Conheça o mapa do risco na BR-381, palco de desastre na sexta

Mateus Parreiras

Apesar de estar listado como um dos quatro trechos mais críticos da BR-381 (Norte), a “Rodovia da Morte”, o segmento entre Nova Era e João Monlevade só tem promessa de receber obras de duplicação, correção de traçado, pontes e melhorias de segurança a partir de 2023. Essa foi a última estimativa divulgada pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit). O trecho de curvas fortes, aclives e declives que exigem muito do desempenho dos veículos é justamente onde 18 pessoas morreram e 23 ficaram feridas depois de acidente com ônibus de viagem irregular, transportando passageiros de Alagoas para São Paulo. O veículo supostamente teve problemas mecânicos e voltou de ré, passando por cima da defesa da chamada Ponte Torta e despencando sobre a Estrada Férrea Vitória- Minas, de uma altura de 35,5 metros.

Ponte onde ocorreu o desastre é parte do trecho de 16 quilômetros entre João Monlevade e Nova Era, o que tem a maior quantidade de curvas acentuadas e um dos mais arriscados da Rodovia da Morte  © Leandro Couri/EM/D.A Press Ponte onde ocorreu o desastre é parte do trecho de 16 quilômetros entre João Monlevade e Nova Era, o que tem a maior quantidade de curvas acentuadas e um dos mais arriscados da Rodovia da Morte

A urgência de obras naquele trecho consta até mesmo de um estudo feito pelo Instituto de Geociências (IGC) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e que orientou vários pareceres nas audiências públicas que antecederam o início das obras de duplicação da rodovia, em 2014. O levantamento definiu quatro segmentos críticos, três deles entre Belo Horizonte e João Monlevade, onde a estrada concentrava mais de 200 curvas em 110 quilômetros. Neste ano, o trecho já concentra 152 mortes em 133 acidentes, segundo a Polícia Rodoviária Federal (PRF). Os três piores são o segmento em Nova União, do Km 428 ao 458; da MG-434, no trevo de Itabira, a Nova União; e de João Monlevade a São Gonçalo do Rio Abaixo. O quarto pior é justamente entre João Monlevade e Nova Era, onde o ônibus se acidentou na sexta-feira.

O estudo descreve o trecho de 16 quilômetros entre as duas cidades como excessivamente sinuoso, por concentrar 28 curvas consideradas acentuadas, uma a cada 1.750 metros. “Considerando a extensão total desse trecho e o grande número de curvas que são acentuadas, proporcionalmente aos demais se trata do detentor de mais curvas acentuadas”, indica o trabalho sobre pontos críticos.

Os 16 quilômetros se situam inteiramente no Planalto Dissecado dos rios Piracicaba e Santo Antônio, se aproximando do curso do Rio Piracicaba. “Esse trecho percorre uma sequência de colinas bem orientadas, que atravessa o característico relevo de “mares de morros”, com drenagem densa e encaixada, apresentando em diversos pontos vertentes ravinadas e com tendência à erosão agravada pelas atividades antrópicas (humanas). A rodovia alterna entre topos e fundos de vales nesse trecho, contornando diversas encostas, o que confere à região a quantidade de curvas mencionadas anteriormente”, aponta o levantamento do IGC.

Velocidade

A alta velocidade dentro de trechos que exigem um bom desempenho do motorista e do veículo, ao lado de falhas do condutor são as causas mais frequentes de acidentes na BR-381 desde 2015, segundo a PRF. A velocidade incompatível responde por 28%, seguida pela falta de atenção do condutor, com 22%. As colisões traseiras são o acidente mais registrado, chegando a 17% e em muito explicadas também pelos inúmeros pontos de parada e redução de velocidade devido às obras espalhadas pela estrada. Em seguida, vêm as saídas de pistas, com 14%, colisões com objetos estáticos, que representaram 10%, e os capotamentos, também com 10%.

Até o momento, dos 11 trechos divididos em lotes de duplicação da BR-381 (Norte), apenas dois ficaram prontos, relativos a dois túneis que não estão em uso. Dos demais 303 quilômetros entre Belo Horizonte e Governador Valadares, apenas 61 foram entregues desde 2014, quando foi assinada a ordem de serviço das obras. O montante representa 20% do total da obra, sendo que somente os lotes 3 (Jaguaraçu a Ribeirão Prainha) e o 7 (Rio Una a Caeté) estão em andamento. Os demais estão em negociação com empresas que ficaram em segundo lugar nas licitações abandonadas e demais acertos.

