História de Notas & Informações – Jornal Estadão
O governador Tarcísio de Freitas pediu e a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) atendeu. Na semana passada, a Alesp aprovou um projeto de lei de iniciativa do Poder Executivo que concede mais um privilégio aos procuradores do Estado – servidores que, não custa lembrar, já compõem a elite do funcionalismo público no País.
Desde o dia 16 passado, o procurador que se sentir sobrecarregado por “excesso de serviço” pode tirar um dia de folga a cada três trabalhados, até o limite de sete dias de descanso por mês – além de fins de semana e feriados. Se preferir, esse pobre servidor extenuado pode converter as folgas extras em mais dinheiro no bolso – e, naturalmente, a título de “verba compensatória”, ou seja, não sujeita a abatimento devido ao teto constitucional para a remuneração do serviço público.
Para adicionar insulto à injúria, Tarcísio encaminhou o projeto de lei à Alesp com pedido de “urgência” – quando urgência, é óbvio, não há. Ademais, o governador de São Paulo defendeu a necessidade da “compensação” alegando que a medida, ora vejam, “decorre de estudos realizados pela Procuradoria-Geral do Estado”. A Alesp, por sua vez, aprovou o projeto sem dedicar um minuto sequer ao estudo de seus impactos financeiros para o erário, até porque essa estimativa não foi feita. Se foi, segue ao abrigo do escrutínio público.
O Estadão questionou tanto o Palácio dos Bandeirantes como a Procuradoria-Geral do Estado sobre o custo desse novo benefício para os contribuintes e, sobretudo, com quais ganhos de eficiência os paulistas poderiam contar a partir da aprovação do novo incentivo financeiro aos procuradores – afinal, é disso que se trata, pois é improvável que a opção pelo pagamento da “compensação” em dinheiro não supere, de longe, a requisição por mais folgas. Não houve resposta das autoridades a essas perguntas.
Por meio de nota, a Associação dos Procuradores do Estado de São Paulo (Apesp) se limitou a dizer que a “licença compensatória” é um “mecanismo legítimo de compensação pelo desempenho de atividades extraordinárias”. Sobre quais seriam essas tais “atividades extraordinárias”, nem uma palavra da guilda. O presidente da Apesp, José Luiz Souza de Moraes, jurou de pés juntos que a concessão do privilégio “não será a farra do boi”, sublinhando que “esse dinheiro é arrecadado pelo êxito das ações propostas pelos procuradores”. Nem ocorre ao líder classista que os procuradores já ingressam na carreira com salário de quase R$ 40 mil justamente para defender os interesses do Estado e da sociedade, os reais beneficiários do sucesso das ações que patrocinam, não os próprios servidores. É um escárnio a naturalidade com que se defende o indefensável.
Ao que parece, os doutos procuradores – além dos demais membros do Ministério Público e do Poder Judiciário – parecem acreditar piamente que o Estado existe para lhes servir, talvez como uma espécie de “prêmio” tão somente por terem sido aprovados num difícil concurso público.
A desfaçatez e o alheamento da realidade do Brasil podem ser os mesmos, mas a regalia para os procuradores estaduais não é original. Em maio de 2022, convém lembrar, o Conselho Nacional do Ministério Público aprovou a “gratificação por acúmulo de processos”. À época, isso significava um aumento de até 33% – ou R$ 11 mil – nos salários dos procuradores da República. Para além da defesa de mais um privilégio de classe autoconcedido, neste caso, a proposta ainda estava inserida no contexto da campanha aberta do então procurador-geral da República, Augusto Aras, para angariar a simpatia de seus pares com vistas a uma possível recondução, o que, para sorte do País, não ocorreu.
Tanto no caso dos procuradores do Ministério Público Federal como agora, no caso dos procuradores do Estado de São Paulo, está-se diante de um privilégio absolutamente incompatível com a mera ideia de República. Como se isso não bastasse, premiar com dinheiro ou folga o “excesso de serviço” é um evidente convite à ineficiência – além de ser uma ofensa aos milhões de brasileiros que de fato trabalham demais e não recebem um centavo a mais por isso.