História por NELSON DE SÁ • Folha de S. Paulo
TAIPÉ, TAIWAN (FOLHAPRESS) – Realizado em 2022 e divulgado no início de dezembro, o Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes) confirmou Singapura como líder do ranking de 81 países e regiões nas três matérias abrangidas, matemática, leitura e ciências. O Brasil foi o 65º em matemática, foco maior desta edição do exame aplicado desde 2000 para estudantes de 15 anos.
Autor do livro “Learning from Singapore”, aprendendo com Singapura, Ng Pak Tee aponta a valorização da educação e dos próprios professores, por razões históricas, e a busca permanente de aprimoramento do sistema de ensino como características significativas do país. Mas evita defender o sistema como modelo para outros países. “Ele não é perfeito, e nosso contexto é diferente.”
Desde que o país de 5,9 milhões de habitantes começou a chamar a atenção no Pisa, também há críticas, como o foco em exames de avaliação, que estimulam procurar aulas extras, pagas. Ng reconhece que Singapura era assim “no passado”, mas enfatiza as mudanças feitas, visando o bem-estar dos alunos e uma busca de “aprender com alegria”, como queria Confúcio.
Questionado sobre o que explicaria o desempenho também de Macau, Taiwan e Hong Kong, três outras regiões da chamada Grande China que aparecem logo abaixo de Singapura no último ranking do Pisa, Ng responde não conhecer a fundo, mas arrisca: “Meu palpite é que, de um modo geral, talvez a educação nesses lugares seja mais valorizada por toda a sociedade.
Leia, a seguir, trechos editados da entrevista.
Pergunta – Como Singapura se tornou um exemplo em educação? Como começou?
Ng Park Tee – Pessoalmente, eu não chamaria Singapura de um sistema educacional modelo ou um exemplo em educação, como você colocou. Ele não é perfeito, e nosso contexto e trajetória são diferentes dos outros. Em muitas áreas, como educação infantil, ainda está tentando alcançar e aprender com outros sistemas avançados. Se é por causa dos resultados do Pisa, então minha opinião é que o Pisa é uma boa referência, mas não é nosso boletim escolar. Estamos muito mais preocupados com a educação das crianças do que com os resultados do Pisa.
Suponho que a maneira mais fácil de entender seja começar por 1965, ano em que Singapura se tornou independente. O desafio naquela época era sobreviver. O país era pobre e havia um alto índice de desemprego, muitos singapurenses eram analfabetos. Havia uma atitude geral entre as pessoas daquela geração de que “vamos enviar nossos filhos para a escola para que tenham vidas melhores que as nossas”. A educação se tornou a esperança. Singapura é um país muito pequeno, sem recursos, sem petróleo, borracha ou terra para agricultura, exceto o povo. Valorizamos a educação, acho que esse foi o ponto de partida.
P. – Qual é a característica mais significativa do sistema educacional hoje? E é viável reproduzi-la fora de Singapura?
N. P. T – Uma filosofia fundamental em Singapura é que, à medida que o tempo avança, são feitas mudanças para acompanhar. Independentemente de onde estiver em testes comparativos internacionais, vai sempre tentar melhorar a educação. Mas existem constantes atemporais que servem como faróis, para ajudar a navegar pelas águas da mudança de forma segura. Uma constante no sistema é que a educação é um investimento, não uma despesa. Não se pouparam recursos para a educação mesmo quando a economia foi duramente atingida, durante várias crises globais, para que as crianças não ficassem para trás.
P. – O sr. acredita que o valor dado aos professores, em salários e na sua seleção e preparação, tem papel nisso?
N. P. T – Sim, em vários relatórios internacionais isso é citado como um fator chave para o alto desempenho educacional de Singapura. O ensino é uma profissão respeitada. Investe-se muito esforço e recurso no desenvolvimento profissional de líderes escolares e professores. Conseguimos recrutar professores do terço superior das suas turmas acadêmicas. O salário inicial é comparável a outras profissões, e existem diferentes caminhos de desenvolvimento e avanço na carreira. Entrevistamos cuidadosamente os candidatos para recrutar só aqueles que estão de fato interessados em ensinar. O governo cobre o custo para a formação de professores, e quando estagiários eles recebem salário. Todos os professores e líderes escolares são treinados no Instituto Nacional de Educação, onde eu trabalho. Tentamos preparar professores prontos para o futuro, que sejam adaptáveis à mudança, mas ancorados em princípios.
P. – Essa valorização reflete a própria sociedade, a forma como ela enxerga os professores?
N. P. T – Sim, em termos gerais, a sociedade valoriza os professores, mas também são feitos esforços deliberados para cuidar e proteger a imagem da profissão. Por exemplo, existe um prêmio prestigioso que homenageia professores excepcionais, inspiradores e atenciosos, que o presidente de Singapura concede pessoalmente, e grandes anúncios são pintados na parte externa de ônibus, para lembrar ao público que a educação está “Moldando o futuro da nação”.
P. – Em relação à posição de Singapura no Pisa, há críticas ao peso que é dado no país para aulas particulares e à educação muito voltada para os exames. Isso é verdade?
N. P. T – O bem-estar dos estudantes é atualmente um tema quente em Singapura. Na verdade, as escolas sempre se preocuparam, atividades extracurriculares e educação física sempre foram parte importante do ensino. Mais recentemente, têm sido feitos mais esforços em áreas como educação de caráter e cidadania, aprendizado social e bem-estar digital.
