História de Notas & Informações • Jornal Estadão

Segundo o Índice de Percepção da Corrupção (IPC) da Transparência Internacional, em 2023 o Brasil caiu 10 posições, ficando na 104.ª colocação entre 180 países, com 36 pontos, abaixo da média global (43), da das Américas (43) e da dos Brics (40), bem abaixo das do G-20 (53) e da OCDE (66) e também da sua melhor pontuação na série histórica, 43, em 2012. Tais “pontos” e “colocações” devem ser tomados com ressalvas. Afinal, trata-se de um índice de “percepção”, mensurado em enquetes com especialistas, acadêmicos e empresários.

O resultado parece paradoxal. Após os dois grandes escândalos recentes, o mensalão e o petrolão, não houve indícios de esquemas dessa magnitude. O Supremo Tribunal Federal (STF) erradicou um dos grandes canais de abastecimento desses esquemas, o financiamento de campanhas por empresas, e o Congresso aprovou novos mecanismos de controle sobre a interferência política em estatais ou autarquias.

Não obstante, a percepção registrada pela Transparência Internacional talvez reflita uma sensação de insegurança sobre a governança da coisa pública e da aplicação dos princípios de administração: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

Parte dessa sensação talvez decorra da ressaca pós-Lava Jato. Passada a euforia, as arbitrariedades verificadas no devido processo legal e o ingresso dos protagonistas da operação na política geraram em parte da população um ceticismo sobre sua idoneidade. Após validarem a operação no início, as instâncias judiciais ativaram um processo de desconstrução generalizada, que culminou com decisões monocráticas no STF suspendendo provas e multas a réus confessos, o que lançou as piores suspeitas sobre a Corte, como se fosse órgão instável, imparcial e submisso a ventos políticos e lobbies corporativos.

Apesar dos marcos legais recentes e de não se terem verificado grandes escândalos, há uma sensação de que a corrupção, se não no sentido estrito de desvio de dinheiro público para bolsos privados, no sentido amplo da corrupção moral e cívica, nas formas do patrimonialismo, do clientelismo, do corporativismo, está sendo institucionalizada.

É um fenômeno curioso que, concomitantemente à percepção de aumento da corrupção sugerida no IPC, haja uma profusão de libelos acalorados em favor da ética nas instâncias do poder. Agitando a bandeira da “lei e da ordem”, o governo de Jair Bolsonaro debilitou órgãos de controle, ocultou dados públicos, disseminou desinformação. Sob a bandeira da “justiça social”, o governo lulopetista também manobra para debilitar mecanismos de controle e reeditar, sob o manto “desenvolvimentista”, o aparelhamento do Estado que criou um ambiente fértil a desvios de recursos e ao uso da máquina estatal para fins privados.

A cada ano aumenta a provisão de emendas parlamentares distribuídas de maneira opaca, paroquiana e arbitrária, corrompendo a governabilidade e o Orçamento público e criando condições para uma corrupção miúda e pulverizada. Fundos partidários e eleitorais crescem exponencialmente, desequilibrando a competição democrática em favor daqueles instalados no poder.

Em nome da defesa do Estado Democrático de Direito, a Justiça lança mão de heterodoxias processuais, como os inquéritos sigilosos e intermináveis do STF. O fenômeno recente e agudo de um Judiciário politizado se sobrepõe à doença crônica de uma magistratura habituada a acumular escandalosos privilégios.

Some-se a tudo isso a profusão de indícios de infiltração do crime organizado no mercado legal e no Estado.

O IPC não mensura (e nem pretende mensurar) o estado objetivo e quantitativo da corrupção, em sentido estrito, no Brasil. Talvez ela tenha diminuído. Talvez tenha aumentado e esteja escamoteada sob disfarces mais sofisticados. Mas é possível que a percepção registrada no IPC reflita o desamparo do cidadão ante um estado de coisas ainda mais grave, do qual a corrupção criminal é só uma consequência: a corrupção (corrosão, erosão, degradação ou deterioração, como queiram) dos pilares do Estado de Direito.

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By valeon