Já temos dia D e hora H; precisamos de adesão maciça à vacinação contra a covid-19
Iremos fazer história. Espero sinceramente uma adesão maciça da população.
Finalmente acabaram a dúvida e o impasse sobre as vacinas para covid-19 no Brasil. O dia 17 de janeiro (dia D) já é um marco para nós. Às 15h30 (hora H), a primeira pessoa foi vacinada aos olhos de toda a imprensa e com direito a transmissão ao vivo pela internet. Uma senhora com idade mediana (54 anos), guerreira, na linha de frente em UTI, trabalhando em um dos principais hospitais do Brasil no enfrentamento da covid. É o Instituto de Infectologia Emilio Ribas, de tantas histórias e combate a epidemias, que jamais se recusou a enfrentar dificuldades. Desde já meus parabéns ao seu corpo clínico dedicado e atuante em todos momentos.
A enfermeira Mônica Calazans recebe a primeira dose de Coronavac no Brasil, no Hospital das Clínicas de SP Foto: NELSON ALMEIDA / AFP
Antes que alguém possa dizer que foi marketing a vacinação ao vivo desta enfermeira, digo que não. Em todos os países os primeiros a se vacinar foram destaque na imprensa a título de conclamar a população para a vacinação – e assim deve ser.
O dia começou com transmissão da audiência pública da Anvisa sobre o uso emergencial das vacinas do Butantã (vírus vivo inativado) e da Fiocruz (vetor viral). Todas as dúvidas foram dirimidas após longa exposição técnica e as explicações dos relatores com bastante propriedade. Votação unânime. Com direito a panelaço e muita comemoração. Me emocionei naquele momento. Começava a ver uma luz no final do túnel. Passou em minha mente tudo desde fevereiro/março de 2020. As dificuldades impostas pela política, as agressões por defender a ciência, a perda de colegas médicos na batalha e o medo, sempre na minha cabeça, de algo pior que pudesse ocorrer a mim ou à minha família.
Como ressalva o Butantã assinou termo de compromisso, no mesmo dia, para informar até 28 de fevereiro os dados de resposta imunogênica. Contra os negacionistas e antivacinas, uma leitura perfeita da Anvisa, que seguiu seu rito independente de pressões externas. Parabenizo seus técnicos, pela decisão sem viés político e com apenas a ciência envolvida na decisão. E ainda na apresentação reforçaram a não existência de tratamento precoce, fato já amplamente comentado em outras colunas por mim e difundido por todas as sociedades médicas nacionais e internacionais.
As dúvidas foram todas explicadas e foi comunicado logo no início da apresentação que a Anvisa era a única a deter os dados brutos do estudo da vacina do Butantã. Muito se questionou esta instituição pública, centenária, sobre não passar os dados corretos ou na sua totalidade. A eficácia global da Coronavac foi aclarada e o relator da Anvisa colocou bem a questão: que não havia efeito prático ser menor ou maior que 50%, apesar de toda estatística sempre ter apontado para 50,39%. Um ponto colocado foi o intervalo de tempo para a segunda dose. Atentem que para o Butantã é um espaço entre 21 e 28 dias. Na Fiocruz, 12 semanas.
A justificativa da aprovação me pareceu correta: uso emergencial de ambas as vacinas devido ao cenário da pandemia, aumento do total de casos e óbitos entre nós. Iremos fazer história.
Agora começa uma nova etapa: administrar as vacinas. O governo paulista lançou campanha com site para que a população já possa se cadastrar. Foi exposto que, das quase 6 milhões de doses, São Paulo terá disponível algo como 1,3 milhões de doses. Mas como o Butantã estará produzindo 1 milhão de doses/dia, creio que poderemos atender à demanda. E ainda temos um lote de 2 milhões de vacinas da Oxford (Fiocruz) na Índia, aguardando o embarque.
Espero sinceramente uma adesão maciça da população, para que possamos retornar ao nosso normal de convívio social. Somos latinos e gostamos de viver próximos. Já temos vacinas e, quantas mais puderem serem agregadas na prateleira, mais rapidamente venceremos a covid-19.
* COORDENADOR CIENTÍFICO DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE INFECTOLOGIA E MÉDICO DO INSTITUTO DE INFECTOLOGIA EMILIO RIBAS