História de Alvaro Gribel – Jornal Estadão
BRASÍLIA – A agenda de aumento da arrecadação do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, foi bem-sucedida pelo segundo ano consecutivo. Em 2024, segundo dados da Receita Federal divulgados nesta terça-feira, 28, o crescimento real (já descontada a inflação) foi de 9,62% em relação a 2023, uma alta expressiva e quase três vezes acima do crescimento do PIB previsto para o ano, de 3,5%, segundo estimativas do Boletim Focus do Banco Central. O problema é que, ainda assim, as contas públicas fecharão o ano no vermelho.
Se o governo não consegue ficar no azul com um aumento de receitas de quase 10%, o que vai acontecer se a economia desacelerar e a arrecadação crescer menos ou até mesmo cair? Essa é a grande pergunta que atormenta especialistas em contas públicas e ajuda a entender o mau humor do mercado com a política fiscal do governo Lula.
O resultado oficial do Tesouro vai ser divulgado na sexta-feira, 31, mas Haddad já adiantou que haverá um déficit primário (sem considerar gastos com juros) de 0,1% do PIB. A conta, na verdade, é maior, quando são incluídos os gastos com o socorro ao Rio Grande do Sul, que podem fazer o déficit chegar a 0,4% do PIB. Como a meta de déficit zero tem uma banda de tolerância de 0,25 ponto do PIB, a exclusão de gastos com o RS parece sem sentido, já que há uma margem justamente para absorver choques inesperados sobre as despesas públicas.
Haddad e o governo não têm do que reclamar pelo lado da receita Foto: Washington Costa/Ascom/MF© Fornecido por Estadão
O governo dirá que houve uma forte redução do rombo em relação ao déficit de 2,4% do PIB de 2023, mas houve gastos atípicos no primeiro ano do governo Lula, como o pagamento de precatórios herdados do governo Bolsonaro, que distorceram o indicador.
Outro grande problema é que as contas públicas foram fortemente reindexadas no governo atual. O salário mínimo voltou a ser atrelado ao crescimento do PIB, com impacto sobre os gastos da Previdência, e os pisos com saúde e educação voltaram a subir tendo como referência justamente o aumento das receitas. Se a arrecadação cresce, esses dois gastos também aumentam, colocando as contas públicas em um círculo vicioso.
Pelo lado da receita, Haddad e o governo não têm do que reclamar. Se as medidas de arrecadação com o voto de qualidade do Carf foram inócuas até aqui, a taxação dos fundos offshore (fora do País) rendeu R$ 7,6 bilhões, e a tributação dos fundos exclusivos arrecadou outros R$ 13 bilhões. As ações de conformidade entre a Receita e contribuintes também levaram a um aumento de R$ 18,3 bilhões nas receitas do governo.
Tudo isso deu certo. O que ainda não foi entregue é uma agenda efetiva de corte de gastos. Sem isso, o País permanecerá na berlinda, pagando juros altos, com moeda desvalorizada, e inflação em alta. Uma combinação que vai atenuar o crescimento do PIB e certamente atingir a popularidade do presidente Lula.