Uma das soluções pode ser o projeto de concessão das BRs 381/262 (MG/ES), enviado ao Tribunal de Contas da União (TCU) pelo Ministério da Infraestrutura. Uma concessão de 686,1 quilômetros por 30 anos com leilão previsto para o ano que vem. Prevê investimentos de R$ 7,7 bilhões e custos de operação de cerca de R$ 6,9 bilhões para os serviços de infraestrutura e recuperação, conservação, manutenção, operação, implantação de melhorias e ampliação de capacidade do sistema rodoviário. Entre as principais obras estão 590 quilômetros de duplicação, 138 de faixas adicionais, 131 de vias marginais, 50 passarelas e 108 paradas de ônibus. (MP)

Segmentos de risco

Conheça os quatro trechos mais perigosos da Rodovia da Morte

1º – Nova União (Km 428 ao Km 458) – Até Caeté é considerado o trecho mais sinuoso, com variações de curvas muito fortes e outras de geometria aceitável

2º – Itabira (trevo da MG-434 a Nova União) – Segmento mais íngreme, com desníveis de 350 metros, que são desafio com o tráfego pesado

3º – João Monlevade a São Gonçalo do Rio Abaixo – Traçado apresenta muitas curvas, com objetivo de contornar as vertentes, algumas vezes íngremes, outras suaves e extensas. Muitas curvas foram traçadas para evitar descidas muito bruscas

4º – João Monlevade a Nova Era – Segmento com maior quantidade de curvas acentuadas (28 em 16 quilômetros), não duplicado e sem obrasFonte: UFMG/IGC

Policiais não sabem onde está motorista

A Polícia Civil de Minas montou esquema especial para a identificação dos corpos das vítimas e na busca pelas causas e pelos culpados do acidente do ônibus na BR-381, em João Molevade, que matou 18 pessoas na sexta-feira. Um dos maiores mistérios que cercam a tragédia é o paradeiro de um dos motoristas do ônibus, que, segundo relato de testemunhas, teria pulado antes de o veículo despencar de uma altura de 35,5 metros, de acordo com nova perícia técnica. Ontem, equipes ainda trabalhavam na remoção de destroços do local.

A investigação confirmou que um dos motoristas do veículo morreu no local. O outro, que possivelmente estaria guiando o coletivo no momento do desastre, não foi encontrado. Oito pessoas já foram ouvidas pelas autoridades para tentar contribuir na apuração dos fatos. O delegado Paulo Tavares avalia que as oitivas ainda não são claras a ponto de encontrar um responsável.

“Não podemos ser levianos e nos precipitar. Temos depoimentos de testemunhas e de vítimas de dentro do ônibus. Alguns depoimentos são esclarecedores, outros confusos. A parte técnica é a mais difícil, pois depende do emocional das pessoas”, afirma o investigador.

Com relação ao condutor do ônibus, Paulo Tavares entende que ele não pode ser classificado como foragido. “Prefiro que essa palavra foragido não seja usada. Não existe mandado de prisão contra ele. Ele está desaparecido. Não se sabe o paradeiro dele. Mas o fato de ele ter abandonado o local de serviço, o próprio Código de Trânsito fala isso… Mas não vamos delinear fatos típicos agora. Vamos esperar a parte da perícia técnica e da investigação para fazer um desenho certo do fato.”

Dos 18 mortos, a perícia já identificou três cadáveres por impressão digital. O restante será feito nos próximos dias, com a ajuda de um grupo de 50 servidores convocados às pressas para atuar no fim de semana. A última vítima da tragédia chegou ao Instituto Médico-Legal (IML) nas primeiras horas de ontem. Ela foi resgatada ainda com vida no local do acidente e deslocada para o Hospital Santa Margarida, mas não resistiu aos ferimentos.

“O maior desafio nessa situação é a própria identificação. Na própria dinâmica do acidente, os objetos se desvinculam, o que torna o processo ainda mais difícil”, ressalta o superintendente de polícia técnico-científica, Thales Bittencourt. A PCMG está atuando em conjunto com a Polícia Civil dos estados de São Paulo e Alagoas, de onde muitas das vítimas eram. A polícia mineira solicitou às corporações as fichas datiloscópicas para ajudar na análise mais precisa.

Na sexta-feira, foram deslocados dois médicos-legistas para auxiliar no trabalho de reconhecimento das vítimas. Apesar de ter um posto em João Molevade, a Polícia Civil entendeu que seria mais viável fazer o trabalho mais pesado em Belo Horizonte, com apoio da Acadepol, por ter estrutura e material humano.

Por meio de um acordo da Defesa Civil de Minas Gerais com a Força Aérea Brasileira (FAB), uma aeronave ficará à disposição das famílias para o traslado dos corpos até o estado de Alagoas.

Causas

A perícia técnica da Polícia Civil também tenta entender o que levou o ônibus a despencar de uma altura de 35,5 metros, conforme nova análise feita pelos investigadores. Até agora, os peritos não chegaram a conclusões se o veículo teve falha mecânica de fato que interferiu no acidente. “Todos os levantamentos possíveis de ser feitos foram realizados, fotografias, medições foram coletadas. Exames estão sendo realizados para analisar se houve falha mecânica.” (RD)

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By valeon