Brasil deixa de pagar US$ 292 milhões para aporte no Banco do Brics
Verba para pagamento da dívida com o Brics – e demais organismos multilaterais -, não foi votada no fim do ano em projeto de lei do Orçamento; como consequência, País pode perder espaço na organização
Adriana Fernandes, O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA – O governo brasileiro não honrou o pagamento da penúltima parcela de US$ 292 milhões para o aporte de capital no Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), a instituição financeira criada pelos cinco países do grupo do Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). O prazo para a quitação da parcela terminou no dia 3 e o Brasil agora está inadimplente com o banco que ajudou a fundar e é um dos acionistas.
O dinheiro para o pagamento da parcela da dívida com o Banco do Brics e outros compromissos com os bancos multilaterais ficou de fora do projeto de lei que foi votado no fim do ano para remanejar despesas do Orçamento de 2020 e atender a demandas de obras de interesse do governo e emendas de parlamentares aliados.
Caso não pague a dívida, Brasil pode perder parte do direito de voto dentro do órgão. Foto: Adriano Machado/Reuters
No fim do ano, o argumento para votar correndo o texto, mesmo na frente de votação de outros projetos importantes, foi o de que o governo precisava honrar os seus compromissos com organismos multilaterais e não podia ficar com a imagem arranhada na comunidade internacional.
O Brasil ficou inadimplente com o Banco do Brics justamente no ano em que o brasileiro Marcos Troyjo assumiu a presidência da instituição por indicação do governo Bolsonaro e o total de financiamento aprovado para o País bateu recorde em 2020, atingindo US$ 3,5 bilhões.
Ex-secretário Especial de Comércio Exterior do Ministério da Economia, Troyjo fez apelos aos ministros Paulo Guedes (Economia), Walter Braga Netto (Casa Civil) e ao presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, para conseguir o pagamento dentro do prazo, mas não obteve sucesso. Um ofício foi enviado aos três alertando para os riscos do não pagamento, inclusive, o de a nota de crédito do banco dada pelas agências internacionais ser afetada negativamente.
Diante da inadimplência, o Brics, por determinação contratual, terá de comunicar às agências de classificação de risco, detentores de títulos e parceiros internacionais, o não pagamento. O Palácio do Planalto foi avisado pelo Ministério da Economia do problema.
Consequências
A parcela é uma obrigação financeira prevista em tratado internacional e decreto presidencial de 2015 que promulgou os termos do acordo para a criação do banco. Durante a tramitação do projeto, foi apresentada uma suplementação orçamentária para a integralização de cotas dos organismos multilaterais no valor de R$ 1,9 bilhão. Desse total, cerca de R$ 1,5 bilhão seriam destinados ao NBD. Os parlamentares retiraram, porém, essa previsão do texto.
O Ministério da Economia confirmou ao Estadão que o pagamento não foi realizado com a justificativa de que “não houve dotação orçamentária para tanto”. Mas não deu detalhes do caso, apesar dos pedidos da reportagem feitos desde antes do fim do ano. Em nota, o ministério informou que o NDB e seus sócios foram informados sobre o compromisso do governo brasileiro em buscar meios para quitar a obrigação o “mais breve possível”. Não há compromisso de datas. A reportagem tentou, sem sucesso, contato com a presidência do Brics em Xangai.
Em caso de descumprimento da obrigação financeira, o Brasil, que detém 20% de participação acionária, poderá perder parte do direito de voto. A ausência do pagamento aos organismos multilaterais pode prejudicar também a concessão de empréstimos firmados com estas instituições com o Brasil, entre eles, US$ 1 bilhão com o NDB para o programa emergencial de apoio à renda de populações vulneráveis afetadas pelo covid-19 e US$ 1 bilhão com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
Como mostrou o Estadão, o Brasil deixou de ser o lanterninha do Brics em termos de projetos de financiamento aprovados pelo NDB. Em 2018, a fatia doméstica de projetos financiados pela instituição era de apenas 8%, subindo para 10% em 2019 e chegando a 20% em 2020. Desde o início das operações do banco em 2015, até o início de 2019, as aprovações para o Brasil somavam só US$ 621 milhões.
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