De olho em corte de gastos, governo vai manter home office no pós-pandemia
Treze órgãos da administração federal, que empregam quase 10% do total de servidores em atividade, já iniciaram a adesão ao processo de trabalho remoto, que tem potencial para alcançar até 200 mil trabalhadores
Idiana Tomazelli, BRASÍLIA
Após uma migração em massa de servidores para o trabalho remoto por causa da pandemia de covid-19, 13 órgãos do Executivo federal, que reúnem quase 54 mil funcionários ativos, já iniciaram a adesão ao modelo de forma permanente. O número ainda pode crescer porque 56 órgãos estão preparando suas regras ou demonstraram algum tipo de interesse em adotar o formato.
Dos 600 mil servidores em atividade no Executivo, cerca de 200 mil estão em posições que, em princípio, se encaixariam no modelo de trabalho remoto, estima o secretário especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital, Caio Paes de Andrade.
Não significa que todos eles migrarão para o home office. Antes disso, dois passos são essenciais: o órgão aderir, apontando quais atividades podem ser exercidas a distância, e o servidor manifestar desejo pela mudança.
“Vamos manter o trabalho remoto agora não como obrigação, mas como uma conquista”, afirma Paes de Andrade. Segundo o secretário, a pandemia acelerou o plano de melhoria da administração com a adoção do trabalho remoto, tido como vantajoso para o governo e para os servidores que se adaptam ao modelo.
Em 2020, o governo economizou R$ 1,488 bilhão ao deixar de gastar com diárias, passagens, conta de luz e água e cópias e reprodução de documentos, além de despesas com auxílio-transporte e horas extras, entre outros benefícios a servidores.
Entre março e setembro, mais de 50% dos funcionários do Executivo trabalharam de casa, diante das recomendações de distanciamento social para conter o avanço da doença.
O governo deixou de fazer o acompanhamento semanal dessa estatística, mas o diagnóstico é o de que o porcentual diminuiu no fim deste ano. A tendência, porém, é que uma fatia significativa do contingente de servidores fique no trabalho remoto de forma permanente.
Os órgãos que já aderiram são os ministérios da Economia, da Cidadania, do Desenvolvimento Regional, de Minas e Energia, a Secretaria-Geral da Presidência e mais oito agências reguladoras: Anatel (telecomunicações), Antaq (transportes aquaviários), ANTT (transportes terrestres), ANM (mineração), ANA (águas), Ancine (cinema), ANP (petróleo e gás) e Cade (concorrência).
Metas de produção
O secretário de Gestão do Ministério da Economia, Cristiano Heckert, explica que os servidores em trabalho remoto e seus gestores imediatos terão acesso a duas soluções: o ponto eletrônico ou o Programa de Gestão de Demanda. O PGD vem com uma solução tecnológica para permitir a definição de metas e o acompanhamento de sua execução.
Modelo de trabalho remoto será mais organizado, diz Cristiano Heckert Foto: José Cruz/Agência Brasil
Segundo ele, o gestor poderá, por exemplo, solicitar a emissão de um parecer técnico e estipular o número necessário de horas para concluir a tarefa. O resultado também será avaliado pelo gestor. A ideia é que informações sobre o cumprimento dessas metas fiquem disponíveis à sociedade.
No início do mês, uma pesquisa realizada pela Escola Nacional de Administração Pública (Enap) em parceria com o Ministério da Economia e com a Universidade de Duke (EUA) apontou que mulheres e pessoas com filhos menores de cinco anos são as que mais relatam perda de tempo produtivo no trabalho remoto. Segundo Heckert, o ambiente do trabalho remoto permanente será diferente.
“Este ano foi de mar revolto, todo mundo foi a fórceps trabalhar em casa. Vamos caminhar para um modelo mais organizado, com um ambiente diferente”, diz Heckert.
O professor titular de estratégia e inovação da Fundação Dom Cabral, Fabian Salum, afirma que pesquisas no Brasil e na Argentina já demonstraram os ganhos financeiros da migração de alguns servidores públicos para o trabalho remoto.
Equilíbrio na adoção do home office
“Tem de haver um certo equilíbrio entre a adoção na íntegra e a adoção de maneira híbrida de práticas e de seleção de profissionais, áreas e atividades para não enfraquecer instituições, seu compromisso de entrega e sua efetiva contribuição para a sociedade.”
Salum também chama a atenção para a necessidade de preservar a segurança da informação, dado que as redes de conexão domésticas são mais vulneráveis a invasões e ataques cibernéticos, e servidores lidam muitas vezes com informações sensíveis.
O presidente do Fórum Nacional das Carreiras de Estado (Fonacate), Rudinei Marques, diz que o teletrabalho deu bons resultados em termos de economia para o governo e incremento de produtividade e deverá ser mantido, ainda que conjugado com atividades presenciais.
“O que teremos de acompanhar é em que medida essa nova sistemática vai impactar em questões trabalhistas, psicológicas e sociais. Sabemos, por exemplo, que no pós-pandemia devem aumentar os casos de distúrbios psíquicos, mas não temos notícias de que a administração pública esteja minimamente preparada para enfrentar essa situação”, afima Marques.
Adoção permanente de trabalho remoto deve gerar economia acima de R$ 1,5 bi em 2021
Objetivo do governo é repensar o espaço físico e ‘quebrar o paradigma de ter uma estação de trabalho para cada pessoa’, diz secretário da Economia
A adoção permanente do trabalho remoto deve render uma economia ainda maior em 2021 do que o R$ 1,5 bilhão que deixou de sair dos cofres públicos este ano, afirma o secretário especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital, Caio Paes de Andrade.
Os cálculos ainda estão sendo fechados pela equipe técnica, mas a avaliação é que a migração para o trabalho remoto vai permitir ao governo se planejar para a revisão de aluguéis e ocupação de espaços físicos.
Andrade diz que economia no ano que vem vai superar o R$ 1,5 bi deste ano Foto: Serpro
A ideia é que o valor exato possa já ser incorporado à proposta final de Orçamento de 2021, a ser votada no ano que vem pelo Congresso Nacional. A medida deve ser um importante alívio, dado que as despesas estão travadas no teto de gastos, mecanismo que limita o avanço das despesas à inflação, e ainda há intensa disputa por recursos.
Segundo Paes de Andrade, os técnicos estão em diálogo com a Secretaria do Patrimônio da União (SPU) para mapear as necessidades de espaço e fazer o redimensionamento. “Se um órgão que hoje ocupa um espaço de mil metros puder ir para um espaço de 500 metros, isso é uma economia de tudo, de aluguel, de luz, de limpeza”, explica.
O secretário de Gestão do Ministério da Economia, Cristiano Heckert, afirma que o objetivo do governo é repensar o espaço físico. “Queremos quebrar o paradigma de ter uma estação de trabalho para cada pessoa”, afirma.
O governo aposta na adoção em larga escala do trabalho remoto, seja de forma integral, seja de forma híbrida, com alguns dias a distância e outros de forma presencial.
Governo não banca estrutura
Se no setor privado a lei trabalhista garante que as empresas banquem a estrutura necessária ao funcionário, como computador, conexão e outras necessidades, no setor público não há essa previsão. O governo justifica, porém, que se trata de um “acordo de vontades” que atende, inclusive, à conveniência que o trabalho remoto oferece ao servidor por ser mais flexível.