País terá em 2024 uma planta-piloto para testar a tecnologia inédita que vai gerar internamente energia para carros elétricos, sem necessidade de carregar na tomada

Por Cleide Silva – Jornal Estadão

Movido a hidrogênio (H2), o carro a célula de combustível é considerado mundialmente a opção mais viável para o transporte com emissão zero. Uma evolução do veículo elétrico, ele já roda em alguns países, como Japão e EUA, atendendo um nicho ainda pequeno do mercado.

Seu uso em grande escala está distante, principalmente no mercado brasileiro onde, segundo analistas, até mesmo os elétricos devem demorar a se popularizar em razão dos preços e da falta de infraestrutura para carregamento.

Pelo menos na corrida pela fonte geradora do hidrogênio – que vai carregar a bateria do veículo internamente, sem precisar da energia elétrica da tomada –, o Brasil não está tão atrasado.

Enquanto grande parte dos países usa o gás natural para produzir hidrogênio cinza, que vem de fonte fóssil, o Brasil trabalha em projetos para que o etanol seja o vetor do H2 verde.

“Por ser um combustível limpo, não tóxico e com infraestrutura de transporte desenvolvida, o etanol é muito interessante como vetor para o hidrogênio”, afirma Julio Meneghini, diretor científico do Centro de Pesquisa para Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI, na sigla em inglês), da Universidade de São Paulo (USP).

Ele explica que, no futuro, o etanol será entregue ao posto de combustível e este fará o processo de transformação para hidrogênio em um reformador (tanque cilíndrico que, por meio de uma reação química, quebra a molécula do etanol para produzir o hidrogênio). O carro a célula de combustível tem cilindros para receber o H2, e o abastecimento é igual ao de um carro flex (ver infográfico).

Uma parceria liderada pela Shell envolvendo RCGI, Raízen, Hytron, Toyota e Senai Cetiqt anunciou, no mês passado, o início das obras, nas instalações da USP, da primeira estação experimental de abastecimento de hidrogênio renovável do mundo, feito a partir do etanol.

O local também abrigará uma planta de produção de hidrogênio a partir do etanol com um reformador desenvolvido e produzido pela Hytron. A empresa nasceu há cerca de 20 anos como startup dentro da Unicamp e, em 2021, foi adquirida pelo grupo alemão Neuman & Esser (NEA).

Segundo o gerente de tecnologia de baixo carbono da Shell, Alexandre Breda, o mundo inteiro avalia o uso de hidrogênio na mobilidade, inclusive por meio de metanol e amônia. De qualquer forma, é um produto difícil de ser transportado na forma gasosa e muito caro na forma líquida.

O etanol, já usado em carros híbridos flex e em breve em híbridos plug-in, vai ser uma opção, e com vantagens extras, inclusive em relação ao uso de energia eólica e solar no processo, que também começa a ser explorado.

Três plantas de hidrogênio

A Shell e seus parceiros decidiram puxar a agenda para tornar o etanol ainda mais relevante na transição energética, diz Breda. O primeiro passo é a planta-piloto, que receberá investimento de R$ 50 milhões da companhia.

A planta deve entrar em operação no segundo semestre de 2024 e terá capacidade para produzir 50 metros cúbicos de hidrogênio por hora, suficientes para abastecer apenas um automóvel – o Mirai, fabricado no Japão e cedido pela Toyota para os testes – e três ônibus da Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos de São Paulo (EMTU), que vão circular no campus da universidade.

“O objetivo da planta-piloto é validar o processo e comprovar a eficiência do etanol”, diz Breda. A validação de cálculos sobre as emissões e custos do processo de produção de hidrogênio, comparativo de desempenho dos veículos e preços ao consumidor ficarão a cargo do RCGI.

“Nossa estimativa no momento é de que o custo da produção de hidrogênio a partir de etanol é comparável ao do hidrogênio do gás natural no contexto brasileiro”, adianta Meneghini. “Já as emissões são comparáveis ao processo de eletrólise da água alimentada com energia eólica.”

No início de 2025, uma segunda planta dez vezes maior, com capacidade para 500 metros cúbicos por hora, será instalada em um cliente industrial da Shell ainda a ser definido. Ela será voltada principalmente ao hidrogênio usado pelas indústrias química, alimentícia, de mineração e siderúrgica, que hoje têm como vetor o gás natural.

Na sequência, há um plano para uma planta capaz de produzir 5 mil metros cúbicos de hidrogênio por hora, mas sua construção dependerá dos resultados de viabilidade da planta experimental e de parcerias com investidores. Não há, ainda, previsão para o fornecimento do hidrogênio sustentável em postos de combustíveis.

Essa fase tem de acompanhar a chegada ao País de automóveis a célula de combustível em maior escala, o que deve demorar, admite Breda. “Principalmente aqui no Brasil, onde ainda vamos passar pela etapa do carro híbrido a etanol, pelos elétricos e depois ir para os de célula a combustível.”

O executivo, no entanto, vê chances de a tecnologia chegar comercialmente mais cedo aos ônibus e caminhões. Seria uma forma de descarbonizar um setor hoje dependente do diesel.

Nossa estimativa no momento é de que o custo da produção de hidrogênio a partir de etanol é comparável ao do hidrogênio do gás natural no contexto brasileiro”

Julio Meneghini, diretor científico do centro de pesquisa da USP

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