Após tragédias em Mariana e Brumadinho, projetos mofam no Congresso Nacional

CPIs e colegiados criados para tratar do tema apresentaram 17 projetos, mas nenhum foi aprovado

Por FRANSCINY ALVES

Foto: Alex de Jesus

Foram 289 vidas perdidas em rompimentos de barragens em Minas Gerais, centenas de pessoas desabrigadas, impactos ambientais e sociais incalculáveis, e reparações em constante compasso de espera. Em função desse quadro, sempre foi respeitado um minuto de silêncio nas comissões do Congresso Nacional criadas para apurar as tragédias. Contudo, a mesma sensibilidade parece não ser colocada em prática quando se trata da aprovação de mudanças nas legislações minerária e ambiental do país.

No Senado e na Câmara, os trabalhos de duas CPIs e de dois colegiados resultaram em visitas aos locais atingidos, discursos contra impunidade, centenas de audiências, pedidos de indiciamento e alarde na apresentação de 17 textos para evitar novas catástrofes (veja os detalhes abaixo). Mas, após a finalização dos trabalhos desses grupos, nenhum projeto foi aprovado. Cinco deles datam ainda do primeiro semestre de 2016, após o desastre em Mariana, na região Central do Estado.

O rompimento da barragem do Fundão, em novembro de 2015, culminou em 19 mortes. A Samarco, a Vale e a BHP Billiton eram as responsáveis pela mina. Na época, cada Casa Legislativa instalou um colegiado para tratar do tema. Já em janeiro de 2020, uma avalanche de lama atingiu comunidades em Brumadinho, na região metropolitana de Belo Horizonte. O resultado: 270 vidas ceifadas, sendo que 11 pessoas continuam desaparecidas.

Para apurar esse desastre, foram instaladas: duas CPIs, uma no Senado e outra na Câmara. Nessa última, ainda foram criadas duas comissões externas. A mais recente, em novembro deste ano, que está em andamento. O intuito é acompanhar e fiscalizar o acordo entre a Vale e o governo de Minas, uma vez que os atingidos foram excluídos do processo de negociação, e a mineradora ofereceu R$ 21 bilhões, menos da metade do que foi pedido pelo Executivo, de R$ 54 bilhões.

Em relação à Brumadinho, os senadores da CPI elaboraram três textos, sendo que todos estão parados na Casa. Já a Comissão Externa criada pelos deputados federais sugeriu nove propostas – quatro esquecidas no Senado e cinco na Câmara. Nessa última Casa, CPI não sugeriu novas proposições, mas sim ressaltou a urgência da aprovação das matérias já apresentadas anteriormente. O colegiado instalado recentemente também já assinalou essa orientação.

Após as tragédias, diversas outras proposições foram protocoladas de forma avulsa no Congresso para tentar alterar as legislações minerárias e ambientais. A principal delas, que foi aprovada em setembro deste ano, é de autoria da senadora Leila Barros (PSB-DF) e contou com o apoio dos membros dos colegiados. O projeto (550/2019) demorou 19 meses para ser avalizado e foi sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em 1º de outubro.

A proposta proíbe construção de barragem, de qualquer tipo, na zona de autosalvamento (10km ou 30 minutos abaixo) e a instalação de barragens pelo método de alteamento a montante. Essa técnica, em que a barragem cresce em degraus utilizando os rejeitos da mineração, é considerada por especialistas como obsoleta por ser mais barata e trazer mais riscos de ruptura. Esse modelo foi utilizado nas estruturas das minas das cidades mineiras atingidas pelas tragédias.

Avaliação

O coordenador da Comissão Externa que acompanha o acordo entre a Vale e o governo de Minas, o deputado federal Rogério Correia (PT-MG) diz que a demora, “sem sombras de dúvidas”, se deve à força que as mineradoras ainda têm na economia nacional e, “infelizmente, repercutem no Congresso Nacional atrasando a modificação da legislação”.

“Em especial naquilo que diz respeito a recursos financeiros dessas mineradoras, como pagamento de Cfem (Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais) que propusemos ampliar ou mesmo a extinção da Lei Kandir que foi constitucionalizada e que, na prática, isenta o pagamento de ICMS às empresas exportadoras, o que também beneficia, nesse caso, a mineração”, disse.

O petista ainda ressaltou que diversas propostas feitas pela comissão na Câmara foram incluídas no projeto 550, de 2019, aprovada no Congresso Nacional. Correia completa que é importante que essa pressão continue e não se espere para que uma nova tragédia criminosa aconteça e, somente após isso, seja viabilizada a aprovação dessas matérias.

