História de ADRIANA FERNANDES E IDIANA TOMAZELLI • Folha de S. Paulo

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) lançou uma ofensiva para tentar derrubar o custo do crédito para as empresas em 2024 e aposta em nove projetos para atacar o chamado spread bancário.

Uma das propostas em estudo é incluir, na regulamentação da reforma tributária, a concessão de um crédito presumido para companhias que tomarem empréstimos no setor financeiro.

O spread é a diferença entre os juros que o banco cobra ao emprestar aos clientes e a taxa que ele paga para captar o dinheiro. A ideia é que as empresas usem o valor do crédito em impostos para abater o pagamento de tributos federais, o que significa na prática uma redução da carga sobre as operações.

O secretário de Reformas Econômicas do Ministério da Fazenda, Marcos Barbosa Pinto, antecipou à Folha que o pacote vai buscar um modelo de IVA (Imposto sobre Valor Agregado) para o sistema financeiro que permita a redução do spread e garanta a não cumulatividade do tributo —evitando a cobrança em cascata de imposto sobre imposto.

“Nenhum país do mundo acertou um bom modelo de IVA do setor financeiro. Nós temos condições de fazer um ótimo modelo. Não podemos nos contentar em ficar com um modelo parecido ao do PIS/Cofins hoje”, afirma Pinto.

A discussão está sendo feita no nível técnico entre as equipes de Reformas Econômicas e da Secretaria Extraordinária da Reforma Tributária, comandada por Bernard Appy. “Se não for possível, não vamos fazer, mas a sensação que se tem é que é viável”, ressalta.

A reforma tributária instituiu um regime específico de tributação para os serviços financeiros, o que inclui operações de crédito e a chamada intermediação financeira (o spread bancário). Eles serão tributados pelo novo IVA, mas com regras específicas a serem definidas em lei complementar.

A ideia do governo é permitir, na regulamentação, que as empresas que tomarem um empréstimo no sistema financeiro tenham direito a um crédito presumido relativo ao tributo cobrado pela instituição financeira na concessão do financiamento.

“Queremos agora acertar um modelo de IVA que reduza custos, para que seja moderno, com menos obrigações acessórias para o setor financeiro, e que, na medida do possível, dê o crédito para as pessoas jurídicas que tomaram empréstimo”, afirma Pinto.

A maioria dos países isenta o spread bancário da tributação. No Brasil, a carga tributária incidente sobre as operações responde hoje por 22% do custo de intermediação.

A dificuldade, afirma o secretário, é que a reforma foi aprovada com uma trava: o nível de tributação dos bancos não pode nem subir nem cair. A exigência é manter o mesmo patamar atual de carga sobre o setor.

Mesmo que assim desejasse, o Executivo enfrentaria obstáculos legais para reduzir a cobrança ou até mesmo isentar o spread. A concessão do crédito presumido, porém, poderia alcançar o efeito esperado sem esbarrar nesse problema.

A nova rodada de medidas para atacar o custo do crédito das empresas e o spread contém também projetos que já tramitam no Congresso Nacional, mas não avançaram no segundo semestre do ano passado diante da pauta econômica muito concentrada nas questões fiscais, orçamentárias e na própria PEC (proposta de emenda à Constituição) da reforma tributária.

O foco da agenda do Ministério da Fazenda agora é aprovar a regulamentação da reforma tributária e um novo arcabouço jurídico e regulatório do sistema financeiro por meio desses projetos.

Segundo o secretário, a novidade em relação a outras tentativas do passado é que o pacote de propostas cria condições para aumentar a competição no mercado de crédito no Brasil, hoje concentrado nos grandes bancos.

O objetivo é lançar mão de instrumentos que facilitem a busca de recursos para novos investimentos das empresas no mercado de capitais, por meio de emissão de títulos privados e na Bolsa.

No Brasil, o spread é historicamente elevado por diversas razões, como alta inadimplência, baixa competição e tributação elevada.

No ano passado, a taxa média de juros cobrados nos novos empréstimos caiu a 28,4%, 1,7 ponto porcentual abaixo do verificado em 2022. Mas a queda veio acompanhada de uma alta de 0,4 ponto percentual no spread bancário, que fechou o ano passado em 19,7 pontos percentuais, segundo dados do Banco Central.

Para tentar atacar os diferentes componentes desse custo, a agenda de crédito da Fazenda contém cinco pilares: redução da inadimplência, mercado de capitais, regulação do setor bancário, mercado de seguros e a tributação do setor financeiro após a reforma.

Um dos focos é atacar a alta inadimplência dos financiamentos que não têm garantias e melhorar a recuperação dos ativos pelos credores nos processos de falência.

