História por LUANY GALDEANO • Folha de S. Paulo
RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Para a juíza Carolina Rossi, 51, parte das críticas ao Judiciário são resultado da desinformação. Ela compartilha a experiência como magistrada nas redes sociais com objetivo de combater essa tendência e ajudar os quase 150 mil seguidores de seus perfis a romperem estereótipos contra juízes.
Carolina, que atua na 1ª Vara Cível de São Bernado do Campo, no ABC paulista, acumula 2,7 milhões de curtidas no perfil paposobrejustica no TikTok, e está também no Instagram. Nos vídeos, ela tira dúvidas sobre concursos para a magistratura e desafios da carreira, além de dar explicações jurídicas sobre assuntos variados como redação do Enem e a guerra Israel-Hamas.
“Minha função me permite ter um conhecimento jurídico que pode ser utilizado a favor das pessoas. Sou uma agente de poder e, como tal, entendo que eu tenho algumas obrigações, incluindo fornecer informação.”
Segundo ela, a falta de conhecimento sobre o Judiciário faz as pessoas se colocarem contra o poder. Por isso, a conta visa informar os seguidores sobre o que, de fato, faz o juiz.
“Ajudou a quebrar o preconceito de que todo juiz é arrogante”, escreveu um usuário em um vídeo da magistrada publicado no TikTok com cerca de 1,2 milhão de visualizações.
Carolina afirma que não dá opiniões, mas, sim, informa sobre questões jurídicas e de carreira.
Nos vídeos em que responde a perguntas dos seguidores, surgem dúvidas de alunos de direito ou concurseiros com interesse em se tornar magistrados, assim como de pessoas que querem saber, por exemplo, por que processos demoram para ter uma conclusão.
Há também muitas perguntas sobre celebridades: se Larissa Manoela pode ter de volta o patrimônio de que abriu mão na briga com os país e se Chico Moedas, ex-namorado de Luísa Sonza, pode processar a cantora pela música em homenagem a ele.
“Às vezes vêm umas perguntas mais complexas e profundas, que eu respondo com uma linguagem simples, que as pessoas vão entender. Até porque, se eu ficar no ‘juridiquês’, qual o sentido da página?”
Carolina diz manter cautela ao abordar certos temas para não afetar a imagem profissional.
As regras para juízes impõem uma série de restrições quanto à manifestação pública. Entre os temas proibidos, estão a emissão de opinião sobre processos pendentes de julgamento e a manifestação de apoio ou crítica a candidatos, partidos ou lideranças políticas.
A juíza afirma que hoje o dia a dia é mais fácil se comparado a quando ela começou na magistratura, em 1998. Na época, por trabalhar em uma cidade pequena, ela avalia que tinha mais restrições na rotina para evitar insinuações sobre sua conduta nos tribunais.
Para Carolina, isso tornava a profissão solitária. Ela, que sempre trabalhou no interior de São Paulo, foi aconselhada a não ser vista em certos lugares dos municípios. Quando trabalhou em cidades litorâneas do estado, recebeu a orientação de não frequentar a praia.
“Imagine uma pessoa te ver de biquíni e depois de toga na audiência. Será que ela continua tendo a mesma imagem? O Poder Judiciário, que é mais tradicional e conservador, entende que não.”
A seu ver, restrições de comportamento são maiores para mulheres –que são apenas 40% dos magistrados, segundo dados do censo do Judiciário publicado em 2023 pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça).
Carolina conta que, quando estava no início da carreira, ela e outras juízas assistiram a uma palestra sobre como se comportar, para a qual homens não foram convidados. Entre as orientações, foi pedido que elas evitassem almoçar com promotores.
Ela relata que, nos concursos, mulheres recebiam mais questionamentos sobre temas como casamento e filhos.
“Perguntaram se, caso eu fosse juíza no interior e os desembargadores me visitassem, eu cozinharia para eles”, afirma. “Para uma mulher passar, ela tinha que ir dez vezes melhor do que um homem na entrevista.”
Carolina defende que é preciso avançar na pauta da diversidade no Judiciário, mas avalia que houve melhorias nos últimos anos. Ela diz que a carreira se tornou menos elitizada e que isso melhorou a percepção das pessoas sobre magistrados.
“Hoje, a maioria dos juízes é, como eu, nascido de pai e mãe que se dedicaram muito para que os filhos pudessem estudar”, afirma. “Antes, o juiz ficava isolado da sociedade, mas agora está mais incluído nos grupos sociais. É importante que ele entenda o lugar onde está e pelo que as pessoas estão passando.”
Para Carolina, a visão crítica sobre a categoria persiste, sobretudo em casos de repercussão como o mensalão e a Lava Jato.
Nascida em Santo André, na região metropolitana de São Paulo, Carolina é filha de professores. Escolheu direito por ter mais afinidade com ciências humanas e gostar de escrita. Pelo mesmo motivo, também cursou jornalismo. Optou por seguir no direito depois de estudar processos e conhecer a carreira de juiz.
“Fiz uma faculdade pública, a USP, então tenho que dar de volta o que recebi. A informação é um jeito de tentar retribuir de alguma forma o que o poder público me deu.”