Acabou a desculpa
Como Bolsonaro se queixava da falta de colaboração do Congresso, é lícito supor que agora terá força política para tocar sua agenda.
Notas & Informações, O Estado de S.Paulo
Os candidatos apoiados pelo presidente Jair Bolsonaro venceram as eleições para o comando da Câmara e do Senado. Como Bolsonaro e seu ministro da Economia, Paulo Guedes, passaram toda a primeira metade do mandato presidencial a se queixar da falta de colaboração do Congresso para destravar a votação dos projetos de interesse do País, é lícito supor que agora, com uma direção parlamentar supostamente mais alinhada ao Palácio do Planalto, o governo terá força política para tocar sua agenda adiante.
Ou seja, acabou a desculpa usada frequentemente por Bolsonaro para a impressionante inoperância de seu governo.
Mas é duplamente ingênua a expectativa de que o desfecho da eleição do Congresso dará ao governo melhor condição de governabilidade e permitirá que Bolsonaro, enfim, comece a trabalhar.
Em primeiro lugar, qualquer observador minimamente bem informado sabe que Bolsonaro não trabalhou até agora simplesmente porque é ergofóbico, e não porque não o deixaram trabalhar. Não tem nenhum projeto racional e estruturado de governo, e seu único interesse é se manter no poder e proteger os filhos. Foi um mau militar, na insuspeita avaliação do general Ernesto Geisel, e foi igualmente um mau parlamentar, sem qualquer contribuição para o País; não surpreende que seja um mau presidente.
Assim, mesmo que os novos presidentes da Câmara e do Senado revelem-se governistas leais, o que está longe de ser garantido, nada sugere que Bolsonaro daqui em diante faça mais do que bater ponto e sabotar as raras iniciativas reformistas de seus ministros e de sua base parlamentar.
Em segundo lugar, mas não menos importante, o novo presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (Progressistas-AL), é genuíno representante do Centrão – bloco cujos integrantes não saem de casa se não receberem algum estímulo fisiológico. Bolsonaro, que já vinha entregando seu governo ao Centrão, despejou bilhões de reais na campanha de Arthur Lira, na forma de liberação de verbas para deputados em troca de votos.
Mais uma vez, contudo, as aparências enganam. Os impressionantes 302 votos obtidos por Arthur Lira não significam nem que o Centrão tenha tantos deputados nem que todos esses parlamentares tenham se tornado subitamente governistas. Hoje, o Centrão mal tem votos suficientes para aprovar leis ordinárias – quando muito, pode impedir que um eventual processo de impeachment prospere, o que, na prática, é o único interesse do presidente da República.
Seja como for, a vitória dos candidatos apoiados por Bolsonaro no Congresso é um desfecho preocupante, pois um Legislativo amalgamado a um Executivo cujo chefe tem orgulhosa vocação autoritária é obviamente uma ameaça à democracia – a comparação com o assalto ao poder pelo chavismo na Venezuela não é despropositada.
O jogo é bruto, e vai requerer da oposição união e objetivos claros, algo ainda muito distante da realidade. Ao contrário, DEM e PSDB, que pareciam ter pretensões de liderar o movimento de centro contra Bolsonaro, deram vexame na eleição do Congresso, demonstrando imensa fragilidade e confusão de propósitos. Não é possível se apresentar como oposição e, ao mesmo tempo, permitir que seus correligionários se engalfinhem por cargos e verbas oferecidos pelo presidente.
O desanimador resultado da disputa no Congresso pode dar a entender que estamos fadados ao Centrão e ao bolsonarismo, isto é, à escória da democracia. A grandiosa promessa de renovação da política desembocou nisso – a eleição de um deputado condenado por improbidade, apoiado por um presidente que jogou no lixo suas promessas de acabar com a relação fisiológica, tudo ante a impotência de uma oposição covarde. E Bolsonaro, em vez de ser chamado à responsabilidade por suas inúmeras afrontas à lei e aos brasileiros, ganha poder.
Mas, em política, não existem resultados definitivos. As circunstâncias extraordinariamente duras que o País enfrenta demandam um governo sério e um Congresso consciente de seus deveres. Mais cedo ou mais tarde, o País se dará conta de que não temos nem uma coisa nem outra.