Hoje, a taxa de recuperação de ativos é de 12,2%, e das dívidas, de apenas 6,1%. Os indicadores são considerados muito baixos perto do que as empresas costumam oferecer em bens e recursos no início dos processos.

O grande entrave é a demora na arrecadação e avaliação dos bens, que contribui para a perda de valor dos ativos e compromete o sucesso do plano. O projeto que altera a Lei de Falências propõe a instituição de um gestor fiduciário, que terá mais flexibilidade e agilidade para vender os bens e pagar os credores da companhia.

Outro projeto prevê punir administradores de empresas que infringirem as regras de funcionamento do mercado de capitais, o que inclui casos de fraude contábil —como o ocorrido no caso das Americanas, por exemplo.

Se aprovada, a nova lei não valerá para casos passados, mas dará mais segurança aos investidores, encorajando o aporte de recursos em companhias e ampliando essa fonte de capitais —com aumento da concorrência no mercado de crédito.

Pinto afirma que a inadimplência tem caído nos últimos anos, mas ainda há um longo caminho pela frente diante da persistência do spread em níveis elevados.

Apesar do nome em inglês e de muitas vezes ser de difícil compreensão pelo público em geral, o spread bancário afeta diretamente a vida dos cidadãos e da economia. O custo de intermediação elevado torna o crédito mais caro e menos acessível, o que impacta negativamente o consumo.

“Essa é uma agenda importantíssima. Imagina o tanto de investimento que deixa de ser feito porque o investidor vai pegar um empréstimo e vê que não consegue pagar”, afirma Pinto.

Em sua avaliação, o debate econômico no Brasil tem se concentrado há anos no ajuste fiscal e na taxa de juros, mas é hora de atacar com mais força as questões microeconômicas, como a baixa produtividade que inibe o crescimento do país.

“Ficamos discutindo qual vai ser a meta fiscal, se a taxa Selic está no nível correto ou não. Obviamente, não tem como crescer sem responsabilidade fiscal e inflação controlada, mas elas não são suficientes”, diz.

OS PILARES DA AGENDA DE CRÉDITO

O governo divide a agenda de crédito e redução do spread bancário, sobretudo para empresas, em cinco pilares:

1) Redução da inadimplência

Projeto que aprimora Lei de Falências (PL 3/2024): amplia a participação dos credores no processo, institui a figura do gestor fiduciário e facilita a venda de ativos, o que tende a estancar processo de deterioração do valor desses bens —que hoje compromete os índices de recuperação de valores para honrar obrigações

Execução extrajudicial (PL 6.204/2019): permite e dá diretrizes à execução extrajudicial de títulos executivos civis extrajudiciais e judiciais, o que facilita a penhora e avaliação dos bens do devedor, a realização de expropriação e o pagamento dos credores

2) Mercado de capitais

Ressarcimento a investidores (PL 2.925/2023): prevê responsabilização civil dos administradores em caso de fraude contábil. Também amplia poderes de atuação da CVM (Comissão de Valores Mobiliários), a xerife do mercado financeiro

Regime legal de juros (PL 6.233/2023): uniformiza a aplicação de juros em contratos de dívida em que a taxa não for convencionada e na responsabilidade civil extracontratual. Também padroniza a taxa legal aplicada no âmbito do Judiciário, podendo reduzir litígios em torno do cálculo desses encargos

3) Setor bancário

Projeto de resolução bancária (PLP 281/2019): aperfeiçoa a liquidação extrajudicial, cria um regime de estabilização para instituições sistemicamente importantes e determina a ordem de utilização dos recursos em casos de necessidade de socorro, começando pelos recursos privados de acionistas e dívidas subordinadas, chegando a verbas públicas apenas em última instância

Infraestruturas do mercado financeiro (PL 2.926/2023): aprimora a distribuição de competências entre Banco Central e CVM, além de estimular a competição e elevar a eficiência das operações entre instituições financeiras.

4) Seguros

Cooperativas de seguros (PLP 101/2023 e PLP 519/2018): amplia as modalidades em que as cooperativas de seguros podem atuar, estimulando a competitividade do mercado e elevando a oferta para consumidores e segmentos de menor escala

Contratos de seguro (PLC 29/2017): institui lei geral para os contratos de seguros e dá mais proteção aos segurados, com maior segurança de que as indenizações serão honradas

5) Regulamentação da reforma tributária

Governo pretende propor um modelo para o IVA (Imposto sobre Valor Agregado) do setor financeiro que seja não cumulativo e reduza o custo do crédito. A ideia é conceder um crédito presumido para a empresa que toma o empréstimo, que poderá ser usado para abater os tributos a pagar

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By valeon