Nosso sistema no passado era bastante voltado para exames. O que se está fazendo agora é afastar do foco no resultado dos testes e concentrar na qualidade da aprendizagem. Foi reduzido o número de exames que os estudantes fazem nas escolas, mas, mais importante, estão sendo feitas mudanças na educação para apoiar uma infância ou adolescência saudável. Os estudantes passam parte do tempo na escola. O que se quer é garantir que eles realmente se beneficiem e aproveitem de seu tempo de aprendizado na escola. Isso é uma parte crucial do bem-estar dos estudantes, que as crianças desenvolvam o hábito de estudar com menos estresse na aprendizagem.
P. – Você já escreveu que Confúcio, falando sobre aprender, perguntou: ‘não é uma alegria?’. É uma alegria, em Singapura? Está se tornando mais alegre?
N. P. T – Espero que sim. Foi reduzida a ênfase nas notas como medida de sucesso dos alunos. Nos exames de conclusão do ensino fundamental, para alunos com 12 anos, a medida estatística para classificar as notas dos alunos foi substituída por faixas de conquistas mais amplas. Ao fazer isso, a mensagem para os alunos e pais é que os exames ainda são importantes, mas não são a única coisa ou a coisa mais importante na vida. Não há necessidade de ficar tão ansioso para buscar o objetivo. Portanto, agora é preciso nos perguntar: é necessário fazer aulas particulares? O tempo pode ser utilizado para algo que leve a um desenvolvimento mais completo? É necessário estudar repetidamente só para os exames, tirando tempo de outras aplicações mais criativas do conhecimento? A prática não está errada, ela é necessária para a aprendizagem. Estamos preocupados com a prática excessiva, em detrimento do desenvolvimento holístico da criança.
A aprendizagem ganha vida quando os alunos sentem que o que aprendem é útil e significativo em suas vidas e têm oportunidade de aplicar seus conhecimentos e habilidades em situações do mundo real. Recentemente, todas as escolas foram incentivadas e apoiadas a desenvolver um programa de aprendizagem aplicada para seus alunos. A abordagem ao bem-estar dos estudantes não é superprotegê-los de desafios. Enfatiza-se a educação holística para preparar os alunos com valores e habilidades para superar dificuldades e contratempos.
P. – Como é a equidade no sistema escolar de Singapura? As crianças de famílias pobres têm acesso a boa educação?
N. P. T – O objetivo é um sistema escolar excelente para todas as crianças e jovens, não algumas escolas excelentes para alguns. A filosofia é que todas as escolas sejam boas, independentemente dos resultados acadêmicos. Que todas tenham bons líderes e professores, sejam ambientes seguros para as crianças. Se você ensina em uma escola de alto nível, isso não significa que é um professor melhor ou tem uma carreira mais brilhante. Na verdade, indicamos alguns de nossos melhores professores e diretores para as escolas menos privilegiadas, porque eles podem melhorar essas escolas. Independentemente do contexto familiar, as crianças podem ter acesso a uma boa educação. Todas as escolas importam, são lugares para as crianças aprenderem e construírem relacionamentos em um ambiente seguro.
Estão sendo desenvolvidos caminhos diferentes, para que alunos diferentes com aptidões diferentes possam encontrar satisfação à sua maneira. De certa forma, isso descreve a equidade em Singapura. Os resultados podem não ser todos iguais, mas são todos bons o suficiente como base para levar uma vida, criar uma família, ser um cidadão. Os diferentes caminhos também permitem que as crianças experimentem a alegria de aprender. Elas se envolvem, encontram significado e prazer, trabalham duro para alcançar. É a confluência de equidade, excelência e bem-estar.
P. – Como foi a experiência com Covid-19 em Singapura?
N. P. T – Quando a Covid-19 atingiu, foi, é claro, uma crise. O impacto em vidas humanas, nos meios de subsistência e no estilo de vida foi tremendo. Durante o período de bloqueio, de abril a junho de 2020, quando o ensino em casa foi implementado em todo o país, os professores continuaram ensinando e aprendendo usando ferramentas online. Dada a mudança repentina naquela época, escolas, professores e alunos realmente se adaptaram. Os professores aprenderam a operar online, fizeram ligações para cuidar de seus alunos. Estes, é claro, tiveram que fazer muitos ajustes também, tiveram mais tempo de tela e menos socialização presencial, mas fizeram o seu melhor. O resultado foi que a aprendizagem continuou em Singapura, apesar da pandemia.
Pós-Covid, olhando para a frente, essas competências de ensino online abrem caminho para o avanço pedagógico. Os professores agora têm uma melhor compreensão dos benefícios e armadilhas das ferramentas tecnológicas. Estamos aproveitando o fato de que os professores agora estão mais competentes com elas para avançar em direção ao ensino híbrido. Algum ensino em casa regular, feito online, complementa as aulas presenciais. Durante esses períodos de ensino em casa, os alunos assumirão a responsabilidade por sua própria aprendizagem e se envolverão em alguns tópicos fora do currículo.
RAIO-X
Matemático pela Universidade de Cambridge, na Inglaterra, o singapurense Ng Pak Tee é professor do Instituto Nacional de Educação, da Universidade Tecnológica de Nanyang, faculdade que seleciona e prepara os professores do país. Publicou em 2017 o livro “Learning from Singapore: The Power of Paradoxes” (Routledge, 2017), em que aponta o efeito positivo de paradoxos no sistema educacional do país, como a convivência entre centralização e descentralização.