História por José Renato Nalini* • Jornal Estadão
É de se duvidar se o gênero humano é de fato racional. Se assim fora, não hesitaria em adotar medidas que primeiro mitigassem e, em seguida, neutralizassem os nefastos efeitos da mudança climática, provocada por nossa insanidade.
José Renato Nalini Foto: Alex Silva/Estadão© Fornecido por Estadão
Quando se ouve falar que “a era da ebulição global chegou”, declaração do Secretário-Geral das Nações Unidas, o português António Guterrez e não se verifica uma comoção geral no planeta, fica-se entre o espanto e a frustração.
Julho foi o mês mais quente dos últimos oitenta anos. Ou seja, desde que começou a apuração da temperatura da Terra. É consequência da intensificação do lançamento de gases do efeito estufa na atmosfera. Na China, a temperatura chegou a 50 graus. Nos Estados Unidos, rodovias se partiram ao meio e os operários da construção civil tiveram de misturar gelo ao concreto, para evitar que as vigas não se rachariam ao secar.
Pessoas que caíram no asfalto se queimaram tanto que tiveram de se hospitalizar em Phoenix, capital do Arizona. A Grécia ardeu em chamas. Na Sicília, canos subterrâneos derreteram e deixaram meio milhão de pessoas sem energia. Os filmes apocalípticos foram superados pela trágica realidade.
Tudo isso acaba com o turismo, com a saúde e com o futuro. E tem preço. O “Atlas da Mortalidade e de Perdas Econômicas Causadas por Fenômenos Climáticos e Hídricos Extremos” registra que os mais de onze mil desastres naturais associados ao clima ocorridos entre 1970 e 2019 tenham gerado custos de US$ 3,64 trilhões, ou R$ 17,22 trilhões na cotação atual. Outro relatório da auditoria Deloitte projeta que, mantidos os padrões de emissão de carbono, essas perdas globais totalizarão US$ 178 trilhões, ou R$ 841 trilhões. Dá para imaginar?
Todos os aspectos da vida – não apenas humana – serão afetados. Agricultura, “a cereja do bolo” brasileira e a saúde serão as áreas mais prejudicadas.
O prejuízo é muito maior do que esses cálculos, embora pareçam astronômicos. Isso porque a questão climática sempre foi considerada um tema de menor importância, vinculada à ecologia, cujos apóstolos foram ridicularizados e folclorizados durante muito tempo.
Nada obstante, se as pessoas que têm poder e autoridade fossem realmente inteligentes, estariam empenhadas na aceleração da transição energética. Toda empresa quer baixar seus custos, inclusive os de energia. E a energia mais barata é a solar ou eólica. Um mercado global de US$ 21 trilhões. Enquanto isso, cumprir o Acordo de Paris representaria lucros de US$ 43 trilhões, ou R$ 203 trilhões.
Para se atingir essa meta, as emissões de gases causadores do efeito estufa deveriam se reduzidas em ao menos 48% até 2030. Isso demandaria mobilização muito maior de políticos e da sociedade civil do que se verifica hoje, com a pasmaceira, a inércia e a insensibilidade predominando.
O interesse do setor privado é que pode fazer a diferença. Existe tecnologia suficiente para reverter a tendência que nos aproxima do ponto de inflexão irreversível. Quando a redução das emissões for avaliada economicamente, então o mercado se sensibilizará.
Também é preciso despertar a sociedade civil, anestesiada por uma série de ismos nefastos: egoísmo, consumismo, materialismo, dentre outros. Seria impossível não se converter para a causa ecológica, depois de verificar os dramas ocorridos em todo o mundo e também aqui.
A dimensão temporal do problema se alterou de maneira expressiva. Antes se dizia que dentro de um século a humanidade sofreria as consequências de sua imprudência. Mas as coisas terríveis estão ocorrendo aqui e agora. Por isso é de se confiar na juventude, para que ela, com entusiasmo e fervor, sacuda as estruturas estatais muito mais ligadas em eleição e na matriz da pestilência chamada reeleição.
Invocar o lema inicial dos primeiros ambientalistas: “Pensar globalmente, agir localmente”. Atuar em cada área de influência, para que os humanos adquiram juízo e ao menos comprovem sua condição de seres racionais. Recuso-me a crer que somos tão obtusos, ignorantes e cegos, que não enxerguemos nossa caminhada célere rumo ao suicídio coletivo.
*José Renato Nalini é reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e secretário-geral da Academia Paulista de Letras