História de PEDRO LOVISI E ARTUR BÚRIGO – Folha de S. Paulo
SÃO PAULO, SP, E BELO HORIZONTE, MG (FOLHAPRESS) – A crise financeira de Minas Gerais uniu esquerda e direita no estado. Ambas as correntes defendem que o governo se desfaça de suas maiores estatais para pagar a dívida bilionária do estado com a União, ainda que a forma como isso será feito federalização ou privatização seja motivo de embate.
A conjuntura chama atenção. Até porque historicamente os mineiros, tanto de esquerda quanto de direita, são reticentes em abrir mão de suas empresas não à toa, a Constituição estadual condiciona a privatização de estatais de energia, distribuição de gás e saneamento a um referendo popular.
Até entre as exceções, esquerda e direita andam juntas. Os deputados federais Aécio Neves (PSDB) e Reginaldo Lopes (PT), por exemplo, defendem que as empresas continuem sob controle do estado (veja mais abaixo).
Minas deve hoje cerca de R$ 160 bilhões à União, além de outros R$ 30 bilhões junto a entidades financeiras e depósitos judiciais.
Para 2025, a projeção é que o estado pague à União R$ 5,2 bilhões sob o RRF (Regime de Recuperação Fiscal), enquanto o total da dívida com a incidência de juros deve crescer R$ 20 bilhões, segundo as contas do governo. Essa dinâmica é considerada impagável pelas classes política e econômica de Minas e corrói a capacidade de investimento do estado, incomodando tanto esquerda quanto direita.
Em 2018, por exemplo, o estado arrecadou R$ 99,5 bilhões. Mas desse valor, R$ 98,1 bilhões foram destinados às despesas correntes, como custeio da máquina pública e pagamento de servidores, e R$ 4,2 bilhões ao pagamento da dívida. Para as despesas de capital, aquelas em que o estado tem liberdade para gastar em investimentos e obras, foram reservados R$ 4,9 bilhões. Ao final, o governo teve déficit de quase R$ 8 bi.
Graças a liminares obtidas pelo estado no STF (Supremo Tribunal Federal) e acordos de repactuação com a União, a administração mineira ficou desde o fim de 2018 sem seguir a dinâmica anterior de pagamento das parcelas que devia à União, o que impede a comparação neste período.
O rombo faz com que a maioria dos políticos e economistas de esquerda e direita enxerguem no repasse do controle de Cemig, Copasa e Codemig a última arrecada bilhões com a produção de nióbio um dos únicos caminhos para retomar a capacidade de investimento do estado.
Mas a direita econômica do estado, liderada pelo governador Romeu Zema, sonha com a privatização, enquanto a esquerda, apoiada no PT, quer repassar as empresas para o governo federal.
A última alternativa ganhou força sob o chamado Propag (Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados), projeto do senador mineiro Rodrigo Pacheco (PSD). A proposta prevê desconto no indexador da dívida com o repasse dos ativos dos estados ao governo federal.
Um dos primeiros a defender a proposta de federalização de estatais foi o deputado estadual Professor Cleiton (PV).
“A federalização surgiu como alternativa para resolver o problema da dívida e como uma vacina às propostas de privatização do Zema. Inclusive, a federalização não exige a necessidade de um referendo”, afirma o deputado.
Otto Levy, ex-secretário de Planejamento de Zema e ainda influente no governo, diz ser fundamental reduzir o tamanho da dívida do estado. Mas a melhor forma de se fazer isso, segundo ele, seria vender as estatais e utilizar a quantia para abater o débito. “Para o próprio funcionamento do estado, eu acho que não é mais uma questão de opção”, afirma.
Na lógica dos liberais, trata-se de unir o útil ao agradável: pagar a dívida com a União e transferir as empresas para a iniciativa privada. “A minha experiência na máquina pública mostra que o arcabouço legal do setor público no Brasil, por si só, gera ineficiência para uma empresa, independente da qualidade dos gestores”, acrescenta Levy.
Mas Marco Antônio Castello Branco, presidente da Codemig na gestão de Fernando Pimentel (PT) e ex-membro dos conselhos de administração de Cemig e Copasa, discorda categoricamente. Ele defende que o governo federal assuma as três empresas e desconte do montante da dívida o valor de mercado delas.
