História por dw.com • DW Brasil
Líder da ultradireitista AfD diz que Alemanha poderá realizar referendo sobre saída do país da UE nos moldes do Reino Unido. Maioria dos britânicos, porém, apoiaria volta do país ao bloco europeu, segundo pesquisas.
Pesquisa revela que 51% dos britânicos apoiam a reversão do resultado do referendo de 2016 sobre o Brexit© picture-alliance/Zumapress
A colíder do partido ultradireitista Alternativa para a Alemanha (AfD), Alice Weidel, afirmou em entrevista ao jornal britânico Financial Times nesta segunda-feira (22/01) que o referendo que resultou no Brexit – a saída do Reino Unido da União Europeia (UE) – seria um “exemplo a ser seguido” na Alemanha.
A entrevista foi publicada após dias de protestos em massa em defesa da democracia e em repúdio ao extremismo de direita em várias cidades da Alemanha, com a AfD sendo o alvo principal dos manifestantes. No último fim de semana, mais de um milhão de pessoas participaram de cerca de 90 manifestações em diferentes pontos do país.
A nova onda de manifestações veio em resposta a uma reunião secreta realizada por membros da AfD com neonazistas, onde foi discutido um plano para a deportação em massa de milhões de imigrantes e “cidadãos não assimilados”.
A denúncia, surgida em uma reportagem divulgada pelo grupo de jornalismo investigativo Correctiv, deu início a um debate sobre a possível proibição da AfD ou a excluisão da sigla do financiamento estatal.
“Dexit”
“[O referendo sobre o Brexit] é um modelo para a Alemanha, de que é possível tomar uma decisão soberana como essa”, disse Weidel ao Financial Times, argumentando que o chamado “Dexit” – termo que une o nome do país em alemão (Deutschland) com a palavra exit (“saída” em inglês) – daria um impulso a um fortalecimento da autodeterminação alemã.
A poucos meses das eleições europeias, a ultradireitista disse que seu partido quer reformar as instituições da UE de modo a reduzir o poder da Comissão Europeia – o Executivo do bloco europeu – e enfrentar o que ela chama de um “déficit democrático” no bloco europeu.
Alice Weidel, líder da AfD, acredita que o© Sebastian Kahnert/dpa/picture-alliance
Mas, “se as reformas não forem possíveis, se fracassarmos em reconstruir a soberania dos Estados-membros da UE, podemos deixar que o povo decida, assim como fez o Reino Unido”, afirmou. “Poderíamos ter um referendo sobre o ‘Dexit’.”
Ela disse ainda que a revelação da reunião secreta de seus correligionários com neonazistas foi “escandalosa”, e que resultou em uma representação falsa de seu partido que, segundo afirmou, defende apenas a deportação das pessoas que não têm direito de permanecer na Alemanha.
“A AfD é o partido que defende a aplicação das leis nesse país”, disse a parlamentar, ao negar que a legenda ultradireitista planeje implementar as medidas radicais discutidas na reunião secreta.
Assessor de Weidel na reunião secreta
O escândalo fez com que Weidel acabasse sendo forçada a demitir seu assessor Roland Hartwig por ter participado da reunião, sobre a qual ela diz não ter nenhum conhecimento. Ela, inclusive, teria sido confrontada dentro do partido pela demissão de Hartwig.
Fundada em 2013 como um partido eurocético, a AfD deixou de lado sua causa original para se voltar cada vez mais ao ódio contra a imigração, se movendo para o lado mais extremo do espectro político alemão.
A legenda, classificada como extremista de direita pelo serviço de inteligência interna da Alemanha, tem uma parcela de suas estruturas já sob observação por suspeita fundamentada de afronta à Constituição e à ordem democrática do país.
Mesmo assim, a legenda ultradireitista viu sua popularidade aumentar nos últimos anos, atingindo em torno de 22% da preferência do eleitorado, segundo pesquisas recentes, atrás somente da União Democrata Cristã (CDU), de centro-direita, e bem à frente dos três partidos que integram a coalizão de governo em Berlim – o Partido Social-Democrata (SPD), do chanceler federal Olaf Scholz; os Verdes e o Partido Liberal Democrático (FDP). O SPD registrou apenas em torno de 13% da preferência dos eleitores.
O grande teste a ser enfrentado pela ultradireita na Alemanha e em outros países do bloco serão as eleições europeias, que serão realizadas nos 27 países do bloco em junho deste ano.
Maioria dos britânicos apoia “reversão” do referendo
A campanha do “não” à UE saiu vencedora no referendo de 2016 por 52% a 48% dos votos.
Mas, após o divórcio definitivo entre o Reino Unido e a UE, em 2021, quando os britânicos passaram a sentir os efeitos econômicos e práticos da decisão, uma parcela significativa da população passou a enxergar com bons olhos a hipótese de um retorno do país à União Europeia.
Uma pesquisa do instituto YouGov divulgada no dia 4 de janeiro de 2024 revela que 51% dos britânicos apoiam a reversão do resultado do referendo de 2016, incluindo 33% que defendem fortemente a medida. Ao mesmo tempo, 36% disseram que são contrários à reversão, incluindo 25% que são fortemente contra.
Brexit gerou uma série de entraves à economia britânica e criou barreiras à importação de vários produtos© Swati Bakshi/DW
Outro levantamento realizado pelo portal Statista, divulgado em dezembro de 2023, revela que 55% dos britânicos consideram que deixar a UE foi um decisão errada, contra 33% que dizem ter sido acertada. Outros 12% não souberam responder.
Com a saída do Reino Unido do mercado único e da união alfandegária do bloco europeu, as empresas britânicas tiveram de enfrentar um novo conjunto de regras, com aumento da burocracia e das vistorias de bens e produtos nas fronteiras.
Impactos na economia
Após uma queda inicial nas exportações britânicas para a UE, a situação apresentou uma melhora perceptível após a pandemia. Muitos analistas, porém, argumentam que as vendas poderiam ter aumentado ainda mais se o país não tivesse deixado o bloco. A variedade dos bens exportados também diminuiu.
Uma pesquisa recente da Câmara Britânica de Comércio, que analisou 500 empresas do país, revelou que mais da metade ainda enfrenta dificuldades para se adaptar ao novo sistema implementado no pais após o Brexit.
O mesmo ocorre com as importações. Os volumes se recuperaram após a pandemia, mas os preços dos alimentos importados da UE aumentaram em torno de 6% entre 2020 e 2021, segundo um estudo da Escola de Economia de Londres. Isso ocorreu antes do recente salto inflacionário no continente.
Enquanto as economias dos países do G7 – Estados Unidos, Canadá, Alemanha, França, Itália, Japão e Reino Unido, além da UE – tiveram uma recuperação econômica no período pós-pandemia, o Reino Unido deixou de crescer.
A saída britânica da UE também significou o fim do livre trânsito de trabalhadores entre a Europa e o Reino Unido e a introdução de um novo sistema de imigração que desagradou setores diferentes da economia.
Um estudo do think tank Centre for European Reform and UK in a Changing Europe indica que o mercado de trabalho britânico tem um déficit de 330 mil profissionais. Embora isso represente apenas 1% da força de trabalho total do país, o impacto é bastante significativo nos setores do comércio, transportes e hoteleiro.