História de Steve Rosenberg – Editor de Rússia da BBC News, de São Petersburgo – BBC News Brasil
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O discurso do presidente russo encerrou uma semana surreal em São Petersburgo© EPA
Desde a invasão em grande escala da Ucrânia pela Rússia, Moscou tem enviado uma série de ameaças de cunho nuclear, fazendo sugestões não tão sutis de que tentar derrotar uma potência nuclear como a comandada por Vladimir Putin poderia ter consequências desastrosas para aqueles que ousassem tentar.
Na sexta-feira (7/6), Putin afirmou que a Rússia não sequer usar uma arma nuclear para alcançar a vitória na Ucrânia.
Ele estava sendo entrevistado em um painel de discussão no Fórum Econômico Internacional de São Petersburgo: um evento anual frequentemente descrito como “a Davos da Rússia”.
O entrevistador era Sergei Karaganov, um agressivo especialista em política externa russo. No ano passado, ele apelou a um ataque nuclear preventivo. Nesta sexta, sugeriu apontar uma “pistola nuclear” para barrar o Ocidente na Ucrânia.
Putin não foi tão extremo em sua declaração. Mas também não foi exatamente delicado.
O líder do Kremlin disse que não descarta mudanças na doutrina nuclear da Rússia: o documento que estabelece as condições segundo as quais a Rússia usaria armas nucleares.
“Esta doutrina é uma ferramenta viva e estamos observando atentamente o que está acontecendo no mundo que nos rodeia e não excluímos fazer alterações. Isto também está relacionado com os testes de armas nucleares.”
E fez um aviso aos países europeus que têm apoiado a Ucrânia: a Rússia tem “muito mais [armas nucleares táticas] do que há no continente europeu, mesmo que os Estados Unidos tragam as suas”.
“A Europa não possui um [sistema de alerta precoce] desenvolvido”, acrescentou. “Nesse sentido, eles estão mais ou menos indefesos.”
As armas nucleares táticas são ogivas menores projetadas para destruir alvos sem precipitação radioativa generalizada.
A Rússia tem usado o enorme fórum econômico internacional para enviar a mensagem de que está pronta para a cooperação e que, apesar de tudo, os negócios continuam como sempre.
É evidente, porém, que não são tempos de normalidade. A Rússia está travando uma guerra na Ucrânia, que já está no seu terceiro ano. E como resultado, é o país mais sancionado do mundo.
E, neste momento, as tensões estão aumentando entre a Rússia e o Ocidente.
No início desta semana, em uma reunião com chefes de agências de notícias internacionais em São Petersburgo, Putin sugeriu que a Rússia poderia fornecer armas convencionais avançadas de longo alcance a terceiros para atacar alvos ocidentais.
A declaração foi uma resposta à decisão da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) de permitir que a Ucrânia atacasse o território russo com armas fornecidas pelo Ocidente.
Durante sua participação no Fórum Econômico Internacional de São Petersburgo, o presidente russo repetiu a ideia.
“Ainda não fornecemos essas armas, mas reservamo-nos o direito de fazê-lo aos Estados ou entidades jurídicas que estejam sob certa pressão, incluindo pressão militar, dos países que fornecem armas à Ucrânia e incentivam a sua utilização em território russo.”
Ele não deu mais detalhes ou apontou os nomes dos países
Mas em que partes do mundo a Rússia poderia implantar os seus mísseis?
“Onde acharmos necessário, com certeza vamos colocá-los. Como o Presidente Putin deixou claro, iremos investigar esta questão”, disse à BBC Vladimir Solovyov, um dos apresentadores mais proeminentes da televisão estatal russa.
“Se você está tentando nos prejudicar, precisa ter certeza de que temos oportunidades e chances suficientes de prejudicá-lo.”
“No Ocidente, alguns dirão que já ouvimos esse barulho de sabre antes”, respondo, “e que é um blefe”.
“É sempre um blefe. Até o momento em que não for”, responde Solovyov. “Você pode continuar pensando que a Rússia está blefando e então, um dia, não haverá mais Grã-Bretanha para rir. Nunca tente cutucar o urso russo pensando: ‘Ah, é um gatinho, podemos brincar com ele’.”
CEOs da Europa e dos Estados Unidos costumavam se reunir no Fórum Econômico Internacional de São Petersburgo. Não mais.
Em vez disso, observamos delegações da Ásia, África, Oriente Médio e América do Sul. A Rússia tem aproveitado o evento deste ano para tentar mostrar que, apesar das sanções ocidentais, há muitos países no mundo que estão prontos para fazer negócios com Moscou.
E o que aprendemos em São Petersburgo sobre Vladimir Putin?
Que ele parece cada vez mais confiante e determinado a não recuar. Ele parece acreditar que, no atual impasse entre a Rússia e o Ocidente, será o Ocidente quem tremerá primeiro.