História por ALEXA SALOMÃO • Folha de S. Paulo
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Análises dos fluxos financeiros e da repartição de energia da hidrelétrica de Itaipu mostram que os brasileiros pagaram integralmente a dívida da construção da usina binacional no rio Paraná, entre o Brasil e o Paraguai.
O pagamento da tarifa dessa energia no lado brasileiro está obrigatoriamente embutido em conta de luz, justamente para garantir que a dívida seria paga, e Itaipu, mantida.
A última parcela foi quitada em fevereiro deste ano. Foram pagos US$ 63,3 bilhões (R$ 313 bilhões) no total, US$ 35,4 bilhões (R$ 175 bilhões) a título de amortização de dívida e US$ 27,9 (R$ 138 bilhões) de juros. Os consumidores seguem mantendo a operação da hidrelétrica.
Um grupo de 31 distribuidoras que atendem dez estados e o Distrito Federal nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste repassa os custos para os brasileiros.
Cada país tem um tratamento para energia no seu mercado interno, mas as regras de funcionamento da usina estão definidas no Tratado de Itaipu, que completou 50 anos em 2023.
Os itens financeiros ficam detalhados no chamado Anexo C desse documento, que começa a ser renegociado pelos dois país neste fim de ano.
Trata-se de um momento histórico, em que será possível redefinir o futuro da energia da usina.
Os cálculos sobre o fluxo financeiro de Itaipu foram realizados pelo Instituto Acende Brasil, um think tank da área de energia, espécie de centro de estudos dedicado ao desenvolvimento de ações e projetos que buscam reforçar a transparência e sustentabilidade do setor elétrico do país. O estudo já foi entregue ao Itamaraty, como contribuição para a revisão do Anexo C.
A base de dados foram os balanços financeiros divulgados pela própria empresa.
O acompanhamento dos pagamentos e recebimentos líquidos de cada país mostram que o Brasil pagou para a hidrelétrica US$ 85,7 bilhões (R$ 428,9 bilhões) no período de 1985 a 2022. O Paraguai, por sua vez, recebeu US$ 5,9 bilhões (R$ 29,5 bilhões).
Segundo o estudo, o Paraguai não só garantiu seu suprimento de energia com a binacional como teve na usina uma importante fonte de receita.
“O Brasil pagou tudo, basta ver o fluxo do dinheiro. Pagou a dívida, a operação, o custeio. Tudo foi bancado pelos consumidores de energia do lado brasileiro”, afirma Claudio Sales, presidente do Acende Brasil.
É preciso conhecer a dinâmica do consumo de energia e da contabilização dos diferentes custos da hidrelétrica para entender como algo assim é possível.
Pelo tratado, ficou acordado que Itaipu não teria lucro. Sua tarifa de energia deve ser o valor necessário para cobrir o Cuse (Custo Unitário dos Serviços de Eletricidade), ou seja, o valor exato para custear a hidrelétrica. O setor chama esse modelo de tarifa pelo custo.
Entre os grandes itens estão royalties pelo uso da água dos dois lados da fronteira (que é repassado a municípios), o custo de exploração, que na prática agrupa as despesas para operação e manutenção da usina, e os custos financeiros, cujo maior valor sempre foi a dívida contraída para construção da hidrelétrica. Historicamente, representou 60% das despesas.
O tratado também fixou que tudo em Itaipu é dividido meio a meio entre Brasil e Paraguai, despesas e benefícios.
O país vizinho, no entanto, até hoje não conseguiu consumir os 50% de produção de energia elétrica a que tem direito. No ano passado, o Paraguai ficou com 24% do total, por exemplo. A regra diz que a parcela não consumida por um parceiro é cedida para o outro mediante um pagamento.
O Brasil pagou no ano passado US$ 218,5 milhões (R$ 1,1 bilhão) por essa cessão, um valor considerado generoso.
O cálculo para definição do valor da cessão foi reajustado em 2009, após uma negociação bilateral que gerou muitos questionamentos no Brasil. A mudança elevou o fator de reajuste em favor do país vizinho, beneficiando o governo do então presidente Fernando Lugo, o único que conseguiu quebrar a hegemonia do Partido Colorado em 70 anos.
A título de explicação, o levantamento do instituto detalha o fluxo de receitas e despesas de Itaipu no ano passado. O Brasil foi responsável pela receita de US$ 2,8 bilhões (R$ 14 bilhões) enquanto o Paraguai, por US$ 495 milhões (R$ 2,4 bilhões).
A análise da contabilidade mostra que, considerando saldos financeiros de 2021, US$ 2,5 bilhões (R$ 12,5 bilhões) foram destinados a cobrir custos de manutenção da usina, como despesas com exploração e a dívida da obra.
