Que mundo é este?

VITTORIO MEDIOLI

A ciência legítima, contudo, não nos iludamos, não evita a enganação, quanto menos a ganância, e em nome dela, como muitas vezes nas religiões, cometem-se os maiores horrores

Nós estamos nos deparando com a ditadura da ciência. De certa forma, é o que nos cabe adotar, porque a ciência é mensurável, tridimensional, terrena, num mundo em que o charlatanismo, a irresponsabilidade são meios de enganação e ganância. 

A ciência legítima, contudo, não nos iludamos, não evita a enganação, quanto menos a ganância, e em nome dela, como muitas vezes nas religiões, cometem-se os maiores horrores. 

Ciência não é moralidade, representa apenas resultado prático. Com ciência pode-se preparar um artefato nuclear que explode com milhões de pessoas, como pode-se gerar uma vacina que previne milhões de óbitos. 

Em nome e com o carimbo da ciência já foram arrombados cofres públicos, pauperizados povos inteiros, levados ao genocídio, à fome desnecessária e ao atraso. 

Pode dizer o incrédulo: “Mas como?”. Basta ver aqui, debaixo de nossos olhares, como um laboratório que inventa um medicamento e o vende por 50 vezes de quanto chega a custar o seu genérico. Enquanto o genérico não é liberado, milhões de pessoas ficam penalizadas pela sua falta, por não ter condições de adquiri-lo. Isso é, com raras exceções, o resultado da moral imperante no planeta, perdendo-se vidas, o que poderia ser evitado. Nos últimos 50 anos, uma atitude corajosa, que remunere justamente o inventor, até com centenas de milhões de dólares, já que se desperdiçam bilhões em armamentos, poderia libertar do sofrimento e da perda imoral de existências. 

Num estado de guerra se admite tudo: matar, destruir, devastar cidades com mulheres e crianças inocentes. Já numa pandemia que paralisa o mundo, empobrece multidões, destrói milhões de vidas, não se consegue tomar uma atitude em relação a patentes que a “ciência” inventou. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, subscrita pelos participantes da ONU, determina em seu primeiro artigo: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade”. 

Nestes dias a fraternidade andou esquecida. Dezenas de vacinas estão aparecendo no mercado, mas de nenhuma fórmula o esforço da ONU está conseguindo uma liberação incondicional. Pelo contrário, assiste-se, enquanto o atraso se prolonga, aos abutres, aproveitando-se do pânico, para vender vacinas por valores extorsivos. 

Refugio-me na sapiência de certos “humanos” que nos antecederam e continuam sendo exceções, para, nesse mar de inúteis disputas pela supremacia política, partidária e individual, pela ganância e avidez, chamar atenção ao atraso moral e civilizatório em que vivemos. Será vista a nossa, ainda, como uma época de primitivos e imorais.   

A procura do enriquecimento, neste momento, não pode ser motivo de um extermínio evitável. O conceito contemporâneo de riqueza, sem disposição para minorar os problemas da humanidade, não é reprovado, embora moralmente injustificável, frente às consequências de uma pandemia avassaladora. 

Nas escolas não se ensina que minorar o sofrimento é a fonte mais direta da felicidade, tanto de quem com ela acaba quanto de quem é livrado. 

Roubo ao sábio filósofo algumas palavras: “Para entender que nascemos com a suprema condição de escolher ser o que almejamos, é necessário refletir com zelo; que essa honraria não seja empregada com o desperdício de nos transformarmos em ímpios, insensatos e estúpidos”. Como predisse o profeta Asaph: “Sois deuses e filhos do Altíssimo; que não se abuse (portanto) da inteligentíssima liberalidade do Criador, transformando o benefício dado (ao ser humano) em uma mazela. Não satisfaçamos a mediocridade. Nos anelemos à Sumidade, tal que a alma seja morada do sagrado”. 

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By valeon