História de Leonardo Rodrigues – IstoÉ

As denúncias apresentadas pela PGR (Procuradoria-Geral da República) contra Jair Bolsonaro (PL) e outras 33 pessoas por supostamente planejar um golpe de Estado após as eleições de 2022 deixaram o ex-presidente e seus aliados às margens de se tornarem réus de um processo criminal no STF (Supremo Tribunal Federal), mas não abalaram a mobilização da direita radical para anistiar os presos por golpismo.

Enquanto a bancada do PL na Câmara reúne assinaturas para aprovar o projeto que pode livrar Bolsonaro das punições, o ex-presidente e lideranças próximas recorreram a uma estratégia conhecida ao convocar seus apoiadores às ruas para pressionar o Congresso. Neste texto, a IstoÉ explica a lógica por trás da estratégia.

Bloco na rua

Na segunda-feira, 24, o pastor Silas Malafaia distribuiu aos seus contatos de WhatsApp a convocação para uma manifestação no dia 16 de março, em Copacabana, bairro do Rio de Janeiro, com as bandeiras da anistia, da liberdade de expressão e “fora Lula 2026”.

No vídeo encaminhado, os deputados Eduardo Bolsonaro (PL-SP), Eduardo Gayer (PL-GO) e Nikolas Ferreira (PL-MG), o líder do PL na Câmara, Sóstenes Cavalcante (RJ), a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro (PL) e o próprio ex-presidente vocalizam as bandeiras do grupo, que espera alcançar no ato um patamar próximo ao do chamado “7 de setembro bolsonarista“, que desfila na Avenida Paulista (SP).

Responsável pelo protesto que está por vir e por anteriores do bolsonarismo (como o próprio 7 de setembro), Malafaia relembrou à IstoÉ a popularidade dos atos que organizou e projetou gente nas ruas de outras capitais em 16 de março, com o objetivo declarado de pressionar o Congresso pela anistia e contra as decisões do ministro Alexandre de Moraes, relator dos inquéritos da trama golpista.

“Se tudo isso não sensibilizar os deputados, não sei em que mundo eles estão. Houve manipulação de delação, crimes e uma perseguição política desse ditador de toga [Moraes]. Lá em Copacabana, eu vou botar para quebrar em cima desse cara [Moraes]“, prometeu o líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo — em setembro de 2024, Bolsonaro também deixou as críticas mais duras ao magistrado a cargo do pastor.

“As manifestações reafirmam a lealdade dos apoiadores e oferecem uma projeção para as narrativas do bolsonarismo, mas também revelam fragilidade. Sem articulação institucional ou novos apoios, resta ao grupo recorrer às ruas como um gesto de sobrevivência política“, disse à IstoÉ Lilian Sendretti, cientista política e pesquisadora do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento).

Bolsonaro convoca apoiadores às ruas contra STF no 7 de Setembro após oficializar candidatura

Bolsonaro convoca apoiadores às ruas contra STF no 7 de Setembro após oficializar candidatura

No ato em que oficializou sua candidatura à reeleição, em 2022, Bolsonaro convocou apoiadores às ruas no 7 de setembro

Pressão no Parlamento

Representantes do bolsonarismo alimentam uma expectativa renovada de pautar e votar um projeto de anistia desde o início de fevereiro, quando Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (PSD-MG) deram lugar a Hugo Motta (Republicanos-PB) e Davi Alcolumbre (União Brasil) nas presidências de Câmara e Senado, respectivamente.

Mesmo sem compromisso dos novos líderes do Parlamento, o grupo aposta por um lado nas mobilizações populares, e por outro na boa e velha articulação política, razão que levou Bolsonaro a se reunir com parlamentares do chamado “centrão” em Brasília e falar da anistia em um encontro com Gilberto Kassab, seu antigo desafeto e presidente nacional do PSD.

Após os movimentos, Sóstenes Cavalcante afirmou ao site do canal CNN Brasil ter reunido as confirmações de 230 dos 257 votos necessários para aprovar o projeto que perdoa os condenados pelo 8 de janeiro na Câmara. A tramitação ainda depende da anuência do presidente da Casa.

Um hábito político

O impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), em 2016, deu margem à interpretação de que o Congresso é fiel a acordos políticos, mas não opera à margem dos movimentos da sociedade civil. Foi à luz desse entendimento que, durante o mandato de Bolsonaro (entre 2019 e 2022), seu grupo político convocou protestos sempre que o Executivo se viu em embates com Judiciário ou Legislativo.

Em março de 2020, o então presidente incentivou atos contra os presidentes da Câmara e do Senado, Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre (ambos do extinto Dem), em um contexto em que o Congresso resistia a medidas econômicas da gestão e sinalizava oposição à política negacionista que o chefe do Executivo viria a defender na pandemia de covid-19. “É um movimento espontâneo, e o político que tem medo de movimento de rua não serve para ser político”, disse Bolsonaro na ocasião.

Os atos contrários aos demais Poderes se tornaram uma tradição, em especial no feriado de Independência e nas chamadas “motociatas” das quais o ex-presidente participava. O jornal Folha de S. Paulo revelou que Bolsonaro gastou ao menos R$ 4,7 milhões no cartão corporativo da Presidência para financiar os encontros.

“Além da demonstração de apoio, esse movimento servia para deslegitimar as instituições que poderiam impor limites ao ex-presidente e a seu grupo no poder“, disse a pesquisadora do Cebrap.

Ao migrar para a oposição, o político passou o primeiro ano de governo Lula sem convocar os apoiadores às ruas, mas viu o cenário mudar quando foi alvo da Operação Tempus Veritatis, a primeira deflagrada pela Polícia Federal para apurar a trama golpista, e voltou a chamar protestos — o primeiro aconteceu em 25 de fevereiro de 2024, também sob o condão de Silas Malafaia –, ainda com o Judiciário na mira.

Por que a denúncia contra Bolsonaro na PGR não freou a mobilização pela anistia

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Alexandre de Moraes: nas ruas ou no Congresso, ministro do Supremo é alvo preferencial do bolsonarismo

As mobilizações retornam, em 2025, num momento de fragilidade do governo federal, com o petista encarando seu mais baixo nível de popularidade na Presidência e uma perspectiva econômica desanimadora. Mesmo com alvos mais claros para atacar a gestão, no entanto, a oposição bolsonarista prefere se concentrar na anistia aos envolvidos do 8 de janeiro, em uma estratégia encampada — e com potencial benéfico — por seu principal líder.

O argumento judicial existe, dado que o Supremo condenou 371 pessoas que participaram da invasão a penas que chegam aos 17 anos e meio de prisão — equiparáveis à de homicídio qualificado –, manteve quatro moradores de rua por meses na prisão antes de absolvê-los e tem falhado ao individualizar as sentenças.

Há uma desproporção na quantidade de penas, notadamente nas que chegam a quase 18 anos de reclusão, considerando que, como noticiado, muitos dos condenados não tinham qualquer posição de comando”, disse ao site IstoÉ Nestor Santiago, advogado criminalista e professor da Universidade de Fortaleza e da UFC (Universidade Federal do Ceará).

A razão da escolha das bandeiras, no entanto, tem caráter estritamente político. “Uma oposição tradicional teria como foco desgastar o governo com base em problemas econômicos e administrativos, mas o bolsonarismo se estrutura como um mecanismo de confronto permanente”, afirmou Sendretti. “Ao defender a anistia, o objetivo não é apenas proteger Bolsonaro, mas manter uma base coesa e engajada por meio da narrativa de perseguição política e oposição ao sistema, que mantém o ex-presidente relevante politicamente”.

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By valeon