e são constantemente atualizados diante de um mercado de trabalho em transformação.
Os detalhes de como isso vai se dar nas universidades ainda precisam ser regulamentados, mas a lei ainda prevê articulação dos currículos com empresas, como é comum fora do Brasil, expansão de vagas e a criação de uma avaliação da qualidade dos cursos, tudo isso numa grande política nacional de educação profissional e tecnológica.
O presidente Lula, que foi aluno do ensino técnico, posou feliz ao lado de Tábata na sanção da lei e garantiu apoio. Uma das grandes especialistas no assunto, a suíça Uschi Backes-Gellner, da Universidade de Zurique, diz que não haverá sucesso em programas de fortalecimento do técnico em países onde o estigma de uma educação “menos importante” se mantiver. Com expectativa de reindustrialização e um número de jovens “nem-nem” que só cresce, o Brasil já devia ter assimilado a mensagem.