História de Notas & Informações – Jornal Estadão

O presidente Lula da Silva anunciou em português cristalino que, no que depender dele, “não tem outra medida fiscal”. Como tudo no governo depende dele, estão oficialmente encerradas as fantasias da equipe econômica, criadas pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de que haveria medidas adicionais para conter gastos porque, em suas palavras, o pacote fiscal apresentado “não é suficiente”.

A sinceridade do presidente não só constrangeu Haddad (de novo), como deixou na chuva o novo presidente do Banco Central (BC), Gabriel Galípolo – que terá de levar em conta a evidente falta de disposição de seu padrinho para equilibrar as contas e facilitar o controle da inflação. Como já vinha acontecendo na gestão de Roberto Campos Neto, o BC seguirá sozinho na briga com a inflação, já que o governo decididamente não quer colaborar.

Mas Lula se esforçou para aparentar otimismo. Demonstrando uma confiança que raramente exibe diante de jornalistas, o presidente Lula comemorou o registro de um déficit fiscal de 0,09% do Produto Interno Bruto (PIB) no ano passado. “Isso é déficit zero. Não é 2,5% como recebemos do governo anterior”, disse.

Há ao menos dois problemas nessa declaração. A primeira é que o cálculo mencionado pelo presidente desconsidera despesas com o combate a enchentes no Rio Grande do Sul e a incêndios na Amazônia e no Pantanal. Se esses dispêndios forem incluídos, o rombo sobe de R$ 11 bilhões para R$ 43 bilhões, ou 0,36% do PIB, acima, portanto, do limite inferior da meta, que permitia um déficit de até 0,25% do PIB.

A segunda é que seria injusto culpar o ex-presidente Jair Bolsonaro pelo déficit que Lula da Silva diz ter herdado. Bolsonaro, por óbvio, nunca foi um exemplo na área fiscal, mas o fato é que sua administração deixou um superávit de R$ 54 bilhões nas contas públicas em 2022.

É bem verdade que o resultado teria sido negativo não fosse o calote nos precatórios. Mas até nisso – na busca de manobras para ampliar gastos sem contabilizá-los na meta alardeando um alegado compromisso fiscal – os dois políticos são mais parecidos do que gostariam de admitir.

Quem elevou o déficit para R$ 228,5 bilhões em 2023 foi o governo Lula da Silva, por meio da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição e do pagamento das dívidas da União já reconhecidas pela Justiça represadas por seu antecessor.

Dito isso, a redução do rombo de 2023 para o de 2024 é falaciosa. Não seria factível diminuir o déficit em cerca de R$ 200 bilhões em apenas um ano e sem qualquer medida mais dura. O que houve foi uma ginástica financeira para jogar receitas e despesas de um ano para outro para piorar o resultado de 2023 e assim melhorar o de 2024.

Se fosse mera retórica política, vá lá. Mas o problema é que o presidente parece realmente acreditar que fez muito na área fiscal e que não será preciso fazer mais nada nessa seara. Os petistas costumam torturar os números para fazê-los exprimir o que lhes convém. Em outras palavras, o que importa, para o petista, é parecer que o arcabouço fiscal está sendo cumprido.

Não importa que vários gastos tenham sido contabilizados fora da meta, como o Pé-de-Meia, que as receitas que engordaram o caixa do Tesouro tenham sido extraordinárias ou que a trajetória da dívida pública esteja longe da estabilidade que a âncora fiscal deveria proporcionar.

Tampouco importa que as despesas com Previdência tenham sido quase R$ 30 bilhões maiores do que o governo estimava no ano passado, nem que os gastos com o Benefício de Prestação Continuada (BPC) tenham sido subestimados em R$ 7,6 bilhões. Não importa que os dispêndios com as duas rubricas tenham tido aumento real de 3,8% e de 14,9%, bem acima do limite do arcabouço fiscal.

Lula acha que só seu palavrório é suficiente para comprovar seu compromisso com a responsabilidade fiscal. Será sob essas condições, e de olho no horizonte eleitoral de 2026, que o petista diz que quer entregar “o menor déficit possível”, o que literalmente significa qualquer coisa. O País que lide com as consequências dessa decisão.

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By valeon