História de Notas & Informações – Jornal Estadão

A Operação Lava Jato está enterrada no que diz respeito a seus desdobramentos jurídico-penais. Se ainda havia dúvidas quanto a isso, um vídeo publicado pelo notório Sérgio Cabral Filho há poucos dias em uma rede social, sobre o qual já nos manifestamos (ver editorial Cabral debocha do Brasil, 24/1/2025), decerto as dissipou por completo.

No entanto, perdida a oportunidade de impor a uma pletora de criminosos confessos a justa reparação penal pelos males que causaram, o País teria muito a ganhar do ponto de vista institucional se ao menos as lições deixadas pela Lava Jato, em particular pelos erros cometidos por órgãos estatais e até pela imprensa, tivessem sido mais bem assimiladas. Não parece ser o caso. A Lava Jato pode estar morta, mas o espírito do lavajatismo ainda assombra o País.

Há poucos dias, veio a público o conteúdo do primeiro depoimento prestado pelo tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, no âmbito do acordo de colaboração premiada que o militar firmou com a Polícia Federal (PF). Informações divulgadas pelo jornalista Elio Gaspari nos jornais O Globo e Folha de S.Paulo dão conta de que Cid contou à PF que o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro teriam integrado a “ala mais radical” que supostamente incentivou o então presidente da República a dar um golpe armado para impedir a posse de Lula da Silva.

Embora gravíssima, a acusação feita por Cid e vazada à imprensa veio desacompanhada de provas, razão pela qual nem Eduardo nem Michelle Bolsonaro figuram no rol de indiciados pela suposta sedição. Isso mostra, em primeiro lugar, que a PF parece ter trilhado um bom caminho investigativo, afinal, a chamada “delação premiada”, à luz da Lei 12.850/2013, é apenas um meio de obtenção de prova, não tendo o condão de, por si só, provar coisa alguma. Por outro lado, o vazamento lança luz para a instrumentalização política de inquéritos policiais, que, por óbvio, devem ser orientados única e exclusivamente por imperativos legais e pela boa técnica policial.

Somado à falta de substância probatória, o momento da divulgação do teor do depoimento de Mauro Cid – o primeiro dos mais de dez que o militar já prestou à PF e ao Supremo Tribunal Federal (STF) de agosto de 2023 até agora – autoriza a suspeita de que a investigação dos fatos narrados por ele pode estar sendo explorada politicamente, tal como foram exploradas muitas delações firmadas durante a Lava Jato, calculadamente vazadas em nome de interesses para lá de obscuros.

Eduardo e Michelle Bolsonaro passam por uma fase de súbita notoriedade desde que ambos foram aventados como possíveis candidatos à Presidência em 2026. O presidente Lula da Silva, ao contrário, atravessa seu pior momento neste terceiro mandato, assistindo a seus índices de aprovação e popularidade despencarem em regiões e estratos sociais nos quais o petista outrora nadava de braçada.

Manifestações públicas do diretor da PF, Andrei Passos, e de ministros do STF, como o presidente da Corte, Luís Roberto Barroso, e o decano, Gilmar Mendes, só alimentam especulações perigosas. Passos tem abusado de entrevistas nas quais, entre outras impertinências, tece considerações a respeito dos casos que a PF investiga. Barroso e Mendes, por sua vez, não raro comentam o caso, como se não fossem julgá-lo mais adiante. Recentemente, Barroso afirmou que pautará o julgamento dos acusados da trama golpista “imediatamente” após a produção de provas. Mendes, outro ministro que não se contenta em falar somente nos autos, afirmou que espera julgar o caso “ainda em 2025”, de modo a “evitar tumultos em 2026”, ano eleitoral, como se o tempo da Justiça tivesse de se submeter ao tempo da política.

É de interesse nacional que o processo contra os acusados de tentar impedir a posse do presidente legitimamente eleito em 2022 seja imaculado. Só assim todos os que vierem a ser condenados com base em provas por sua participação na intentona poderão pagar duramente pelos crimes que cometeram contra o Estado Democrático de Direito. É dever do STF agir com imparcialidade para que uma audácia deste jaez nunca mais seja cogitada no País.

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By valeon