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“Acordei.”
Este é o significado literal da palavra “woke”, passado do verbo wake, que significa “acordar, despertar”.
Recentemente, no entanto, o termo ganhou significados bem mais amplos. Na gíria norte-americana, ser ou estar “woke” pode indicar com quais posturas políticas você mais se identifica.
Neste ano, antes das eleições dos EUA em novembro, “woke” e alguns outros termos têm tido uma forte presença no debate online e, de acordo com especialistas, podem influenciar significativamente os eleitores.
O uso do termo “woke” surgiu na comunidade afro-americana. Originalmente, ele queria dizer “estar alerta para a injustiça racial”.
“Muitas pessoas acreditam que quem o cunhou foi (o romancista) William Melvin Kelley (1937-2017)”, afirma Elijah Watson, editor de notícias e cultura do website de música norte-americana Okayplayer e autor de uma série de artigos sobre a origem do termo “woke”.
Em 1962, Kelley publicou um artigo no jornal The New York Times com o título If You’re Woke, You Dig it (“Se você estiver acordado, entenderá”, em tradução livre), segundo Watson.
O termo ressurgiu na última década com o movimento Black Lives Matter, criado para denunciar a brutalidade policial contra as pessoas afrodescendentes. Mas, desta vez, seu uso se espalhou para além da comunidade negra e passou a ser empregado com significado mais amplo.
Até que, em 2017, o dicionário inglês Oxford acrescentou este novo significado de woke, definido como: “estar consciente sobre temas sociais e políticos, especialmente o racismo“.
Parece algo positivo, certo? Mas isso depende da pessoa a quem se faz essa pergunta.
Assim como algumas pessoas se autodefinem com muito orgulho como alguém woke, ou atento contra a discriminação e a injustiça, outros utilizam o termo como insulto.
O próprio dicionário Oxford faz esta distinção. Após a definição, ele acrescenta: “esta palavra é frequentemente empregada com desaprovação por pessoas que pensam que outros se incomodam muito facilmente com estes assuntos, ou falam demais sobre eles, sem promover nenhuma mudança”.
Segundo o dicionário americano Merriam-Webster, o termo é usado com desaprovação para referir-se a alguém politicamente liberal (em temas como justiça racial e social), especialmente de forma considerada insensata ou extremista.
Ou seja, para algumas pessoas, ser “woke” é ter consciência social e racial, questionando paradigmas e normas opressores historicamente impostos pela sociedade. Já para outros, o termo descreve hipócritas que acreditam que são moralmente superiores e querem impor suas ideias progressistas sobre os demais.
Os críticos da cultura “woke” questionam principalmente os métodos coercitivos adotados por pessoas que eles acusam ser “policiais da linguagem” — sobretudo em expressões e ideias consideradas misóginas, homofóbicas ou racistas.
Um método que vem gerando muito mal estar é o “cancelamento“: o boicote social e profissional, normalmente realizado por meio das redes sociais, contra indivíduos que cometeram ou disseram algo que, para eles, é intolerável.
Para as pessoas “woke”, trata-se de uma forma de protesto não violento que permite empoderar grupos historicamente marginalizados da sociedade e corrigir comportamentos, especialmente nos setores mais privilegiados que, até agora, eram parte do status quo e persistiam sem punição, nem mudança.
Mas os críticos afirmam que o cancelamento é a correção política levada ao extremo e que ele atenta contra a liberdade de expressão e “os valores tradicionais norte-americanos”.
Batalha política
O que começou como um choque cultural foi se transformando em um enfrentamento político.
O termo “woke” tornou-se sinônimo de políticas liberais ou de esquerda, que defendem temas como igualdade racial e social, feminismo, o movimento LGBTQIA+, o uso de pronomes de gênero neutro, o multiculturalismo, a vacinação, o ativismo ecológico e o direito ao aborto.
São políticas associadas, nos Estados Unidos, ao Partido Democrata do presidente Joe Biden e à ala mais liberal, que inclui políticos americanos como os congressistas Bernie Sanders e Alexandria Ocasio-Cortez.
Por outro lado, a ala mais extrema do Partido Republicano, liderada pelo ex-presidente americano Donald Trump, acredita que essas políticas representam não só uma ameaça aos “valores da família”, mas também à própria democracia, que se pretenderia “substituir por uma tirania woke”.
Em 2020, um dos eixos centrais da campanha para a reeleição de Trump foi combater os chamados woke lefties (“esquerdistas despertos”) que, segundo ele, praticam o “fascismo da extrema esquerda”.
O então presidente afirmou que a “cultura do cancelamento” estava “expulsando as pessoas dos seus trabalhos, envergonhando os dissidentes e exigindo a total submissão de qualquer pessoa que não esteja de acordo”.
“É a própria definição de totalitarismo”, acusou o líder republicano.
Já para os democratas, o autoritário é Trump, algo que, segundo eles, ficou demonstrado quando ele se recusou a deixar o poder após sua derrota eleitoral e seus simpatizantes invadiram o Capitólio.
Longe de equilibrar o debate, os dois primeiros anos do governo Biden aprofundaram a polarização entre os dois setores. Segundo o centro de pesquisas norte-americano Pew Research Center, “hoje, os democratas e os republicanos estão ideologicamente mais afastados do que em qualquer outro momento nos últimos 50 anos”.
E uma pesquisa realizada em setembro pela rede de TV CBS demonstrou que quase a metade dos membros de ambos os partidos considera o outro não como um opositor político, mas como um “inimigo”.
Eleições
Antes da eleição presidencial dos EUA de 2024, a discussão sobre o termo já tinha sido debate no campo eleitoral.
As diferenças ideológicas ganharam forças às vésperas das eleições legislativas americanas de 2022, conhecidas como eleições de meio de mandato (midterm, em inglês).
Durante a campanha eleitoral, muitos partidários de Trump voltaram a alertar sobre os supostos perigos do chamado “wokeísmo” democrata.
“Você pode perder o seu trabalho. Pode ser rejeitado na arena pública americana nas redes sociais. Pode ser perseguido na rua. Podem atirar coisas em você. Você pode ser agredido fisicamente (como ocorreu ao escritor) Salman Rushdie. Pode ser apunhalado na garganta se eles não concordarem com você”, afirmou recentemente na rede de TV Fox News a comentarista política conservadora Tammy Bruce.
Muitos democratas criticam esse tipo de afirmação, destacando que se trata de retórica alarmista em busca de votos.
“A cada eleição, (os republicanos) inventam um novo bicho-papão, em vez de tentar resolver problemas e melhorar a vida das pessoas”, criticou o democrata Charlie Crist, à rede CBS News.
Ron DeSantis, governador da Flórida, é um dos republicanos que mais ressaltam os supostos perigos da cultura “woke” dos seus rivais. Nos seus discursos, ele costuma repetir que “woke é a nova religião da esquerda”.
Neste contexto, alguns democratas — especialmente os mais moderados — alertaram que o chamado “wokeísmo” está prejudicando seu partido, fornecendo armas para que os republicanos os ataquem.
“O woke é um problema e todos (do Partido Democrata) sabem disso”, afirmou o consultor político democrata James Carville, que liderou a vitoriosa campanha presidencial de Bill Clinton nos anos 1990, ao site Vox.
Para Carville, o problema são algumas das propostas mais extremistas que