História de PATRÍCIA CAMPOS MELLO – Folha de S. Paulo
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A visita ao Brasil do relator para a liberdade de expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, Pedro Vaca, começou neste domingo (9) com embate entre organizações da sociedade civil e políticos bolsonaristas.
ONGs brasileiras enviaram carta a Vaca denunciando o que veem como uma estratégia de políticos de extrema direita no Brasil de “instrumentalização do direito à liberdade de expressão” para desestabilizar as tentativas de “responsabilização por atentados à democracia brasileira”.
Vaca vai se reunir nesta terça-feira (11) com a deputada Bia Kicis (PL-DF) e o deputado Marcel Van Hattem (Novo-RS) para discutir o que eles consideram ser tentativas de censura a vozes conservadoras no Brasil. Na sexta-feira (14), o relator terá encontro com representantes da sociedade civil, liderados pela Artigo 19.
Na carta a Vaca, as organizações argumentam que as denúncias da direita estão “vinculadas a episódios claros de ataque à democracia e aos direitos humanos”. Dizem que o discurso de liberdade de expressão estaria sendo usado “como estratégia concreta de desestabilizar as tentativas de responsabilização de alguns de seus atores pelos atentados à democracia brasileira”. Afirmam também que a “garantia da liberdade de expressão se dá em consonância e em balanço com outros direitos”.
Assinam a carta a Artigo 19, Tornavoz, Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), Derechos Digitales, Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas), Intervozes, Repórteres sem Fronteiras, Instituto Vladimir Herzog e Washington Brasil Office, que vão se reunir com o relator.
Bia Kicis afirmou à Folha que a visita do relator “é uma oportunidade para mostrarmos como a censura tem sido apresentada como meio de ‘proteção à democracia’ “.
“A liberdade não se negocia, e vamos seguir denunciando a perseguição política, a censura nas redes sociais, o uso da Justiça para calar opositores ao regime e o avanço do autoritarismo disfarçado de democracia”, disse.
Nesta segunda-feira (10), Vaca se reuniu com o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, e com o ministro Alexandre de Moraes. Segundo a assessoria do Supremo, Barroso falou sobre as “situações de risco democrático, como a politização das Forças Armadas e os ataques às instituições” por que passou o Brasil nos últimos anos. Já Moraes teria falado sobre as investigações abertas e as circunstâncias que levaram à suspensão da rede social X (ex-Twitter), em agosto passado. Segundo ele, 28 investigados nos ataques de 8 de janeiro têm perfis em redes sociais bloqueados por ordem do STF.
No ano passado, Bia Kicis, Van Hattem e o senador Eduardo Girão (Novo-CE) solicitaram uma audiência com o relator em Washington, na sede da OEA (Organização dos Estados Americanos), para discutir o que eles veem como violações à liberdade de expressão no Brasil, principalmente por parte do STF.
A audiência chegou a ser marcada, mas, depois, acabou adiada. Segundo a CIDH, o adiamento ocorreu porque foi marcada a visita do relator ao Brasil (que está ocorrendo agora), após convite do governo brasileiro. Os congressistas bolsonaristas foram recebidos em reunião privada na OEA.
Na época, Bia Kicis queixou-se de uma suposta omissão da comissão. “Por exemplo, eu estive na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que tem virado as costas às inúmeras denúncias de violações de direitos e garantias”, discursou a deputada.
À reportagem a deputada disse que “é fundamental que um órgão internacional como a OEA tome ciência de tudo e cumpra seu papel, deixando de negligenciar, quando se trata de conservadores, a defesa de um direito fundamental consagrado nos tratados internacionais de direitos humanos”. “O contrário acontece quando a vítima é alguém alinhado ao regime, que normalmente recebe toda a atenção e reparação por parte dos organismos internacionais.”
Do lado das ONGs de defesa da liberdade de expressão também houve insatisfação. Elas haviam requisitado uma audiência na comissão no ano passado, para discutir assédio judicial. Mas o relator decidiu juntar com a dos bolsonaristas -antes de adiar as duas.
Segundo noticiou a coluna Painel, da Folha de S.Paulo, uma das conversas de Vaca será com os advogados de Filipe Martins, ex-assessor da Presidência sob Jair Bolsonaro (PL). Ele é um dos indiciados pela Polícia Federal no inquérito da suposta trama golpista patrocinada por aliados de Bolsonaro e está com as redes sociais bloqueadas.
Políticos bolsonaristas têm se articulado com legisladores republicanos, nos EUA, para denunciar o que veem como censura.
No ano passado, houve uma audiência no Congresso dos EUA sobre ordens de remoção de conteúdo nas redes sociais no Brasil. Parlamentares bolsonaristas, entre eles o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), visitaram os EUA para discutir o tema.
Em setembro, quatro deputados dos EUA e um senador, todos republicanos, solicitaram formalmente que o visto do ministro do STF Alexandre de Moraes fosse cancelado.
Procurada pela reportagem, a assessoria de imprensa do relator disse que não divulga a agenda de Vaca. No comunicado sobre a visita, a CIDH afirmava que a delegação ouviria autoridades dos três Poderes, organizações de direitos humanos, jornalistas, plataformas digitais e a academia.