Apaixone-se pelo problema e não pela inovação

A chave para desenvolver soluções eficazes e alinhadas às reais necessidades dos clientes, mercado e sociedade. Por Dagoberto Trento, sócio da Innoscience.

Naval Ravikant, renomado empreendedor do Vale do Silício, apresenta em seu livro “O Almanaque de Naval Ravikant” uma visão perspicaz na sua forma de entender onde estão as oportunidades para inovar e empreender: “A sociedade vai pagar você para que crie as coisas que ela deseja. Mas a sociedade ainda não sabe como criá-las, porque, se soubesse, não precisaria de você. Se você quer ser bem-sucedido, precisa tentar descobrir o que a sociedade deseja, mas não sabe como obter”.

Essa reflexão fortaleceu minha crença, frequentemente compartilhada em discussões com clientes, sócios e colegas sobre os desafios da inovação corporativa: inovar transcende a introdução de novos produtos, mercados ou clientes; é essencialmente sobre se antecipar e se dedicar a resolver problemas significativos, através de execução disciplinada. Acrescento:

i) Precisamos ser empreendedores (transpiração), além de inovadores (inspiração)

ii) Focar naquilo que é realmente relevante;

iii) Apresentar resultados concretos que agreguem valor para clientes, sociedade e empresa.

No universo da inovação, é comum a obsessão por desenvolver algo totalmente novo e disruptivo. Contudo, uma abordagem mais profunda e significativa se faz oportuna. Adotar o princípio de “Apaixone-se pelo problema, não pela inovação”, nos remete a uma mentalidade transformadora, capaz de mudar radicalmente nossa forma de encarar a inovação.

Fonte: Innoscience

Focar no problema como ponto de partida para a inovação requer um mergulho profundo no contexto em que a empresa orbita e nas necessidades e dificuldades dos seus clientes. Isso requer uma mentalidade de curiosidade e empatia, desafiando constantemente o status quo e buscando entender as causas fundamentais dos desafios enfrentados.

UM PROBLEMA DE R$ 25 MILHÕES

Recentemente em um programa de intraempreendedorismo que estamos realizando com um cliente destacável no cenário brasileiro, um intraempreendedor apresentou uma ideia para solucionar um problema aparentemente simples que, talvez por sua simplicidade, não estava recebendo a atenção necessária. Incertos sobre o potencial retorno dessa iniciativa, decidimos investigar mais a fundo o contexto para compreender melhor as implicações.

Contextualização do Problema

  • Descrição do Modelo de Negócio da empresa: Mensalidades em serviços de saúde.
  • Problema: Processo de renegociação de dívidas moroso e complicado, envolvendo contato via 0800 ou visita a lojas físicas.
  • Impacto: Clientes inadimplentes enfrentavam dificuldades para regularizar suas contas, o que levava a uma maior taxa de churn (cancelamento de serviços) e insatisfação do cliente.

Definição da Necessidade

  • Necessidade Primária: Simplificar o processo de renegociação para que seja rápido e possa ser realizado sem intermediários.
  • Objetivo: Melhorar a experiência do cliente e reduzir a taxa de inadimplência e churn.

Hipótese de Solução

  • Hipótese: Criar uma solução online que permita aos clientes renegociar suas dívidas de forma autônoma e instantânea.
  • Funcionalidades Esperadas:
    • Interface simples e intuitiva para o usuário.
    • Opções de renegociação flexíveis, como planos de pagamento, descontos por antecipação, etc.
    • Autenticação segura para proteger as informações do cliente.
    • Integração com sistemas de pagamento para transações imediatas.

Adotando a metodologia da Innoscience para aceleração de ideias internas, implementamos um processo imersivo com o time de intraempreendedores para explorar a fundo as potencialidades da ideia e do problema associado a ela:

  1. Detalhamento da Ideia: através de workshops e dinâmicas de exploração do problema, fizemos um detalhamento minucioso, desenhamos a jornada da persona, levantamos dados, avaliamos indicadores e identificamos gargalos;
  2. Avaliação: apresentamos o diagnóstico para stakeholders chave e sponsor e capturamos contribuições significativas para qualificação da ideia;
  3. Qualificação: fizemos o business case, projetamos o TAM-SAM-SOM, identificamos incertezas, atribuímos hipóteses, definimos indicadores, desenhamos uma proposta de produto mínimo viável e prototipamos a solução;
  4. Validação com protótipo: fomos a campo e validamos o problema com um protótipo muito simples, com um número reduzido de clientes.