“No RRF, o governo Zema usava a venda das estatais como um álibi, dizendo que entregar as empresas estatais para o setor privado seria o único jeito de viabilizar o regime. Ou seja, criou-se uma ditadura da falta de alternativa para justificar uma ideologia neoliberal”, afirma Castello Branco.
Ele propõe que a União assuma as três estatais com o compromisso de devolver as empresas quando o governo mineiro tiver suas contas reorganizadas. “Seria um processo semelhante à recuperação judicial, mas adaptada à esfera pública”, diz.
De certa forma, um formato semelhante é discutido entre os políticos mineiros. A ideia na Assembleia Legislativa é amarrar às propostas de federalização o direto de o estado poder reaver o controle das empresas em 20 anos. Também se estuda incluir uma determinação de referendo junto à população mineira caso o governo federal, no futuro, decida pela privatização das companhias.
Thiago Toscano, ex-presidente da Codemig no governo Zema, tenta achar um meio-termo entre as propostas. Apesar de defender a privatização de Cemig e Copasa sob argumentos semelhantes ao de Levy, ele acredita que a federalização da Codemig seja o mais vantajoso para o estado. Isso porque é muito provável que o governo federal aceite pagar mais pela empresa do que a iniciativa privada, visto o desconhecimento de investidores com a produção de nióbio (mais de 80% do mercado global do mineral está nas mãos da CBMM, a mineradora dos Moreira Salles parceira do governo de MG).
O governo Zema já divulgou duas avaliações sobre a empresa. Uma, encomendada ao banco de investimentos Goldman Sachs para a privatização da Codemig, calculou que a empresa valeria cerca de US$ 6 bilhões (R$ 34,7 bilhões na cotação atual).
Outra, em nota técnica divulgada pela próprio estatal nas discussões sobre a federalização, projetou que os dividendos, a valor presente, teriam valor de R$ 59 bilhões.
Nas contas do Sinfazfisco-MG (Sindicato dos Servidores da Tributação, Fiscalização e Arrecadação do Estado de Minas Gerais), o valor atual da Codemig é de R$ 35 bilhões. Essa avaliação poderia ser ampliada em cerca de R$ 20 bilhões caso a empresa seja federalizada junto com o direito de lavra, que hoje pertence ao estado a hipótese é prevista em proposta que tramita na Assembleia Legislativa.
Uma terceira solução seria federalizar apenas o fluxo de receitas da Codemig. Como a única função da empresa é receber 25% do lucro da CBMM, Minas Gerais poderia firmar um contrato com a União repassando apenas seu direito de dividendos por um determinado período formato semelhante a um empréstimo. “Isso resolveria um problema político relacionado ao apego que tradicionalmente os mineiros têm pelo patrimônio, porque a empresa continuaria sendo do estado”, diz Toscano.
Nessa linha, Marco Crocco, presidente do BDMG (Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais) na gestão Pimentel, diz que, em caso de federalização, é necessário que o governo federal se comprometa a manter o foco das estatais em Minas Gerais. A Codemig, por exemplo, é hoje um dos poucos canais de receita livre do estado.
“Essas empresas têm um papel local muito bem definido, então mesmo federalizando há de ter uma articulação com o governo federal para que elas continuem sendo estatais com posição estratégica para Minas”, afirma. “Além disso, com a capacidade de compra de Cemig e Copasa você pode atrair fábricas para o estado, então elas funcionam como elemento de desenvolvimento.”
Já o tucano e ex-governador Aécio Neves e o petista Reginaldo Lopes rejeitam as possibilidades de federalização e privatização e defendem alternativas.
Aécio propõe utilizar as estatais apenas como garantia do contrato de refinanciamento da dívida do estado com a União. “O atual governo federal não tem vocação alguma para administrar estatais. Também sou contrário, no caso de Minas, à ideia que o governo estadual tem defendido de privatização, que, a meu ver, dilapidará o patrimônio dos mineiros”, diz.
Reginaldo, por sua vez, defende uma fórmula que considera a receita corrente líquida dos estados e o resultado da balança comercial para que haja uma redução no estoque da dívida. “Sou contra pegar três estatais que dão lucro de R$ 10 bi e entregar para a União. O Propag resolve dois anos do Zema, dois anos do próximo governador e depois o estado quebra”, afirma.