“Na comissão externa que fiscaliza o acordo, vamos aproveitar esse momento para pleitear e pressionar junto com os atingidos a aprovação de projetos que estão na Câmara e no Senado. A comissão não vai se furtar, nas conclusões, a solicitar pressa a esse procedimento”, afirmou o coordenador.

Veja o andamento dos projetos apresentados por cada comissão criada para lidar com o rompimento das barragens em Brumadinho e Mariana:

COMISSÃO TEMPORÁRIA DA POLÍTICA NACIONAL DE SEGURANÇA DE BARRAGENS DO SENADO

Duração: dezembro de 2015 a maio de 2016

PL 224/2016
Reforça a efetividade da Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB) para dotar de novos instrumentos o Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH) no exercício de sua atribuição de zelar pela implementação da PNSB.
Situação: Arquivado no Senado com o fim da Legislatura em 2018

COMISSÃO EXTERNA PARA ACOMPANHAR O ROMPIMENTO DE MARIANA NA CÂMARA

Duração: novembro de 2015 a maio de 2016

PL 5263/2016
Institui o Código de Mineração Brasileiro, cria a Agência Nacional de Mineração e o Conselho Nacional de Política Mineral.
Situação: Aguarda recebimento pela comissão especial na Câmara

PL 4287/2016
Institui ações de prevenção e preparação na gestão de risco de desastre
Situação: Arquivado na Câmara

PL 4286/2016
Aumenta o teto das multas até cem vezes o valor máximo no caso de desastre ambiental e garante que o pagamento de multa não desobrigue o infrator de reparar os danos causados.
Situação: Aguarda parecer do Relator na Comissão de Finanças e Tributação (CFT) na Câmara

PL 4285/2016
Equipara a resíduos perigosos os rejeitos de mineração depositados em barragens próximas de comunidades
Situação: Arquivada

CPI DE BRUMADINHO NO SENADO
Duração:
 março a julho de 2019

PL 3915/2019 
Tipifica o crime de desastre ecológico, com pena de até oito anos de reclusão e que pode ser elevada em caso de mortes.
Situação: Aguarda deliberação do plenário do Senado

PL 3914/2019
Institui maior tributação sobre as minas com grande volume de produção.
Situação: Aguarda parecer na Comissão de Serviços de Infraestrutura do Senado

PL 3913/2019
Estabelece regras mais rígidas para a fiscalização de barragens.
Situação: Aguarda parecer na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado

COMISSÃO EXTERNA DO DESASTRE DE BRUMADINHO NA CÂMARA
Duração:
 abril a maio de 2019

PL 2785/2019
Define normas gerais para o licenciamento ambiental de empreendimentos minerários.
Situação: Apensado ao PL 37/2011 e aguarda recebimento pela Comissão Especial na Câmara

PL 2787/2019
Tipifica o crime de ecocídio e a conduta delitiva do responsável por desastre relativo a rompimento de barragem.
Situação: Aguarda parecer na Comissão de Meio Ambiente do Senado

PL 2788/2019
Institui a Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens; discrimina os direitos das Populações Atingidas por Barragens; prevê o Programa de Direitos das Populações Atingidas por Barragens.
Situação: Aguarda parecer na Comissão de Meio Ambiente do Senado

PL 2789/2019
Ajusta alíquotas da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais e instituir fundo para ações emergenciais decorrentes de desastres causados por empreendimento minerário.
Situação: Aguarda designação de relator na Comissão de Finanças e Tributação (CFT) da Câmara

PL 2790/2019
Altera o Estatuto de Proteção e Defesa Civil para incluir a prevenção a desastres induzidos por ação humana.
Situação: Aguarda parecer na Comissão de Assuntos Sociais do Senado

PL 2791/2019
Altera a Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB) e o Código de Minas.
Situação: Aguarda parecer na Comissão de Meio Ambiente do Senado

PLP 126/2019
Excluí a isenção tributária de produtos primários da atividade mineral.
Situação: Devolvida à Câmara

PLP 127/2019
Aperfeiçoa as regras sobre as atribuições para o licenciamento ambiental.
Situação: Apensado ao PLP 37/2019 que está apensado ao PLP 117/2011 que aguarda criação de comissão temporária pela Mesa da Câmara

PEC 90/2019
Altera o Sistema Tributário Nacional para excluir isenção à atividade mineral.
Situação: Apensada à PEC 8/2015 que aguarda parecer na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara

CPI DE BRUMADINHO NA CÂMARA
Duração:
 abril a novembro de 2019
Orientou a aprovação dos projetos listados pela Comissão Externa da Câmara

COMISSÃO EXTERNA PARA ACOMPANHAR O ACORDO ENTRE VALE E ESTADO NA CÂMARA
Duração: 
novembro de 2020 – em andamento
A sinalização é para que oriente a aprovação dos projetos listados pela Comissão Externa da Câmara

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