O extraordinário e o ordinário

A volta do auxílio emergencial é uma questão humanitária. É espantoso que ainda não haja definição do governo e do Congresso

Notas & Informações, O Estado de S.Paulo

A volta do auxílio emergencial é uma questão humanitária. Há numerosas famílias que estão sob o risco de passar fome, com o fim do auxílio que lhes foi pago pelo governo federal até dezembro passado para socorrê-las depois que perderam renda em razão da pandemia de covid-19.

Assim, não cabe mais discutir se é preciso ou não restabelecer a ajuda, e é espantoso que ainda não haja uma definição do governo e do Congresso sobre o assunto, deixando milhões de brasileiros em situação crítica.

É preciso deixar claro que essas circunstâncias eram perfeitamente previsíveis. A ninguém, em especial os que estão em posições de comando no País, é dado o direito de se dizer surpreendido pelo fato de que a pandemia, ao contrário de arrefecer, recrudesceu. Quem deixou de pensar na possibilidade, desde sempre muito concreta, de que o auxílio emergencial continuaria sendo necessário, apostando numa recuperação econômica que desde sempre era incerta e dependente de inúmeros fatores, cometeu grave erro – pelo qual o País pagará caro, de diversas maneiras.

O custo mais óbvio, como vimos, é social. Derivado deste, a depender do modo como a crise seja administrada, há o custo em desenvolvimento econômico: se o País se endividar ainda mais para bancar o auxílio emergencial e para atender a demandas do setor produtivo igualmente atingido pela crise, a pesadíssima conta – na forma de inflação, estagnação econômica e desemprego – será repassada para as gerações que vierem depois da pandemia, afetando particularmente os pobres, como sempre.

Assim, o certo seria obter os recursos necessários para retomar o auxílio por meio de cortes em outras despesas, mas já se sabe que isso não será feito, conforme declararam as lideranças do Congresso. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, por exemplo, já avisou que “não podemos condicionar” a reedição do auxílio emergencial a medidas de ajuste fiscal, como quer o Ministério da Economia, alegando que há “emergência” e “urgência”.

Essa resistência de alguma maneira reflete a dificuldade de muitos setores da sociedade de compreender o que significa uma crise humanitária – que só pode ser superada por meio do sacrifício coletivo, isto é, da renúncia temporária a benefícios em nome da salvação de milhões de pessoas. Sempre que se fala em cortes de privilégios para mitigar a situação periclitante dos mais pobres, no entanto, a reação negativa das corporações e das elites é imediata.

Para piorar, o retorno do auxílio emergencial começa a ser encarado como uma forma de estimular a economia, que mostra preocupantes sinais de anemia. Os números não deixam dúvida: segundo o IBGE, o volume de vendas do varejo caiu 6,1% em dezembro ante novembro, e o setor de serviços registrou recuo de 7,8% no acumulado de 2020 – com especial ênfase nos serviços prestados às famílias, que tiveram queda de 35,6%. Considerando-se que o auxílio emergencial reduziu a pobreza a níveis inéditos, fomentou o consumo e evitou uma queda maior do PIB, é natural que seja visto como solução para a paradeira econômica.

O fundamento do auxílio emergencial, contudo, não pode ser esse. Primeiro, com o perdão da obviedade, por que o auxílio é emergencial – isto é, só pode valer enquanto durar a emergência, e o crescimento da economia não pode ser sustentado por algo intrinsecamente temporário; segundo, porque usa uma situação extraordinária – a pandemia – com um objetivo ordinário – estimular a economia. As decisões originadas de um debate orçamentário contaminado por esse tipo de confusão certamente serão desastrosas para o País.

Mas a situação é tão surreal que nem Orçamento ainda há. A Comissão Mista de Orçamento de 2021 foi finalmente instalada na quarta-feira, dia 11, com quase um ano de atraso, e corre contra o tempo para evitar um apagão da máquina pública em plena pandemia.

Por incompetência do governo e indiferença do Congresso, perdeu-se tempo demais com miudezas, enquanto a elaboração de um Orçamento compatível com o momento delicado do País foi sendo procrastinada. Tudo agora ganha ares de urgência, e é nesse clima que florescem as soluções fáceis – e erradas.

Loading

By valeon

2 thoughts on “O extraordinário e o ordinário”
  1. Usually I do not read post on blogs, but I wish
    to say that this write-up very compelled me to take a look at and do it!
    Your writing taste has been amazed me. Thank you, quite great
    article.

  2. Every day there are articles of entrepreneurship and continue to honor us. CEO Valeon.

Comments are closed.