Durante o processo de validação, em poucos dias e mesmo com uma abordagem bastante restrita de clientes, o time realizou cerca de 10 renegociações, alcançando um total de R$ 5.000,00 (i) Precisamos ser empreendedores (transpiração), além de inovadores (inspiração)). Essa atividade também revelou um potencial de retorno de até R$ 25 milhões (ii) Focar naquilo que é realmente relevante). Os resultados positivos proporcionaram a confiança necessária para que a alta liderança decidisse rapidamente pela aprovação e escalonamento da solução inovadora (Apresentar resultados concretos que agreguem valor para clientes, sociedade e empresa).

Utilizando essa abordagem resolutiva e flexível, o time também identificou insights que o estão guiando na criação de uma solução mais inovadora para a empresa. Christensen, em seu livro seminal “O Dilema da Inovação”, nos ensina que “a verdadeira inovação começa com um profundo entendimento do problema que está sendo resolvido.”

MUITAS OPORTUNIDADES PARA INOVAR

O contexto atual apresenta diversas oportunidades para resolver problemas significativos por meio da inovação: a longevidade está aumentando, a população global continua crescendo, há uma necessidade urgente de produzir mais alimentos, preocupações ambientais exigem ações concretas, e a conectividade global nunca foi tão ampla. Em resumo, precisamos de novas alternativas para enfrentar esses desafios de maneira eficaz e sustentável.

Apaixonar-se pelo problema e não pela inovação é uma orientação que pode inspirar nossos esforços de inovação para buscar essas alternativas. Concentrar-se na origem e na oportunidade abre espaço para uma exploração mais ampla de abordagens e caminhos, permitindo flexibilidade e adaptabilidade na busca por soluções inovadoras e eficazes.

Em meio a um labirinto de novas possibilidades e oportunidades em que as empresas consolidadas se encontram, a novidade, embora atraente, pode às vezes desviar nossa atenção dos problemas preexistentes ainda não resolvidos, que verdadeiramente requerem inovação. Alinhado ao que Naval nos alerta, Christensen reafirma: “Se você encontrar uma maneira de ajudar as pessoas a resolver um problema que as está incomodando, então você tem uma oportunidade real de construir um negócio significativo.”

Dagoberto é empresário e consultor especializado em inovação corporativa. Assessora algumas das principais empresas brasileiras no desenvolvimento de suas estratégias de negócios e já atuou em diversos setores como financeiro, petroquímico, energia, saneamento, óleo e gás, logística, farmacêutico, saúde e siderurgia.

As 3 características de uma mente inovadora

Igor Lopes – Innova

Primeiro, inovar não é sobre criar coisas novas, mas também encontrar soluções que, embora já existentes, nunca foram adotadas em seu projeto.

Um caso real que comprova a minha tese é o Sr. Valdir Novaki, conhecido como “O pipoqueiro mais famoso do Brasil”.

Valdir era um pipoqueiro como os outros, mas ele sentia que precisava inovar em seu mercado.

Diante disso, Sr. Valdir adotou medidas de higiene e atendimento que ninguém fazia, mas que impactava diretamente na experiência do consumidor:

• Quem chegava no carrinho de pipoca do Valdir recebia uma dose de álcool em gel nas mãos antes de pegar a pipoca.

• Ele também limpava toda a bancada (de inox) do carrinho com álcool na frente dos clientes, deixando tudo impecável.

• Em cada dia da semana Sr. Valdir utilizava um uniforme (impecavelmente branco e limpo) do qual havia um bordado sinalizando o dia da semana.

• Ao receber a pipoca, os clientes de Valdir ganhavam uma balinha de brinde, para refrescar o hálito após o lanche.

Perceba que ele inovou, sem reinventar a roda, mas apenas trazendo abordagens simples que seus concorrentes não ousavam fazer.

Por conta disso, digo que a primeira e maior característica de uma mente inovadora é questionar o tempo todo.

Afinal, ao questionar situações e circunstâncias você encontra:

• Novos problemas;

• Oportunidades;

• E soluções.

Esse loop cria um mecanismo de descobertas que leva você (e o seu projeto) a novos resultados no caminho da inovação.

