O custo do labirinto tributário

Empresas brasileiras gastam 2 mil horas, em média, para cumprir obrigações tributárias

Notas & Informações, O Estado de S.Paulo

Entre janeiro e setembro de 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou 37 recursos em matéria de direito tributário, dos quais 31 foram decididos em favor da Fazenda Nacional. O número de causas tributárias julgadas nesses nove meses foi maior do que o da soma dos três últimos anos. Com as 31 decisões favoráveis à União, a Corte evitou uma saída estimada em R$ 500 bilhões do Tesouro Nacional, num período de escassez de recursos fiscais.

Esses julgamentos têm duas facetas. Se por um lado as decisões favoráveis à Fazenda são importantes para o controle das contas públicas, em tempos de pandemia, por outro dão a dimensão do grau de incerteza jurídica em que vivem os contribuintes, dado o cipoal normativo no campo do direito tributário. Segundo relatório do Tribunal de Contas da União sobre a burocracia para o cumprimento de obrigações tributárias, atualmente há mais de 26 mil normas em vigor nesse campo do direito.

O relatório também mostra que, desde a promulgação da Constituição, há 32 anos, as matérias tributárias foram objeto de 15% das emendas constitucionais, de 19% das leis ordinárias e complementares e de 27% das medidas provisórias. Além disso, só em 2017 a Receita Federal publicou 3 mil atos normativos, entre portarias, instruções e pareceres. A situação não é diferente nos Estados, onde a legislação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) já foi alterada mais de 500 vezes, entre 2013 e 2017.

Outros levantamentos revelam que, da data de promulgação da Constituição aos dias de hoje, o governo federal editou 20 normas por dia útil, em média, das quais 4 são da área tributária. Nos meios jurídicos, estima-se que, para conhecer a legislação tributária brasileira, um advogado tem de ler 327 mil artigos com 763 mil parágrafos, 2,4 milhões de incisos e 321 mil alíneas. Diante dessa enxurrada de dispositivos, para evitar autuações as empresas têm de contratar mais tributaristas e de usar softwares específicos, o que as obriga a transferir recursos da atividade-fim para custear atividades-meio. Segundo o relatório Doing Business, do Banco Mundial, as empresas brasileiras gastam anualmente 2 mil horas, em média, para cumprir obrigações tributárias. Na América Latina, a média é de 317 horas. O custo anual das empresas brasileiras com pessoal técnico e robôs para acompanhar as modificações da legislação é de R$ 162 bilhões.

A insegurança causada pelo labirinto tributário brasileiro é um dos fatores responsáveis pela enxurrada de ações não apenas nos órgãos administrativos, como o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, vinculado ao Ministério da Economia, mas também no Poder Judiciário. Essas ações envolvem litígios que totalizam cerca de R$ 800 bilhões – o equivalente a 10% do Produto Interno Bruto (PIB).

O mais grave é que esse quadro de insegurança jurídica pode aumentar ainda mais. Em vez de reformar um sistema tributário confuso e pouco funcional, dado o número excessivo de regras, o Ministério da Economia está mais preocupado em criar e aumentar impostos, a pretexto de promover uma reforma tributária. Ao mesmo tempo que defende a criação de tributos ineficientes, como uma CPMF travestida de imposto sobre operações digitais, ele é omisso no que se refere à desburocratização do sistema tributário. Também não vai além do discurso quando tem de lidar com o problema das concessões de excepcionalidades tributárias a certos setores econômicos. Essas concessões podem até ser justificadas como forma de incentivo, mas aumentam a complexidade do sistema tributário, tornando-o ainda mais ineficiente.

Por isso, a vitória da Fazenda Nacional em 31 dos 37 recursos em matéria tributária que foram julgados entre janeiro e setembro pelo Supremo não deve ser vista apenas pela economia que propiciou ao Tesouro. Também tem de ser encarada como reflexo de um sistema tributário cuja anacrônica operacionalidade custa um alto preço pago não só pelas empresas, mas por toda a sociedade.

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By valeon