Galeria Veja fotos da construção de usina hidrelétrica de Itaipu, em Foz do Iguaçu Ela está localizada no rio Paraná, na fronteira entre Brasil e Paraguai https://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/1740782256250701-construcao-de-itaipu *** Outros US$ 801 milhões (R$ 4 bilhões) foram para pagamentos fora da usina, por assim dizer, como royalties a municípios dos dois lados da fronteira e repasses a título de remuneração das empresas estatais que respondem pela usina, no Brasil, ENBPar (Empresa Brasileira de Participações em Energia Nuclear e Binacional), e, no Paraguai, Ande (Administração Nacional de Eletricidade).
Somando todos os repasses para o Paraguai, incluindo o valor da cessão, e fazendo um paralelo com a receita que ele destinou, o parceiro do Brasil ficou, no ano passado, com um saldo positivo de quase US 15 milhões (R$ 75 milhões), mostra o levantamento da entidade.
Arte HTML5/Folhagráfico/AFP https://arte.folha.uol.com.br/mercado/2023/10/28/custos-itaipu/infografico1.html *** No balanço geral do ano, o Brasil foi responsável por 85% das receitas de Itaipu, adquirindo 76% da energia gerada. No total, 64% dos repasses da hidrelétrica destinam-se ao Paraguai.
“Quando olhamos o fluxo total líquido, o Paraguai recebeu não apenas energia, mas também pagamentos. Desde que a Itaipu começou a operar apenas em um ano, 2021, o Paraguai não teve receita”, diz Richard Hochstetler, diretor de assuntos econômicos e regulatórios do instituto, que coordenou o trabalho.
Procurada pela reportagem, a assessoria de imprensa de Itaipu disse que a empresa não conhecia o estudo e, por isso, não comentaria.
Brasil e Paraguai dariam início às discussões sobre o Anexo C na quinta-feira (26), em uma reunião no Ministério de Minas e Energia, em Brasília, que contaria com a presença dos presidentes da binacional de cada lado da fronteira.
Em paralelo, o presidente Lula (PT) e o presidente paraguaio, Santiago Peña, também fariam um encontro para tratar do tema. O governo brasileiro, no entanto, pediu o adiamento.
QUEM PAGA PELA ENERGIA DE ITAIPU NO BRASIL
Consumidores de 31 distribuidoras em dez estado e no DF são obrigados por lei a incluir na conta de luz a tarifa da usina binacional
São Paulo
– Enel SP (Eletropaulo Metropolitana Eletricidade de São Paulo)
– EDP SP (São Paulo Distribuição de Energia)
– Elektro (Neoenergia Elektro)
– CPFL Paulista (Companhia Paulista de Força e Luz)
– CPFL Santa Cruz (Companhia Jaguari de Energia)
– CPFL Piratininga (Companhia Piratininga de Força e Luz)
– ESS (Energisa Sul-Sudeste)*
Rio de Janeiro
– Light Enel RJ (Ampla Energia e Serviços)
– EMR (Energisa Minas Rio, antiga EMG)*
Minas Gerais
– Cemig (Companhia Energética Minas Gerais)
– CPFL Santa Cruz (Companhia Jaguari de Energia)
– DMED EMR (Energisa Minas Rio, antiga EMG)*
– MESS (Energisa Sul-Sudeste)*
Espírito Santo
– EDP ES (Espírito Santo Distribuição de Energia)
Mato Grosso
– EMT (Energisa Mato Grosso)
Mato Grosso do Sul
– EMS (Energisa Mato Grosso do Sul)
Goiás
– Celg (Equatorial Goiás)
Chesp (Companhia Hidroelétrica São Patrício)
Distrito Federal
– NDB (Neonergia, antiga CEB)
Paraná
– Copel Cocel (Companhia Campolarguense de Energia)
– CPFL Santa Cruz (Companhia Jaguari de Energia)
– Forcel (Força e Luz Coronel Vivida)
– ESS (Energisa Sul-Sudeste)*
Santa Catarina
– Celesc (Centrais Elétricas de Santa Catarina)
– DCELT (Distribuidora Catarinense de Energia Elétrica, antiga Ienergia)
– Cooperaliança (Cooperativa Aliança)
Rio Grande do Sul
– CEEE distribuição (Equatorial Energia)
– DEMEI (Departamento Municipal de Energia de Ijuí)
– Eletrocar (Centrais Elétricas de Carazinho)
– ELFSM (Empresa Luz e Força Santa Maria)
– RGE Sul Nova Palma Energia Muxenergia (Muxfeldt Marin & Cia)
*A distribuidora aparece em mais de um estado porque tem área de abrangência regional
Fonte: Aneel