História de Notas & Informações – Jornal Estadão
O governo optou por manter a atual mistura obrigatória de biodiesel ao diesel em 14% e suspender o cronograma oficial do Programa Combustível do Futuro, que previa elevar o porcentual a 15% em 1.º de março. A decisão, informa o Estadão, teria sido tomada a pedido do próprio presidente Lula da Silva, preocupado com o fato de que a medida pudesse impulsionar ainda mais a inflação.
O momento é delicado para o Executivo federal. Com a aprovação no pior nível dos três mandatos de Lula, a ideia parece ser a de evitar ou ao menos postergar decisões que possam piorar o que já não está bom, mas o caso do biodiesel ilustra bem o quanto o governo está perdido.
A quebra da safra de soja 2023/2024, aliada à desvalorização do real, gerou um aumento expressivo nos preços da commodity. E isso, por óbvio, não passou despercebido pelo consumidor. O óleo de soja subiu 29% no ano passado, segundo o IBGE, sendo 5,12% apenas em dezembro.
A soja é também matéria-prima utilizada na produção do biodiesel. E o diesel fóssil já aumentou por dois motivos diferentes desde o início de fevereiro. Além de a Petrobras ter reajustado em R$ 0,22 o preço do litro do combustível nas refinarias, os governadores elevaram a alíquota de ICMS sobre o produto em R$ 0,06.
Aos olhos do governo, manter o cronograma do aumento da mistura do biodiesel ao diesel poderia gerar novos aumentos no preço de um combustível essencial no transporte de cargas. Mas é sintomático que isso tenha sido feito para evitar um aumento de um centavo por litro – impacto que chegaria ao consumidor final caso a mistura fosse elevada a 15%.
A decisão, por óbvio, decepcionou o setor, que investiu pesado para aumentar a capacidade de processamento do produto e ficou sabendo que tudo mudaria com apenas 15 dias de antecedência. O Programa Combustível do Futuro, cuja lei foi sancionada em outubro do ano passado, prevê R$ 260 bilhões em investimentos até 2037 e prevê que a mistura de biodiesel ao diesel seja elevada de maneira escalonada até chegar a 20% em 2030. Como acreditar na palavra do governo se nem mesmo uma lei recém-sancionada é cumprida?
Se o governo ao menos soubesse o que está fazendo, talvez a decisão pudesse ser tecnicamente justificada, mas não parece ser o caso. Os preços do óleo de cozinha e do biodiesel recuaram nos dois últimos meses, o real voltou a ganhar valor frente ao dólar e a projeção é de que a safra de soja bata recorde para este ano. Ainda segundo o setor, a produção de óleo de soja é maior que o consumo interno, ou seja, os produtos nem sequer concorrem entre si.
De uma tacada só, o governo jogou para o alto a previsibilidade e a segurança jurídica tão necessárias para atrair investimentos e mostrou que a agenda da transição energética está subordinada a questões que nada têm a ver com emissão de carbono. Pior: mais uma vez, o governo prefere atuar na ponta da cadeia, em vez de agir nas causas da inflação, com as quais contribui diretamente ao recusar-se a fazer um ajuste fiscal decente.