História de Notas & Informações – Jornal Estadão
O Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP) cassou o mandato da deputada Carla Zambelli (PL-SP) e a condenou à inelegibilidade por oito anos. Em sessão realizada no dia 30 passado, o TRE-SP concluiu, por 5 votos a 2, que a parlamentar cometeu “abuso de poder político” e “uso indevido dos meios de comunicação” ao disseminar suspeitas sobre as urnas eletrônicas, um discurso superado até entre alguns bolsonaristas. Nem por isso a decisão, da qual cabe recurso, deixa de ser abusiva. A Corte Eleitoral extrapolou seus limites de atuação e, como se isso não bastasse, afrontou a vontade dos milhares de paulistas que, em 2022, votaram em Zambelli como sua representante na Câmara dos Deputados.
A competência da Justiça Eleitoral é muito bem definida. Basicamente, cabe a esse ramo do Poder Judiciário garantir a lisura das eleições, assegurando que os cidadãos possam exercer em paz e segurança seu direito-dever de votar e, ademais, que todos os candidatos possam competir em igualdade de condições. Entretanto, de uns anos para cá, alguns juízes eleitorais, inclusive com assento no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), têm se arvorado em fiscais de discurso político, ora interpretando de forma expansiva a legislação eleitoral, ora inventando crimes que não estão previstos em lei, como “desinformação”.
Uma Justiça que deveria se orientar pela objetividade e pelo princípio da intervenção mínima – in dubio pro sufragio – tem agido de forma cada vez mais subjetiva, como se lhe coubesse tutelar os eleitores, como se estes formassem uma massa de incapazes de decidir por si mesmos conforme suas afinidades político-ideológicas e a partir das informações de que dispõem para definir seus votos. A cassação de Zambelli é mais um caso que se insere nesse lamentável rol de abusos da Justiça Eleitoral.
Que fique claro: para este jornal, a sra. Carla Zambelli é uma deputada desqualificada para o exercício da representação parlamentar à luz de suas palavras e ações frontalmente contrárias aos princípios liberais democráticos que o Estadão defende. Contudo, seu comportamento por vezes leviano, ofensivo e violento não é um problema deste jornal nem tampouco da Justiça Eleitoral; é um problema dos 946.244 eleitores paulistas que sufragaram o número da parlamentar nas urnas na eleição geral passada.
O mandato popular tem de ser rigorosamente respeitado em uma democracia que se pretende séria, tanto pelo mandatário como por aqueles que detêm o poder de cassar sua representação política. A vontade dos eleitores manifestada nas urnas é sagrada, passível de ser subvertida somente quando houver provas irrefutáveis de abusos e crimes cometidos por seus representantes. Não parece ser o caso envolvendo a parlamentar paulista.
O desembargador José Antonio Encinas Manfré, relator da ação contra Zambelli, afirmou em seu voto que “não é demasiado se reconhecer que as condutas da representada alcançaram repercussão e gravidade aptas a influenciar a vontade livre e consciente do eleitor e em prejuízo da isonomia da disputa eleitoral”. Ora, “aptas a influenciar” não significa que influenciaram. Logo, deveriam constar dos autos as provas desse suposto nexo causal entre os vídeos publicados por Zambelli, nos quais ela dissemina suspeitas sobre a segurança das urnas eletrônicas em Itapeva (SP), e a repercussão dessas postagens no resultado do pleito, o que não restou demonstrado. A juíza Maria Cláudia Bedotti, primeira a divergir do relator, sustentou, com razão, que “é essencial que se analise o número de programas veiculados, o período da veiculação, o teor deles e outras circunstâncias relevantes que evidenciem a gravidade da conduta”.
É evidente que, diante de casos comprovados de abuso de poder político ou econômico, além de crimes eleitorais, a Justiça Eleitoral não só pode, como deve intervir. Mas espanta a facilidade com que a vontade dos eleitores tem sido subvertida por decisões judiciais parcamente fundamentadas e que mal escondem um vezo moralista. Assim, não se pode condenar quem veja a Justiça Eleitoral como um instrumento de perseguição política.