Partido Republicano vive ‘guerra civil’, diz analista

Para pesquisador, sem o controle da Câmara dos Deputados, do Senado e da Casa Branca a partir de 20 de janeiro, legenda tem um futuro difícil

Entrevista com

Oliver Stuenkel, coordenador da pós-graduação em relações internacionais da FGV-SP

Paulo Beraldo, O Estado de S.Paulo

A invasão no Capitólio por extremistas pró-Donald Trump e a derrota nas duas vagas para o Senado na Geórgia são acontecimentos políticos que evidenciaram a “guerra civil” pela qual passa o Partido Republicano, avalia o pesquisador Oliver Stuenkel, coordenador da pós-graduação em relações internacionais da FGV-SP.

Donald Trump - Geórgia - Estados Unidos Donald Trump durante comício na Geórgia; argumento de fraude eleitoral divide republicanos   Foto: MANDEL NGAN / AFP

Para Stuenkel, sem o controle da Câmara dos Deputados, do Senado e da Casa Branca a partir de 20 de janeiro, a legenda tem um futuro difícil – em que precisará optar por tentar fortalecer a ala tradicional conservadora ou se virar para os grupos trumpistas mais radicais. “Isso ficará mais claro nas eleições de 2022 (para Câmara e parte do Senado), quando muitos congressistas tradicionais serão desafiados nas primárias por trumpistas”.

Qual o significado da eleição dos democratas para o Senado na Geórgia?

A eleição na Geórgia foi histórica e terá impacto grande sobre a maneira que Biden pode governar. Ela aconteceu em um contexto muito inédito por ter uma parte do Partido Republicano levantando dúvidas sobre possível fraude nas próprias eleições da Geórgia. Olhando os condados, sobretudo em regiões rurais, a narrativa de fraude reduziu a mobilização dos republicanos. Então, essa estratégia de radicalização anti-democrática do Trump roubou dos republicanos o principal argumento de que as pessoas precisavam ir votar para eles continuarem com o controle do Senado. Na cabeça do trumpista mais radical, Trump ainda iria ocupar a presidência. Esse foi um baque grande para a ala trumpista nessa guerra civil do Partido Republicano.

Além desse discurso radical, o que mais permitiu a vitória nesse Estado?

Na Geórgia, por conta da mudança demográfica, a aposta dos republicanos se torna cada vez mais difícil. A população negra se expande mais que a branca e está mobilizada graças à ativista Stacey Abrahams, a grande arquiteta disso, e que tem boas chances de ser a próxima governadora. Foi, no fundo, uma eleição para mobilizar as pessoas a irem votar. Além da posição e da capacidade organizadora da Stacey que fez diferença, a postura ambígua dos republicanos boicotarem o pleito pesou.

Quanto isso deve influenciar o futuro da direita americana?

Está instaurado um confronto entre duas visões completamente diferentes. No Partido Republicano, a ala trumpista acusa a ala tradicional e conservadora de traição por ter reconhecido a vitória do Biden. Vejo uma batalha difícil, especialmente se o Trump continuar ativo. No caso dos democratas, Biden venceu de maneira bastante decisiva, o que deu mais força à ala centrista, que claramente domina o partido e permite alguns espaços para participação dos progressistas, como em mudanças climáticas e questões LGBT.

Depois de quatro anos de governo Trump, o Partido Republicano consegue voltar para a ‘normalidade’ ?

Isso depende de muitos fatores, principalmente da maneira como Trump vai acompanhar o processo político – se vai atacar qualquer tentativa de cooperação com o Biden e qual o tamanho da ala progressista no governo. Os republicanos estão numa situação muito ruim e será um trabalho muito difícil unificar o partido. Vão precisar criar pontos de contato entre as duas alas nos quais é possível cooperar e alinhar estratégias em relação ao Biden. Isso ficará mais claro nas eleições de 2022, quando muitos congressistas tradicionais serão desafiados nas primárias por trumpistas.

Qual o futuro de Donald Trump após 20 de janeiro?

A grande questão é de que maneira ele consegue manter sua visibilidade no discurso político. Vejo dois cenários: o primeiro é que ele vá embora e desapareça, o que acontece muito, principalmente por não ter mais o púlpito. Mas ele não é um político típico. Ele pode manter seu Twitter, Facebook, lançar um programa de TV. E pode seguir tão poderoso que continua controlando o Partido Republicano como aconteceu muito na América Latina. Há vários ex-presidentes que se mantiveram extremamente influentes. Lliderado por Trump, seus filhos ou algum aliado, o trumpismo tem boas chances de permanecer em cena e vencer essa disputa entre a ala conservadora tradicional e o campo nacionalista-autocrático.

Após a invasão ao Capitólio, acredita que pode haver mais ataques de supremacistas nos EUA?

Sim. E a atuação mais incisiva do Facebook e do Twitter – a qual não estou criticando – vai fazer com que esses grupos migrem para redes mais radicalizadas, paralelas, onde circulam essas teorias da conspiração. Apesar de ser difícil de mensurar, isso claramente está em ascensão. São grupos que radicalizam as pessoas e as mantém à parte da realidade. O risco de violência política cresce com o fortalecimento e a permanência desses grupos.

Qual o significado mais profundo dessa invasão?

É ruim dizer isso, mas a ascensão de um partido que não se distancia abertamente do racismo e do extremismo é sinal de que as coisas estão mudando. A situação é péssima, mas está ocorrendo porque esses grupos reagem ao que eles consideram como ameaças aos seus privilégios. O gabinete de Joe Biden é o mais diverso da história, haverá legislações aprovadas que facilitam ainda mais a participação da população negra. Então, vai haver aumento de grupos radicais que vão combater esses avanços. Grandes avanços nos Estados Unidos na questão racial sempre produziram reação temporária.

Que resultados isso traz para o cenário político?

É preciso articular um tipo de narrativa que, de alguma maneira, possa incluir e trazer esses grupos de volta ao processo democrático. Há grupos dispostos a operar fora do contexto democrático, extremamente radicalizados e eles não vão sumir agora. Manterão sua resistência contra medidas que continuem esse longo processo de democratização do sistema político. Sou cético com relação à capacidade de Biden em unificar e pacificar o país. Além disso, não consigo imaginar o Partido Republicano voltando a controlar rapidamente essa ala radicalizada.

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