História de Notas & Informações Jornal Estadão
O Tribunal Superior do Trabalho (TST) afrouxou as regras para a concessão do benefício de Justiça gratuita. Os ministros estabeleceram uma série de critérios mais brandos que só favorecem uma das partes em um processo. E esses parâmetros extrapolam, e muito, as hipóteses previstas na reforma trabalhista.
Em vigor desde 2017, a Lei 13.467 estabelece que o juiz pode conceder o benefício, a pedido ou de ofício, a quem ganha salário inferior ou igual a 40% do teto do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) – ou seja, até R$ 3,1 mil. Acima desse valor, o trabalhador deve comprovar sua insuficiência financeira para arcar com as custas processuais.
Mas a maioria dos ministros do TST subverteu recentemente a letra da lei durante o julgamento de um recurso. Eles entenderam por bem ainda editar uma tese vinculante, de cumprimento obrigatório em toda a Justiça do Trabalho, que determina que o juiz deve conceder automaticamente o benefício àqueles para os quais antes ele tinha a faculdade de fazê-lo.
Os integrantes da Corte trabalhista definiram também que basta uma mera declaração de pobreza daqueles que antes deveriam comprová-la para que o benefício da Justiça gratuita seja concedido. E decidiram que o empregador insatisfeito com o benefício dado à parte poderá contestar a gratuidade, mas, com a inversão do ônus, ele terá de comprovar que o trabalhador é capaz de bancar as custas.
Com uma canetada, os ministros ignoraram o objetivo de deputados e senadores de conter a litigância aventureira na Justiça do Trabalho. Antes da reforma, não havia risco algum para o trabalhador que fazia pedidos extravagantes, caso saísse derrotado da disputa judicial. Era, portanto, clara a intenção do legislador brasileiro de dar alguma racionalidade ao direito processual trabalhista.
As mudanças que o Congresso discutiu e aprovou, e o então presidente Michel Temer sancionou à época, fizeram com que o número de processos caísse no Brasil, após anos de um volume assombroso de ações ajuizadas. Com a imposição dessas três novas regras, o TST parece ter decidido atropelar o Legislativo. Chamam a isso de jurisprudência, mas, na verdade, trata-se de ativismo judicial.
Não é de hoje que os mecanismos inseridos pela reforma na CLT para otimizar a Justiça do Trabalho vêm perdendo força. Em 2021, o Supremo Tribunal Federal (STF) já havia aberto a porteira para a volta do crescimento do número de ações. Na ocasião, a Corte constitucional decidiu que o trabalhador beneficiário da Justiça gratuita e derrotado em um processo não é obrigado a pagar honorários sucumbenciais, que são devidos ao advogado da parte vencedora, com os créditos a que venha a ter direito a receber em um outro processo.
Aos poucos, o status pré-reforma vem sendo restabelecido pelo próprio Judiciário. E isso pode ser visto em números bastante concretos. Em 2017, 2,6 milhões de ações haviam chegado às varas trabalhistas. Com as regras saneadoras, o volume passou a recuar ano a ano, até atingir 1,5 milhão em 2021, somado ao efeito da pandemia. Após a mudança imposta pelo STF, a quantidade de processos em primeira instância voltou a subir e, neste ano, até outubro, já chegou a 1,8 milhão.
A decisão do TST só tende a piorar esse cenário. Os ministros da Corte trabalhista devem, decerto, sentir saudade dos tempos em que os processos congestionavam as varas trabalhistas País afora. Só isso pode explicar tamanha afronta à separação dos Poderes.
A fragilização da reforma trabalhista representa retrocesso em seu sentido estrito. Significa recuos em avanços promovidos pelas novas regras inseridas legitimamente na CLT por aqueles que foram eleitos pelos cidadãos para fazê-lo.
Esse vaivém do que vale e do que não vale e esse ativismo judicial reiterado, com a criação de regras nas teses, têm efeitos deletérios múltiplos: afrontam a harmonia dos Poderes, afastam investidores do País e espalham insegurança jurídica. O resultado de mais ações na Justiça só tem um vencedor: o atraso do Brasil.