História de Notas & Informações – Jornal Estadão

O sistema penitenciário tem três finalidades: proteger a sociedade dos criminosos, desencorajar aspirantes ao crime e reabilitar os apenados. Mas os cárceres brasileiros fracassam miseravelmente nesses fins e promovem seu exato oposto. Transformados em usinas do crime, os presídios, que deveriam ser o símbolo máximo do poder do Estado, são o emblema gritante de sua fale^ncia.

Contribuem para a calamidade falhas cro^nicas: o de´ficit de vagas e a consequente superlotac¸a~o; a baixa oferta de trabalho ou educac¸a~o e o consequente o´cio destrutivo; a convive^ncia de delinquentes contumazes de alta periculosidade com condenados por delitos de baixo potencial ofensivo ou presos proviso´rios e o consequente recrutamento para as “academias do crime”; enfim, as condic¸o~es desumanas de detenc¸a~o e a consequente bestializac¸a~o dos detentos.

Mas um diagno´stico seletivo motivado por ideologias delirantes produz soluc¸o~es contraproducentes. A obsessa~o progressista com “estruturas de poder” e “sistemas de opressa~o” esvazia as responsabilidades individuais e reduz a criminalidade a um problema de “justic¸a social” e o criminoso, a “vi´tima do sistema”. O sonho de uma esquerda hegemo^nica nos departamentos de humanidades produz monstros como o “abolicionismo penal”, segundo o qual as priso~es e, no limite, todas as penas deveriam ser abolidas e substitui´das por programas de reeducac¸a~o e assiste^ncia social.

Dados sa~o torturados para legitimar mitos como o “encarceramento em massa” e seu consequente reme´dio: o desencarceramento em massa. Ao mantra do “Brasil prende demais” aplica-se um verniz cienti´fico com estati´sticas como “a terceira maior populac¸a~o carcera´ria do mundo”.

A fala´cia dos nu´meros absolutos e´ facilmente refuta´vel: qual e´ o grande esca^ndalo, se o Brasil tem a se´tima maior populac¸a~o do mundo e o maior nu´mero de homici´dios do mundo? Como dizer que o Pai´s prende “demais” quando, na melhor das hipo´teses, apenas pouco mais de um terc¸o desses homici´dios e´ esclarecido, e, na pior, menos de um de´cimo?

Dos 849 mil apenados, segundo a Secretaria Nacional de Poli´ticas Penais, 201 mil esta~o em liberdade, e metade na~o utiliza tornozeleira eletro^nica. Os 663 mil presos de fato colocam o Brasil na 31.ª posic¸a~o global em encarceramento per capita – na~o parece “demais” para um pai´s que, em termos per capita, oscila entre os 20 pai´ses do mundo em que ha´ mais homici´dios. De resto, so´ 359 mil esta~o em regime fechado, os demais esta~o em regime semiaberto (112 mil), aberto (4 mil) ou sa~o proviso´rios.

Ainda que os ideo´logos mais extremistas estejam confinados a`s torres de marfim da academia, o proselitismo abolicionista insufla o idea´rio de boa parte das elites do sistema de Justic¸a. A Su´mula Vinculante 56 da Suprema Corte, normatizada na reforma da Lei de Execuc¸a~o Penal, estabeleceu que os presos podem ser colocados em liberdade quando faltam vagas no sistema prisional. E´ como resolver a falta de leitos no Sistema U´nico de Sau´de (SUS) enxotando doentes das enfermarias, ou extinguir os erros me´dicos e a viole^ncia policial extinguindo os hospitais e a poli´cia.

Em artigo no site juri´dico Jota, o criminalista Fillipe Azevedo Rodrigues evidenciou como a mendacidade abolicionista alimenta um ecossistema de impunidades: o regime semiaberto, que deveria proporcionar uma transic¸a~o segura e gradual, garantindo que os apenados trabalhem e contribuam para a sociedade, se transformou num instrumento de desencarceramento e neglige^ncia estatal a` pena de prisa~o.

O problema na~o e´ o excesso de encarceramento, e´ a falta de ca´rceres. O Pai´s precisa construir mais e melhores presi´dios e colo^nias penais que garantam um regime de progressa~o de pena realmente justo e reabilitante, atendendo a`s finalidades retributivas, preventivas e educativas do Direito Penal. A mistura explosiva de viole^ncia, corrupc¸a~o e impunidade alimenta a descrenc¸a da populac¸a~o no Estado de Direito e a revolta com suas autoridades. A cada delito de um criminoso que deveria estar detido, a chaga se aprofunda. A soluc¸a~o na~o e´ prender muito, como quer uma direita truculenta, nem prender pouco, como quer uma esquerda leviana. A soluc¸a~o e´ prender bem.

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By valeon