Os riscos de outra epidemia: cigarro eletrônico entre adolescentes

‘Estamos retrocedendo em todos os avanços que fizemos no controle do tabagismo’, disse pesquisador

Jane E. Brody, The New York Times

Enquanto a maioria de nós se esforça para evitar a inalação de aerossóis que podem conter um vírus mortal, milhões de adolescentes e jovens adultos estão deliberadamente encharcando os pulmões com aerossóis ricos em produtos químicos com riscos conhecidos ou suspeitos para a saúde.

NYT/Lifestyle (Não usar em outra publicação)Ilustração de Gracia Lam/The New York Times

Estou me referindo ao vaping (ou “juuling”): o uso do cigarro eletrônico, que está levando os jovens à dependência de uma droga altamente viciante – a nicotina – e que provavelmente os manterá viciados durante décadas. Enquanto isso, o cigarro eletrônico e outros aparelhos de vaporização são vendidos legalmente, com poucas restrições, ao mesmo tempo que produtores e vendedores se beneficiam dos ganhos monetários. Embora muitos estados nos EUA proíbam a venda de cigarro eletrônico a menores de 18 ou 21 anos, os jovens têm poucas dificuldades para ter acesso aos produtos on-line ou com amigos e parentes.

Em apenas um ano, de 2017 a 2018, o vaping entre estudantes do último ano do ensino médio aumentou mais do que “qualquer substância que já monitoramos em 45 anos, e no ano seguinte voltou a aumentar quase na mesma proporção”, disse Richard Miech, responsável pela pesquisa nacional Monitoring the Future (Monitorando o futuro).

Em 2019, um quarto dos alunos do terceiro ano usava vaporizador com nicotina, quase metade deles diariamente. O uso diário do cigarro eletrônico cresceu nos três anos do ensino médio pesquisados, “com o consequente aumento proporcional de jovens que são fisicamente viciados em nicotina”, relataram Miech e seus colegas no The New England Journal of Medicine no ano passado.

Embora o uso autodeclarado do cigarro eletrônico por estudantes do ensino médio e do ensino fundamental II tenha diminuído no ano passado, o dr. Robert R. Redfield, diretor do Centro de Controle e Prevenção de Doenças, advertiu: “O uso do cigarro eletrônico pelos jovens continua sendo uma epidemia.”

“Estamos nos afastando de todos os avanços que fizemos no controle do fumo. Estou preocupado com a possibilidade de voltarmos à situação em que nos encontrávamos antes, no que diz respeito ao tabaco. Há evidências de que os jovens que usam o cigarro eletrônico têm de quatro a cinco vezes mais chances de experimentar o cigarro comum no ano seguinte pela primeira vez”, afirmou Miech, professor do Instituto de Pesquisa Social da Universidade do Michigan.

Como alguém que testemunhou as táticas persuasivas que a indústria do tabaco utilizava para viciar quase metade dos adultos americanos no cigarro convencional nos anos 50, vejo esforços semelhantes sendo usados hoje para promover esses novos sistemas de fornecimento de nicotina: sexo, glamour, endosso de celebridades e de médicos, e patrocínio de populares eventos esportivos e musicais. Só que agora existem vias de influência ainda maiores por meio de websites e mídias sociais.

De acordo com a dra. Ellen S. Rome, em 2016 os anúncios de cigarros eletrônicos alcançaram quase quatro em cinco estudantes do correspondente ao ensino fundamental II e do ensino médio nos Estados Unidos.

Como nas décadas anteriores, as agências reguladoras do país têm sido lentas – alguns dizem negligentes – em reconhecer o crescimento rápido dessa ameaça à saúde e ao desenvolvimento dos jovens americanos. A dra. Rome, pediatra que dirige o Centro de Medicina do Adolescente na Clínica Cleveland, explicou que a nicotina forma vias de dependência no cérebro que podem aumentar a suscetibilidade de um jovem ao vício ao longo da vida. Ela me disse que o cérebro do adolescente ainda está em desenvolvimento e que o uso do cigarro eletrônico é muitas vezes uma porta de entrada para a vaporização da maconha, que pode afetar os centros cerebrais responsáveis por atenção, memória, aprendizagem, cognição, autocontrole e tomada de decisões.

Em uma revisão publicada em dezembro do ano passado no Cleveland Clinic Journal of Medicine, Rome e o coautor, Perry Dinardo, desafiaram a percepção pública de que “o vaping é inofensivo ou, no mínimo, menos prejudicial que o ato de fumar”.

Mesmo sendo provável que o cigarro eletrônico seja menos perigoso que o cigarro de tabaco, uma vez que os aerossóis vaporizados chegam aos pulmões destituídos dos milhares de substâncias tóxicas e carcinogênicas derivadas do tabaco que são inaladas pelos fumantes do cigarro comum, o vaping ainda apresenta uma boa quantidade de produtos químicos nocivos. Além da nicotina, algumas das substâncias químicas, como o cancerígeno formaldeído, são criadas quando o líquido rico em nicotina é aquecido em altas temperaturas em alguns aparelhos de vaporização.

“O cigarro eletrônico pode ter os próprios efeitos na saúde que ainda não descobrimos. Embora o eletrônico sem dúvida exponha, quando comparado ao cigarro de tabaco, o usuário a níveis muito mais baixos de substâncias químicas nocivas, ainda assim não sabemos como o corpo lida com eles e quais são seus efeitos no longo prazo”, declarou Theodore L. Wagener, diretor do Centro de Pesquisa do Tabaco da Universidade Estadual de Ohio.

Lembre-se de que dezenas de milhões de pessoas fumaram por muitas décadas antes que os perigos mortais do cigarro de tabaco fossem reconhecidos.

O aumento do uso do cigarro eletrônico foi vinculado a um produto revolucionário, o Juul, cartucho lançado em 2017 com uma série de sabores atraentes, especialmente para os jovens. Esses sabores estão proibidos em aparelhos com sistema fechado como o Juul, que atualmente é vendido apenas nos sabores tabaco e mentol, mas ainda podem ser usados em dispositivos de sistema aberto vendidos em lojas especializadas em cigarro eletrônico. E agora, aproveitando uma brecha na regulamentação, um produto descartável chamado Puff Bar, que tem mais de 20 sabores, substituiu o Juul como o cigarro eletrônico preferido entre os jovens.

Apesar dos pedidos de proibição do cigarro eletrônico, Abigail S. Friedman, economista na área de saúde da Escola de Saúde Pública da Universidade Yale, advertiu que “esses pedidos podem levar as pessoas para o mercado ilegal em busca de algo que talvez seja extremamente perigoso”.

Friedman disse que, em vez de proibições diretas que podem ter custos imprevistos, prefere regulamentações melhores. Hoje em dia, com exceção dos sabores, o que é inalado no cigarro eletrônico não é regulamentado. Ainda assim, ela e outros especialistas estão muito preocupados com o consumo explosivo do vaping pelos jovens. Ela informou que, na Pesquisa de Comportamento de Risco entre os Jovens, de 2019, efetuada com 4,9 milhões de estudantes do ensino médio, 6% relataram fumar o cigarro convencional, enquanto 33% usaram o cigarro eletrônico nos últimos 30 dias. Em dezembro de 2018, o dr. Jerome Adams, uma autoridade em saúde pública dos EUA, declarou que o uso do cigarro eletrônico entre os jovens era uma epidemia.

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