Se a Justiça tivesse cumprido seu papel e tomado medidas tempestivas num caso incontroverso, o sequestro no ônibus do RJ por um criminoso condenado não teria acontecido
Por Notas & Informações – Jornal Estadão
Na terça-feira, o Brasil acompanhou atônito o sequestro de um ônibus no Rio de Janeiro. Tudo indica que o sequestrador, Paulo Sérgio de Lima, suspeitou que um passageiro fosse um policial e atirou contra ele, ferindo-o gravemente. Em seguida, rendeu 16 passageiros.
Felizmente, não se repetiu a sucessão de erros da polícia que, em 2000, resultou na tragédia do sequestro do ônibus 174, no Rio. À época, no momento em que o sequestrador deixava o ônibus com uma refém, um policial fez um disparo que acabou matando a passageira. Detido, o criminoso chegou morto ao hospital por asfixia. Desta vez, a polícia logrou a rendição sem vítimas.
Mas, se neste caso a polícia agiu com técnica e competência, o incidente expôs as falhas de outro braço do Estado: a Justiça. Nada disso teria acontecido se o Judiciário tivesse cumprido seu papel.
Lima cumpria pena após ter sido condenado a nove anos e quatro meses de prisão por um assalto em 2019. Após um ano e seis meses preso, ele foi beneficiado com o regime semiaberto, e dois anos depois, à prisão domiciliar com tornozeleira eletrônica. Até aí, tudo indica que a execução da pena legitimamente seguia o sistema de progressão. Mas então começou o festival de erros.
Desde agosto de 2022, Lima violou sistematicamente as regras de uso da tornozeleira. No dia seguinte à primeira violação, a Secretaria de Administração Penitenciária (Seap) notificou a Vara de Execuções Penais (VEP). Neste momento, o juiz deveria ter intimado o advogado do apenado a prestar esclarecimentos, mas nada fez.
O criminoso ignorou todos os pedidos para comparecer à Central de Monitoramento da Seap, que comunicou as violações à VEP nada menos que cinco vezes ao longo de um ano e sete meses. Em março de 2023, o Ministério Público requisitou a regressão do regime. Mas só na última terça-feira à noite, após o sequestro, o juiz acolheu o pedido, com uma nota infame em que diz que só então “teve oportunidade de decidir”.
Nesse caso, o Executivo, através da Seap, cumpriu seu papel. Mas a própria Seap admite ignorar o paradeiro de 1,8 mil apenados porque as tornozeleiras foram danificadas. Entre os foragidos há condenados por crimes como homicídio, roubo e tráfico. Se é que estão oficialmente foragidos, pois não está claro quantas dessas violações já foram analisadas pela Justiça.
O Brasil tem um dos maiores e mais caros Judiciários do mundo, consumindo cerca de 1,2% do PIB, bem maior que nos EUA (0,14%), na Itália (0,19%) e na Alemanha (0,32%), por exemplo. Ademais, os juízes são brindados com todo tipo de regalias – e vivem se queixando de que esses privilégios são insuficientes. Apesar disso, no Brasil, uma sentença de primeira instância demora 1.606 dias para sair, enquanto na Itália leva 564; no Reino Unido, 350; e na Noruega, 160.
Diz-se que o Brasil prende muito e prende mal. A segunda parte é inequívoca e, por isso mesmo, a primeira é relativa. O Brasil prende muito e pouco. Muito, porque 40% dos presos são provisórios, às vezes há anos, e muitos dos condenados respondem por crimes de baixo potencial ofensivo, que deveriam ser punidos com penas alternativas. Ao invés disso, estão se graduando nas “escolas do crime” em que se transformaram os presídios. Mas o Brasil também prende pouco. A resolução de assassinatos é da ordem de 35%, enquanto a média global é de quase 65%.
Os índices de Confiança na Justiça da FGV mostram uma persistente percepção da maioria da população de um Judiciário lento, caro, ineficiente, hermético, corrupto e pouco independente. Com frequência, essa Justiça, através de sua instância máxima, o Supremo Tribunal Federal (STF), acusa o Legislativo de “omissão” em temas controversos, como se a opção por manter determinada legislação já não fosse uma resposta. Mais grave, no entanto, é a omissão do Judiciário quando legitimamente provocado, como nos inúmeros julgamentos represados há anos, às vezes décadas, nas gavetas do STF. Mas verdadeiramente graves são casos incontroversos, como a violação da execução penal de um condenado. Em casos como esses, a negligência de uma Justiça que tarda e falha pode ser letal.