Terra em transe
Volumosas são as evidências comprobatórias da corrupção da democracia por meio de conluios entre empresários, agentes públicos e políticos
Paulo Paiva – Jornal O Tempo
O clima político estava tenso no ano de 1968. Em março o secundarista Edson Luís, foi morto em choque de estudantes com tropas militares; em julho, houve a passeata dos 100 mil no Rio de Janeiro; no início de setembro, o deputado Márcio Moreira Alves, da tribuna da Câmara dos Deputados, conclamou as mulheres brasileiras para boicotar as comemorações do Dia da Independência e para não namorar oficiais militares; no dia 12 de dezembro, o plenário da Câmara rejeitou o pedido de licença para seu julgamento; e, no dia seguinte, foi decretado o AI-5, trancando definitivamente as portas da democracia. Um simples discurso parlamentar precipitou uma radicalização já iminente.
Os tempos agora são diferentes. Volumosas são as evidências comprobatórias da corrupção da democracia por meio de conluios entre empresários, agentes públicos e políticos. Esses delitos tornaram os resultados das eleições viciados, não por irregularidades no sistema eletrônico de votação, mas por práticas anticompetitivas, e corroeram a confiança da população em seus representantes políticos.
A operação Lava Jato, que galvanizou opiniões e sentimentos por suas ações competentes tecnicamente, cinematográficas, muitas vezes, e juridicamente discutíveis, em muitos casos, desvaneceu-se depois da adesão do juiz Sergio Moro ao projeto de Bolsonaro e do acesso público às conversas entre os procuradores e o juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba.
A coluna de Mônica Bergamo, no jornal “Folha de S.Paulo”, divulgou mensagens hackeadas da operação Spoofing, dando conta de que o procurador Deltan Dellagnol queria “colocar o STF contra a parede”. Citados como alvos dos procuradores aparecem os ministros Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes.
Em livro recém-lançado, o ex-comandante general Eduardo Vilas Boas revelou que, antes de um habeas corpus do ex-presidente Lula, afirmou em rede social que o Exército tinha “repúdio à impunidade”, o que foi interpretado como pressão ameaçadora sobre o STF.
A vitória de Bolsonaro, 50 anos após a decretação do AI-5, fez renascer a fúria antidemocrática, aguçar o ódio e aprofundar a polarização no país. Muitas são as manifestações a ameaçar as instituições democráticas.
Logo após a divulgação da opinião do general Vilas Lobo, na terça-feira de Carnaval, o deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) atentou contra a Constituição, o STF e seus ministros, com violentas agressões verbais, resultando em sua prisão preventiva, determinada pelo ministro Moraes e confirmada por unanimidade pelo pleno do STF.
Desta vez, um fato menor (post de um inexpressivo deputado), mas com conteúdo muito explosivo, pode vir a ser a faísca para aprofundar a crise político-institucional. Com a palavra a Câmara de Deputados. Nesta terra em transe, fraqueza e dubiedade abalarão os alicerces das instituições democráticas. A ocasião requer equilíbrio e firmeza.