‘Só pegava no sono quando o cansaço vencia o medo’, conta piloto após três dias perdido na Amazônia

Josilei Albino de Freitas, um engenheiro da Funai e mecânico sobreviveram à queda de um helicóptero no interior do Amapá

Por Andréia Bahia – Jornal Estadão

“De cada dez helicópteros que caem na floresta amazônica quatro não são encontrados e em praticamente todos os acidentes há registro de óbitos”, relata o piloto Josilei Albino de Freitas, de 51 anos, ao afirmar que pode ser considerado um milagre ele, o engenheiro da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) José Francisco Vieira e o mecânico Gabriel Assis terem sobrevivido à queda de um helicóptero no interior do Amapá, no último dia 16. Eles ficaram até sábado, 19, perdidos na floresta.

A aeronave estava a 900 metros de altura, sobrevoando uma área de reserva na Serra do Navio, a 130 km de Macapá, destino da viagem, quando sofreu uma pane mecânica e caiu sobre duas árvores, que amorteceram a queda. Vieira, que filmou os 7 minutos da queda, bateu a cabeça e Assis trincou uma costela. O piloto saiu ileso.

Helicóptero sofreu uma pane mecânica e caiu sobre duas árvores, que amorteceram a queda de 900 metros de altura
Helicóptero sofreu uma pane mecânica e caiu sobre duas árvores, que amorteceram a queda de 900 metros de altura Foto: Josilei Albino de Freitas

Era a última viagem da equipe que fazia atendimentos de saúde a comunidades indígenas que não são acessadas por estradas e nem por aviões. O contrato com o Ministério da Saúde terminaria no dia 17 e eles estavam retornando da aldeia de Bona para Macapá, um voo de aproximadamente 2 horas. O helicóptero caiu a cerca de 10 minutos do destino.

Além dos alimentos do kit de sobrevivência, eles transportavam duas caixas com cerca de 7 quilos de peixes. “Era um calor insuportável e os peixes rapidamente iam apodrecer. Então, defumamos parte deles”, conta Freitas.

Josilei conta que não conseguia dormir nas barracas devido ao calor na Floresta Amazônica
Josilei conta que não conseguia dormir nas barracas devido ao calor na Floresta Amazônica Foto: Josilei Albino de Freitas

No kit havia também barracas e redes, mas eles não conseguiam dormir nos equipamentos devido ao calor. “Dormia na rede, mas só pegava no sono por volta das 3 horas da madrugada, quando o cansaço vencia o medo. E era com uma faca e lanterna na mão”, conta o piloto.

Para afugentar os animais, principalmente as onças, eles mantinham uma fogueira acesa e também faziam as necessidades fisiológicas nos limites do local onde estavam instalados para afastar os bichos. “O animal entende que a área tem dono”, explica Freitas. A água do rio foi o maior problema porque era muito suja e já no dia seguinte após a queda Freitas passou a ter diarreia.

O helicóptero não tinha sistema de SOS, apenas um rádio com alcance limitado. Freitas mandava mensagens duas vezes por dia, às 9h30 e 16h, a fim de alcançar alguma aeronave que sobrevoasse o local que estavam. Eles também soltaram rio abaixo uma garrafa pet com as coordenadas do local do acidente e R$ 70. “Para incentivar quem achasse a nos enviar socorro”, conta Freitas. Ainda não se tem notícia da garrafa.

Sete quilos de peixes foram defumados para não apodrecer no meio da selva
Sete quilos de peixes foram defumados para não apodrecer no meio da selva Foto: Josilei Albino de Freitas

Na sexta-feira, sem nenhum retorno no rádio, o mecânico Gabriel Assis decidiu descer o rio em um colchão inflável, que furou no mesmo dia. Ele pernoitou na beira do rio e, no dia seguinte, fez uma jangada para continuar a busca por socorro.

Na manhã de sábado, o piloto e o engenheiro ouviram o barulho de um avião e rapidamente mandaram uma mensagem de rádio, que foi captada pela aeronave do Pará. Por volta das 14 horas, uma equipe da Força Aérea Brasileira fez o resgate de Freitas e Vieira no local e do mecânico Gabriel, que estava em uma pedra no rio, a 12 km do local do acidente.

Na chegada em Macapá, todos estavam severamente desidratados e Gabriel teve uma convulsão provocada pelo estresse, mas recebeu alta no domingo. As causas do acidente estão sendo investigadas e Josilei Freitas já foi autorizado pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) a reabilitar sua carteira, que tem 25 anos. Em caso de acidentes aéreos, o documento é suspenso.

Ele já está em casa, na cidade de Valparaíso de Goiás ,e disse que o acidente não vai fazê-lo deixar de voar. “Vou procurar as causas do acidente e aprender com os erros.”

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By valeon