Megarroubos pelas cidades do Brasil mostram como funciona a bola de neve do crime organizado
O recente assalto a banco em Criciúma não é o primeiro nem será o último; ataques de grande porte revelam evolução do novo cangaço, surgido há 15 anos
Guaracy Mingardi*, O Estado de S.Paulo
02 de dezembro de 2020 | 05h00
O recente megarroubo não é o primeiro nem será o último. Faz parte de um gênero criminal criado há vários anos e tem alguns contornos daquilo que se convencionou chamar de Novo Cangaço. Nessa modalidade, surgida há uns 15 anos no Norte e no Nordeste, quando um grande grupo de criminosos invadia uma pequena cidade, com um ou mais bancos movimentados, aprisionava os poucos policiais, efetuava o assalto e fugia antes da chegada de reforços.
Políciais isolam área após assalto em Criciúma Foto: Guilherme Ferreira/Reuters
Como sempre acontece, o modus operandi dos criminosos evoluiu. Em 2016, começaram os ataques a transportadoras de valores no interior paulista. E a forma de agir se sofisticou. Sempre com efetivo de mais de 30 integrantes, a atividade dos ladrões foi se especializando. Alguns, os melhores atiradores, cuidam da polícia. Outro grupo é destacado para invadir o local do armazenamento do dinheiro e transportar os valores. Um terceiro segmento, talvez o mais especializado, cuida dos explosivos necessários. E dois ou três ficam no comando da operação. Na maior parte das vezes eles têm mais de uma tática para impedir a polícia de agir. Normalmente cercam o local com carros roubados e/ou jogam estrepes para furar o pneu dos veículos que se aproximarem. Segundo o noticiário desta vez teriam inovado, pondo pessoas sentadas no meio da rua .
Essa modalidade prosperou. Em 2017, ocorreram vários desses ataques, incluindo um milionário feito por brasileiros no Paraguai. Quando as transportadoras de valores começaram a deixar menos dinheiro em seus depósitos, esse tipo de crime passou a ter como alvo locais menos visados – simples bancos. Ou seja, o modelo se adaptou e popularizou.
Segundo entrevistas feitas com policiais civis de São Paulo, os primeiros eventos foram patrocinados pelo PCC, mas não da forma como supõem alguns. Não foram crimes planejados e comandados pela cúpula. Eles foram idealizados por membros que tiveram apoio logístico do Primeiro Comando da Capital. O que significa que a organização criminosa forneceu armamento pesado, alguns contatos e ajudou na aquisição, por meio de furto ou roubo, dos veículos empregados na fuga. E por conta desse auxílio ficou com uma porcentagem do espólio.
E, como sempre acontece no mundo do crime, quando uma fórmula dá certo logo vários outros tentam empregá-la. Foi assim com o sequestro nos anos 90. Os primeiros, bem planejados, deram resultado e o crime se popularizou. No final, segundo um policial civil, a coisa estava tão relaxada que quadrilhinhas sem nenhuma estrutura sequestravam pessoas e “escondiam debaixo da cama no barraco da tia”. E chegou uma hora em que a polícia, que é um órgão burocrático como qualquer outro, aprendeu a investigar essa modalidade criminosa. Ai a pressão sobre os criminosos aumentou, vários acabaram sendo presos e o tipo criminal caiu em desuso. Até aparecer outra modalidade.
O ciclo de aprendizado do novo tipo de crime – aumento da incidência-aprendizado policial-repressão- queda nos índices – existe pelo menos desde a criação da polícia profissional. E está em curso com as saidinhas de banco e as explosões de caixas eletrônicos, por exemplo. A iniciativa sempre parte do mundo do crime e a repressão policial sempre corre atrás. Isso não tem a ver com determinada polícia ser boa ou ruim. Ocorre por todo o mundo. E a grande questão é fazer com que esse gap entre a criação de um novo crime e sua repressão diminua.
O primeiro megarroubo foi em abril de 2016, em Santos. De lá para cá já ocorreram vários outros em cidades médias e grandes e até no exterior. Isso dá a ideia errônea de que eles são fruto sempre do mesmo grupo. Na verdade, não é bem assim. Os delinquentes profissionais aprendem tanto pela participação nos crimes quanto por meio de conversas, na cadeia ou fora dela. Portanto, o mais provável é que indivíduos que participam de um desses assaltos ganhem know how e passem a montar o próprio grupo de assaltantes. E aí a bola de neve cresce até a polícia também ganhar expertise e parar a avalanche que desponta no horizonte.
*ESPECIALISTA EM SEGURANÇA PÚBLICA, CIENTISTA POLÍTICO, MESTRE PELA UNICAMP E DOUTOR PELA USP