Em parte o presidente está conseguindo o que ele quer, transformando objetivos no governo em uma agenda pessoal
William Waack – Jornal Estadão
Lula vai para uma pausa forçada por razões de saúde, e desejamos que se recupere logo e bem da operação de artrose no quadril. Como vem fazendo cada vez mais, Janja zelosamente guardará o espaço à volta do presidente. Esse espaço não é meramente físico, e tem incluído também a quem o presidente ouve.
Lula deixou para depois da intervenção cirúrgica algumas definições importantes e de grande alcance político, como a nomeação de ministro para o STF, um novo chefe do Ministério Público, os termos finais de um acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia, os parâmetros da transição energética (exploração de petróleo na Amazonia), entre outros.
A demora em tomar decisões abrangentes tem sido uma característica importante de seu terceiro mandato. Uma delas encareceu substancialmente o “preço” político de governar. Trata-se do longuíssimo acerto com o centrão para distribuição dos pedaços da máquina pública e do orçamento, no qual Lula provavelmente jamais conseguirá saciar o apetite dessas forças políticas.
Outra característica relevante do atual mandato é a figura de um Lula mais “intuitivo” e cheio de “vontades”. A de gastar e expandir as despesas públicas, por exemplo, foi transformada em eixo central da política econômica. Assim como desfazer matérias importantes acertadas no Congresso – não importa recente advertência dura e explícita do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, para os perigos dessa “vontade.
A “credibilidade” e a “estabilidade” que Lula promete aos agentes econômicos têm sido recebidas por eles com a expectativa de juros futuros mais altos, e com a resignada certeza de que terão mais, e não menos, impostos pela frente. Além da teimosa postura de confrontar o governo com a questão fiscal, acentuada pela dúvida se as autoridades estariam outra vez seduzidas pela criatividade contábil no trato das contas.
A “vontade” de Lula em relação ao exterior está sendo realizada. Na ausência de uma definição de objetivos estratégicos (um problema brasileiro de longo prazo), a política externa acaba se transformando, nas palavras do professor José Guillon de Albuquerque, em “exercícios opinativos de livre escolha” por parte do presidente. Portanto, a ação externa é a agenda pessoal do chefe do Executivo.
No geral, se era mesmo uma “vontade” de Lula pacificar o País, até aqui ela não se cumpriu. Ao contrário: a divisão que saiu das urnas aprofundou-se, e não diminuiu. Tornou-se mais calcificada, geograficamente mais delimitada, socialmente mais perigosa (com contornos de raça, classe e religião) e politicamente mais intratável.
Talvez seja a vontade de Lula ver nessa divisão uma vantagem política nas próximas eleições