Governo pretende impulsionar startups com normas específicas

Marco legal já foi aprovado na Câmara e deve ser votado no Senado na próxima terça-feira. Dúvidas em pontos do texto deixam especialistas receosos

Por MARCELO DA FONSECA – JORNAL O TEMPO

Com o objetivo de estimular um setor promissor da economia, que já movimenta bilhões anualmente, o governo federal e o Congresso querem aprovar ainda neste semestre a proposta que cria uma legislação para startups.

O Projeto de Lei Complementar 146/2019, chamado Marco Legal das Startups, está na pauta do Senado para a próxima terça-feira. O texto está entre as 35 propostas que foram consideradas prioritárias pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) para 2021. Apesar de reconhecerem avanços no projeto, especialistas da área ressaltam que as medidas podem ficar aquém do que era esperado quando o texto foi proposto.

O projeto, de autoria do deputado João Henrique Holanda Caldas (PSB-AL) com apoio de outros 18 parlamentares, foi aprovado na Câmara em dezembro do ano passado, com 361 votos a favor e 66 contrários. De acordo com o texto, passam a ser consideradas startups as empresas (mesmo com apenas um sócio) e sociedades cooperativas que atuam na inovação aplicada a produtos, serviços ou modelos de negócios. Eles devem ter receita bruta de até R$ 16 milhões ao ano e até dez anos de inscrição no CNPJ.

De acordo com a proposta, são enquadradas como startups as empresas, mesmo com apenas um sócio, e sociedades cooperativas que atuam na inovação aplicada a produtos, serviços ou modelos de negócios. Para estimular os investimentos nessas empresas emergentes, elas passam a admitir aporte de capital por investidores que resultarão ou não em participação no capital social, dependendo da modalidade escolhida pelos envolvidos. Ou seja, ela abre caminho para que investidores apoiem as startups.

De acordo com o deputado Vinicius Poit (Novo-SP), que relatou o texto na Câmara, as novas regras poderão estimular o setor e a geração de empregos no país.

“Vai mudar a realidade do Brasil. A realidade de quem está lá fora esperando uma oportunidade de emprego aqui, uma oportunidade de renda. O texto vai, inclusive com o stock options (alternativa em que a empresa oferece ao funcionário a possibilidade de comprar ações), cujos pontos estávamos esclarecendo, ter essa remuneração, de acordo com as leis e os acordos com a empresa. Isso vai garantir a possibilidade de uma complementação, a possibilidade de ser sócio da empresa. Não só o empreendedor, dono da empresa, vai ganhar. Mas o trabalhador, o empregado”, avalia o parlamentar.

Este, no entanto, é um dos pontos mais críticos da proposta e que pode gerar divergências no Senado. Em audiência pública realizada na semana passada, surgiram dúvidas sobre o tratamento dado ao plano de opção de compra de ações, que permite que o empregado invista na empresa e assuma os riscos e tenha possibilidade de ganhos com o crescimento da empresa.

Especialistas do setor apontam que a venda da participação societária é a principal ferramenta dessas jovens empresas para atrair funcionários qualificados, mas há questões se esses planos são de natureza comercial ou remuneratória, o que envolve questões de tributação e gera insegurança jurídica.

Caso aconteçam mudanças no texto que será votado no Senado, o projeto voltará para a Câmara e pode demorar a sair do papel, como alertou o senador Carlos Portinho (PL-RJ), relator na Casa. “Se comprar essa briga, ela será longa. Vai derrubar o projeto da Câmara, e teremos uma briga enorme. Podemos perder uma janela de oportunidade”, avaliou Carlos Portinho.

Durante a audiência pública, ele afirmou que a expectativa é manter o cronograma previsto para a votação no dia 24 de fevereiro, mas não descartou que o texto pode sofrer mudanças. “Estamos trabalhando avançado no relatório para seguirmos o previsto, mas posso dizer que é um livro aberto”, afirmou o parlamentar.

“O texto ficou bem aquém do esperado”

Para o especialista em direito empresarial e societário Marcelo Godke, o Congresso já recebeu diversas sugestões sobre as startups, mas muitas delas não foram avaliadas e discutidas para entrar no texto final.

“O projeto complementar tem pontos positivos, e é importante que o Parlamento busque fazer algo. Temos um país com graves problemas de insegurança jurídica, que afeta o setor. Mas o texto ficou bem aquém do esperado, com mais problemas do que soluções. Ele foi preparado por pessoas que não estão envolvidas no ambiente da inovação”, critica Godke.

Ele aponta como defeito a restrição das novas regras às empresas voltadas para inovação tecnológica, excluindo milhares de empresas nascentes que tratam de outros setores e que também poderiam ser consideradas startups, se o texto fosse mais amplo.

Godke critica também a inclusão de benefícios tributários como forma de incentivo. “É um setor que não deveria ser fomentado por meio desses benefícios. Nosso sistema já é uma colcha de retalhos. Se a startup não pode pagar os impostos, será que ela deveria existir?”, questiona o especialista.

O marco prevê que, quando as empresas aplicarem em fundos de investimentos, elas poderão descontar o valor da base de cálculo do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Esse incentivo fiscal está previsto em regime especial de tributação para a exportação de serviços de tecnologia da informação.

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