História por CLAUDINEI QUEIROZ • Folha de S. Paulo
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O resultado do Pisa 2022 (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), divulgado nesta terça-feira (5), destaca que apenas 1% dos alunos brasileiros teve nota 5 ou 6 em matemática, consideradas ideais. Singapura, o líder do ranking, possui 41% de estudantes nessa faixa, e a média da OCDE, entidade que reúne os países ricos e organiza a prova, é 9%.
Dos 10.798 brasileiros de 599 escolas que fizeram o teste internacional, 27% tiveram pelo menos o nível 2 de proficiência, contra 69% da média da OCDE e 85% dos países de melhor ensino. Portanto, 73% ficaram abaixo do nível mínimo, necessário para usar os conceitos matemáticos para resolver problemas cotidianos.
Especialistas ouvidos pela reportagem destacam que a pandemia de Covid-19 acabou influenciando negativamente um cenário já caótico do sistema educacional público, principalmente, no ensino da matemática. Para eles, os números mostram a defasagem histórica em uma área vista como difícil de aprender.
O baixo desempenho na matéria sempre esteve presente nas pesquisas do Pisa, aponta Ya Jen Chang, presidente do Instituto Sidarta, instituição sem fins lucrativos que tem como objetivo contribuir para alterar as políticas públicas educacionais. “A verdade é que esse problema se arrasta há pelo menos 20 anos. Desde o primeiro Pisa, os dados já mostravam que 70% dos alunos estavam abaixo do nível 2.”
“Vários fatores agravaram esse efeito. Em primeiro lugar, temos uma quantidade enorme de estudantes em más condições socioeconômicas que foram muito afetados pela pandemia”, diz Marcelo Viana, diretor-geral do Impa (Instituto de Matemática Pura e Aplicada). “Outro aspecto é a fragilidade do nosso sistema educacional da rede pública. Mal ou bem, nossas escolas privadas em poucos meses já estavam oferecendo alternativas para os estudantes. Mas as públicas tiveram muita dificuldade.”
Ernesto Martins Faria, diretor-fundador do Iede (Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional), concorda com essa tese, mas destaca que a queda de desempenho já era esperada no país.
“Essa queda se concentrou em alunos de melhor desempenho, de pelo menos nível 3, em relação a 2018. O que percebemos é que o Brasil ia mal em matemática e quem mais sofreu é o perfil de alunos que tinha bom desempenho em 2018, o que era esperado. Eles eram muito dependentes do sistema educacional. Sem ensino presencial, era esperado que em habilidades mais complexas eles iam sofrer ainda mais”, afirma Faria, apontando um fator a se comemorar.
“Um detalhe relativamente positivo é que a gente não piorou tanto, a queda não foi tão grande quanto poderia ser. De alguma forma, o sistema conseguiu controlar defasagens extremas. As habilidades extremamente básicas a gente conseguiu manter no patamar de 2018.”
Para Chang, mitos como os de que existem pessoas de “exatas” e outras de “humanas” e de que para aprender matemática é preciso nascer com o “dom” atrapalham o avanço na área. Ele explica que estudos científicos sobre a neuroplasticidade do cérebro já comprovaram que não existe o “cérebro matemático”. “Todos são capazes de aprender matemática em altos níveis.”
“Ou seja, o problema não está nas pessoas, mas sim na forma como estamos ensinando a disciplina. Existem formas que já vêm sendo aplicadas no Brasil e que têm resultados comprovados por conectar alunos e educadores às suas reais identidades matemáticas”, diz Chang.
“Matemática não é memorizar fórmulas e procedimentos infinitos. Será preciso resgatar o sentido dessa ciência dos padrões e, para muitos, também superar o medo e o trauma da disciplina para abrir o caminho para aprendizagem que faça sentido para todos.”
Para melhorar o ensino da matemática no país, tanto Marcelo Viana quanto Ernesto Faria afirmam ser necessário encontrar soluções pedagógicas tanto nas escolas brasileiras que se destacam, sejam públicas ou privadas, quanto nos países líderes do ranking Pisa.
“As escolas públicas brasileiras que vão bem ainda estão muito longe do desejável. O problema é que muitas vezes a aula de uma série é focada em séries anteriores e os alunos já chegam com defasagem muito grande. Os alunos com alto desempenho não podem estar em uma aula que já sabem a matéria, têm de estar em aula mais complexa. E o aluno de desempenho mais baixo tem de estar em aulas de reforço”, diz Faria.
Essa defasagem fica mais clara quando é comparada às demais disciplinas, afirma Viana. “Todos os dados da matemática vão piorando durante o processo escolar, mesmo na comparação com a língua portuguesa. O percentual de alunos que terminam os ciclos com desempenho satisfatório vai diminuindo. O desempenho matemático é só de 12% nos que terminam o ensino médio. A meu ver, isso aponta o dedo para um elemento que é fundamental que é o ensino médio.”
Além de buscar estratégias pedagógicas que funcionam e melhorar a infraestrutura de nossas escolas, o primordial para os especialistas é o governo investir tanto na formação quanto na valorização do professor. Como mostrou a Folha de S.Paulo em maio, os cursos de licenciatura nas áreas de exatas têm taxas de desistência em torno de 70%, bem superiores à média geral do sistema universitário.
“Não adianta alta tecnologia na sala de aula se o professor não souber usar. É importante dar ao professor uma formação que o capacite a fazer isso. Vem junto da valorização, que significa salário, mas quando a gente olha nas unidades da federação, o salário não garante que o desempenho vai ser melhor”, diz Viana.
“O Brasil já provou que pode produzir matemáticos de excelência e professores, também. Temos medalhista Fields. Nós podemos fazer, mas temos de nos inspirar nos bons exemplos, nas escolas municipais e estaduais que dão certo para replicar.”