História de Notas & Informações – Jornal Estadão
Segundo apurou o Estadão, o governo do presidente Lula da Silva negou no ano passado 1.339 pedidos de informações sob a justificativa de conter dados pessoais, impondo 100 anos de sigilo sobre documentos como a agenda da primeira-dama, comunicações diplomáticas sobre o julgamento do ex-jogador Robinho ou a lista dos militares da Guarda Presidencial de plantão no infame 8 de Janeiro.
Transparência e publicidade são pilares do Estado Democrático de Direito. Não se trata só de coibir ilicitudes, mas de garantir um ambiente institucional, administrativo, político e econômico capaz de otimizar recursos públicos, atrair investimentos e promover uma cidadania vibrante e participativa. A Constituição estabelece uma única exceção, caso o sigilo seja “imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”.
A aversão à transparência não é apanágio deste governo ou de Brasília. Todo poder emana do povo. Governantes, parlamentares, magistrados e servidores públicos são seus mandatários. Mas, na prática, se comportam como mandantes, tratando os cidadãos como súditos e compartilhando informações como se fossem concessões, não um dever cuja recusa caracteriza ilicitude.
Segundo apuração do Estadão, 23 das 27 Assembleias Legislativas do Brasil foram reprovadas no teste de transparência, integridade e governança, mostrando-se incapazes de oferecer dados que deveriam estar facilmente disponíveis. Há anos a Suprema Corte mantém os inquéritos das fake news e das milícias digitais sob sigilo, impedindo o povo de escrutinar a legalidade de medidas excepcionais, como quebras de sigilo, bloqueios de contas, multas exorbitantes e a censura ou prisão de representantes eleitos, jornalistas e empresários. É difícil imaginar uma questão de maior interesse público que a verificação dos fatos ocorridos no maior atentado à democracia desde o fim da ditadura. Apesar disso, mais de um ano após o 8 de Janeiro, os Três Poderes mantêm a sete chaves a íntegra das imagens das câmeras de vigilância.
Na gestão Bolsonaro a opacidade se tornou política de governo. São inúmeros exemplos: recusas abusivas a solicitações de informações por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), campanhas de desinformação, estruturas paralelas nos ministérios, interferências em órgãos de controle e até a ocultação de dados epidemiológicos na pandemia. O paroxismo foi a maquinação, junto com o Legislativo, de um “orçamento secreto”.
O caso de Lula, no entanto, é mais grave, porque se diz paladino da democracia e fez do ataque à cultura do sigilo parte de sua batalha contra Bolsonaro na eleição. “É uma coisa que vamos ter de fazer: um decreto, um ‘revogaço’ desse sigilo que Bolsonaro está criando para defender os amigos”, disse à época. “Qualquer pessoa podia saber o que acontecia no nosso governo.” A hipocrisia é, de fato, a homenagem que o vício presta à virtude.
Os primeiros mandatos de Lula antecederam à LAI, de 2011. Mas em 2013 o governo de sua criatura Dilma Rousseff bateu o recorde de negativas: 3.732. No último ano de Bolsonaro, foram 1.332. O governo Lula retirou o sigilo de muitos desses documentos. Mas o apreço de Lula à publicidade é seletivo. Já em seu primeiro ano, ele superou a marca de Bolsonaro, com 1.339 negativas. Mesmo se admitindo que uma parcela mínima desses documentos se enquadre nas exceções previstas na LAI para preservar a segurança ou a intimidade, o próprio governo baixou um decreto determinando que eles devem ser disponibilizados, ocultando-se somente os trechos sensíveis. O sinal ideológico é trocado, mas o recurso às sombras é só mais uma das muitas táticas que Lula e Bolsonaro utilizam de maneira idêntica.
“A publicidade é com justiça recomendada como um remédio para doenças sociais e industriais”, disse o jurista americano Louis Brandeis. “Diz-se que a luz do sol é o melhor dos desinfetantes; a iluminação pública é o mais eficiente dos policiais.” Muito antes de Brandeis, da Constituição ou da LAI, a sabedoria popular já havia consagrado esse princípio universal de maneira mais singela e intuitiva: quem não deve não teme. Ante tamanho esforço para manter sua administração nas sombras, é de perguntar ao presidente Lula: por que tanto medo?