No entanto, trilhar este caminho não é fácil, por isso, toda mente inovadora tem a habilidade de ser constante, sem perder o ânimo.

Sem isso, é impossível levantar todos os dias e garimpar soluções em meio às frustrações causadas pelos fracassos que surgem no caminho da inovação.

Se olharmos para a história do Sr. Valdir, você notará que o sucesso dele não foi repentino. Mesmo inovando, as coisas levaram tempo para acontecer.

Por fim, a última característica de uma mente inovadora é o desconforto.

Imagina só:

Se homens como Steve Jobs, Jeff Bezos, Elon Musk e Sr. Valdir fossem pessoas satisfeitas e confortáveis com seus resultados, será que eles teriam conquistado tudo o que conseguiram?

Provavelmente não. Sr. Valdir, por exemplo, não só recebeu a alcunha de “Pipoqueiro Mais Famoso do Brasil”, como também já viajou boa parte do país dando palestras sobre empreendedorismo.

Ok, sabemos que não inovar é ruim.

Agora, será que inovar em excesso é bom?

Os limites da inovação

Pela minha experiência empreendendo no campo da tecnologia, esses são os dois maiores erros quando o assunto é inovação:

01 – Tentar reinventar a roda.

02 – Omissão.

Quem não se lembra do Google Glass, um típico exemplo de quem tentou inovar demais e precisou recuar.

Ou então a Playstation com o PS Vita, um videogame portátil que prometia grande desempenho e resolução, mas, no final, não teve adesão dos grandes desenvolvedores e, consequentemente, dos clientes.

Ainda no mundo dos games, a Microsoft lançou o Xbox Kinect, um sensor de movimentos exclusivo que prometia substituir os controles tradicionais do videogame.

Após alguns anos de insistência e baixa adesão dos desenvolvedores e gamers, o Kinect foi descontinuado pela Microsoft.

Inovação demais, utilidade de menos.

Por outro lado, temos alguns exemplos clássicos de empresas omissas que esperaram demais e perderam o bonde.

Blackberry

A primeira empresa de celulares a proporcionar conexão Wireless em seus aparelhos, dando origem à era dos Smartphones — uma inovação que acertaram de mão cheia.

Há 20 anos, ter um Blackberry era mais exclusivo, chique e estiloso do que ter um iPhone de última geração.

Na boa, sempre gostei dessa marca.

Realmente é uma pena que a empresa mãe dos smartphones tenha ficado para trás e hoje não ser nem a sombra do que já foi.

Também temos os exemplos clássicos, né? Nokia, Kodak, etc. Que você já cansou de ver por aí.

Todas essas foram empresas que, por arrogância, excesso de confiança ou medo, ficaram na mesma e sumiram do mapa por não inovar.

Mas, há também as empresas que inovaram na medida certa:

• Microsoft: vendia software de caixinha e hoje é uma potência tecnológica tanto em produtos como em serviços.

• Toyota: uma empresa tradicional do mercado automotivo, mas que nunca perde o timming em inovação. Da era do motor a combustão aos motores híbridos, a Toyota sempre está no topo do ranking em qualidade, confiabilidade, tecnologia e conforto.

• Amazon: de e-commerce de garagem a uma potência de varejo e tecnologia.

• Nvidia: a empresa que surfou a onda dos games (quando ainda era uma marola ignorada por todos), aproveitou o boom das criptomoedas e hoje é a maior fabricante de GPUs utilizadas no desenvolvimento de IAs.

Sabe o que todas essas empresas têm em comum?

Elas não inovaram por moda, mas para resolver problemas concretos na vida de seus consumidores.

Você não pediu, mas eu dou: minha opinião

Sabe qual é o grande problema desse papo de inovação?

Ela é uma faca de dois gumes que pode:

• Fazer você se perder em meio ao vício de inovar.

• Fazer você perder pela falta de inovação.

Então, fica a pergunta:

Como inovar mesmo que você não tenha uma mente inovadora?

Tenha dados e informações concretas na sua mão. Sempre.

Se você tem dados, você enxerga gargalos que precisam ser resolvidos. Se você enxerga os gargalos, você precisa de soluções — e é aqui onde a inovação se esconde.

Na maioria das vezes, inovar é ser como o Sr. Valdir, e não necessariamente como Elon Musk.

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By valeon