Morbidade e mortalidade: um panorama
Estatísticas da OMS revelam tendências que exigirão adaptações das políticas de saúde.
Notas & Informações, O Estado de S.Paulo
No ano de 2020 a rotina social, econômica e política de todas as nações foi tomada de assalto por um vírus. A formidável contraofensiva da ciência, produzindo antídotos em tempo recorde, faz com que 2021 se abra com a esperança de que o pesadelo, por mais interminável que pareça, terá fim. Passada essa crise extraordinária, restará aos governos a missão de sanar os traumas e debilidades legados por ela e se preparar para enfrentar futuros micro-organismos letais, enquanto os sistemas de saúde retornarão ao velho normal, entregando-se à sua rotina de batalhas contra a mortalidade e a morbidade causadas por acidentes e doenças ordinárias.
Mas mesmo esta rotina não é estática. As causas de doenças e mortes variam conforme as transformações demográficas, econômicas e comportamentais das sociedades humanas. Estatísticas das últimas duas décadas publicadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) revelam grandes tendências globais de morbidade e mortalidade que exigirão reavaliações e adaptações das políticas de saúde.
Em 2000, as doenças não comunicáveis – como as cardiovasculares, câncer, diabetes e doenças respiratórias crônicas – respondiam por 4 das 10 principais causas de morte. Hoje este contingente subiu para 7. Doenças de coração permanecem a principal causa de morte (16% do total), mas estão matando mais do que nunca: em 20 anos o número de mortes cresceu de 2 milhões para quase 9 milhões.
As mortes por doenças comunicáveis, por sua vez, sofreram um declínio global de quase meio milhão de mortes – embora ainda sejam um grande desafio para os países de renda média e baixa, onde doenças como malária, tuberculose ou HIV/aids respondem por 6 das 10 principais causas de morte. As mais letais são a pneumonia e outras infecções respiratórias.
Um caso de triunfo da ciência na prevenção, testagem e tratamento, particularmente exemplar em tempos de pandemia de covid-19, é a redução expressiva de mortes causadas por aids, que desde 2000 caiu da 8.ª causa global para a 19.ª. Na África, a aids ainda é a 4.ª principal causa, mas as mortes caíram mais da metade, de mais de 1 milhão para 435 mil. Apesar dos avanços, a OMS alerta para uma desaceleração generalizada do progresso contra doenças infecciosas.
Uma tendência irreversível, dado o crescente envelhecimento da população global, é o aumento das mortes causadas por Alzheimer e outras formas de demência, que passaram a figurar entre as 10 principais causas. Na Europa e nas Américas já são a 3.ª causa mais comum. As mulheres são afetadas desproporcionalmente, respondendo por 65% dos casos. As mortes por diabetes cresceram globalmente 70% – e 80% incidem sobre os homens.
Hoje as pessoas vivem em média 73 anos, quase 7 a mais do que em 2000, mas com mais incapacidades. Com efeito, as incapacidades causadas por doenças cardíacas, diabetes, derrames, câncer do pulmão e outras doenças obstrutivas pulmonares estão em alta, sendo responsáveis por uma perda adicional em anos saudáveis de 100 milhões, em relação a 2000.
Acidentes, sobretudo rodoviários, são outra grande causa de incapacidade e morte – 75% entre os homens. Nas Américas, as drogas (legais e ilegais) emergiram como um contribuinte significativo tanto para a incapacidade como para a morte. As taxas triplicaram e a região é a única na qual as drogas estão entre as 10 principais causas na perda de anos saudáveis, por causa de mortes prematuras e incapacidades, enquanto em todas as outras regiões elas não estão sequer entre as 25 principais causas.
De um modo geral, “estas novas estimativas são outro lembrete de que precisamos rapidamente incrementar a prevenção, diagnóstico e tratamento de doenças não comunicáveis”, concluiu Tedros Adhanom, diretor-geral da OMS. “Elas sublinham a urgência de melhorar drasticamente, de maneira equitativa e holística, os cuidados primários de saúde. Uma saúde primária forte é claramente o fundamento sobre o qual tudo o mais se sustenta, desde o combate a doenças não comunicáveis ao controle de uma pandemia global.”