Racha no Novo vai além de conflitos por impeachment e oposição a Bolsonaro
Em guerra com o fundador João Amoêdo, lideranças e mandatários do partido apontam problemas de governança como origem da discórdia
José Fucs, O Estado de S.Paulo
O dia 12 de fevereiro de 2021 tinha tudo para ser comemorado com pompa pelo partido Novo. Fundado pelo financista João Amoêdo e por mais 180 apoiadores sem experiência política, para lutar pelo liberalismo econômico e pela moralização da vida pública, o Novo completava 10 anos de vida.https://068519710fb887343e1ceb49c4d44e66.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-37/html/container.html
Mesmo com um desempenho que deixou a desejar no pleito municipal de 2020, no qual elegeu apenas 29 vereadores e um prefeito (Joinville-SC) em todo o País, e com uma queda de 15% no número de filiados no ano passado, de 48.429 para 41.218, não faltavam motivos para celebrar a data.
Único partido a não usar recursos dos pagadores de impostos para sobreviver e financiar as suas campanhas, o Novo tem, hoje, além dos representantes municipais, o governador de Minas Gerais, 8 deputados federais, 12 deputados estaduais e um deputado distrital.
Em 2018, nas eleições para a Presidência, as primeiras que o Novo disputou, Amoêdo ficou em quinto lugar, com quase 2,7 milhões de votos, o equivalente a 2,5% do total, à frente de nomes tarimbados, como o ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles (MDB), a ex-senadora Marina Silva (Rede), o senador Álvaro Dias (Podemos) e o ativista Guilherme Boulos (PSOL).
Mas, exceto por um comunicado oficial no site do partido e algumas manifestações acanhadas nas redes sociais, o aniversário que marcava a primeira década de atividade do partido passou praticamente em branco – e não só por causa das restrições impostas pela pandemia. O Novo vive uma guerra fratricida e a sua maior crise desde a fundação, em 2011. “O partido passa por um momento delicado, muito delicado”, diz um dos principais doadores do Novo, que prefere se manter na sombra.
Polarização
De um lado, está Amoêdo, que ficou sem função na direção partidária depois de ter renunciado à presidência, em março de 2020, para, segundo ele, “ter mais disponibilidade de tempo”, “mostrar que o Novo não depende só de uma pessoa” e “ter um pouco mais de liberdade” para expor as suas posições, sem que elas tenham uma conotação institucional. Do outro, estão os políticos do partido, aí incluídos o governador de Minas, Romeu Zema, a bancada federal e a maior parte de seus deputados estaduais e vereadores.
Nas últimas semanas, o conflito entre os dois grupos se acirrou, levando a uma polarização tóxica de lideranças, filiados e simpatizantes da legenda. As divergências chegaram a tal ponto que, de acordo com informações obtidas pelo Estadão, Amoêdo praticamente não fala com Zema, principal mandatário do partido, nem com os deputados federais da legenda, a não ser por uma ou outra mensagem protocolar via WhatsApp.
‘Milagre’
Amoêdo defende de forma fervorosa que o Novo apresente um pedido de impeachment de Bolsonaro e estimulou a adoção de uma postura de oposição em relação ao governo, aprovada pelo Diretório Nacional, o órgão máximo do partido, em 6 de março, depois de muita controvérsia. Zema e a maioria dos mandatários se colocam contra as duas propostas e queriam que o partido mantivesse a postura de independência adotada desde a posse do presidente, em 2019, com apoio do próprio Amoêdo, mas foram derrotados nesta questão.
A decisão do Diretório Nacional representou uma espécie de compensação para Amoêdo, que havia amargado um revés no fim de janeiro, com a decisão do partido de não patrocinar por ora um pedido de impeachment de Bolsonaro. Inflamado por Amoêdo, o Diretório Nacional do Novo tentou impor a posição defendida por ele à bancada do partido na Câmara, mas a proposta foi rechaçada por seis de seus oito deputados federais, que ameaçaram se desligar da sigla se ela fosse levada adiante. Zema também se colocou contra a medida.
Para evitar um racha definitivo, de consequências imprevisíveis para o futuro do partido, o órgão teve de recuar. “O partido não acabou por milagre”, afirma Christian Lohbauer, que foi candidato a vice-presidente na chapa de Amoêdo, integrante do Diretório Nacional e um dos signatários da ata de fundação do Novo, em 2011.
‘Clones do Amoêdo’
Até o atual presidente da legenda, Eduardo Ribeiro, que era considerado um amoedista, como são chamados os seguidores de Amoêdo, e vem adotando uma postura mais independente nos últimos tempos, posicionou-se contra o fundador em relação ao impeachment, para evitar a ruptura, apesar de ter apoiado a decisão do partido de se colocar como oposição ao governo. “O impeachment é um processo muito longo e o Bolsonaro conseguiu comprar um certo tempo ao se aliar com o Centrão”, diz. “Acredito que vale mais a pena a gente colocar todas as nossas energias na construção de uma alternativa ao bolsonarismo e ao petismo para 2022.”
Amoêdo, porém, parece disposto a “esticar a corda”, para forçar o expurgo dos “infiéis”, incluindo algumas de suas principais estrelas, como demonstrou ao estimular a aprovação da postura de oposição do Novo no começo do mês, e poderá voltar à carga para que o partido se coloque a favor do impeachment. “Acredito que deveria ser um caminho natural para o partido dizer se houve crime de responsabilidade do presidente e se deve haver pedido de impeachment”, afirma. “Se isso for feito, pode até haver uma cisão, mas o partido sairá fortalecido, pela coerência.”
Guerra de narrativas
Com os ânimos à flor da pele, o conflito ultrapassou os muros partidários e ganhou as redes sociais. Em meados de fevereiro, Amoêdo usou o seu perfil no Twitter para criticar a posição da bancada do Novo contra a prisão do deputado bolsonarista Daniel Silveira (PSL-RJ), que ameaçou ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e defendeu o AI-5.
Ao menos dois deputados, Alexis Fonteyne (Novo-SP) e Marcel Van Hattem (Novo-RS), reagiram à espetada, fazendo duros comentários em seu post. “Acredito que nem os clones do João Amoêdo iriam se entender com ele. Cada um iria querer ser mais protagonista que o outro”, diz Fonteyne. “Seria muito injusto, depois de eu ter trabalhado dez anos para a formação do partido, ter colocado tempo, recursos, não poder dizer que sou contra uma votação da bancada”, afirma Amoêdo.
Em meio à guerra de narrativas, os amoedistas passaram a classificar como “bolsonaristas” os mandatários do partido e a ala que os apoia – um rótulo rejeitado de forma veemente pelos atingidos. “Nenhum de nós quis que o Bolsonaro fosse presidente, tanto que lançamos candidato próprio em 2018, e nunca fomos base do governo na Câmara”, diz o deputado federal Tiago Mitraud (Novo-MG), que preferiu anular o voto no segundo turno da eleição.
“Nenhum dos nossos mandatários estará pedindo votos para Bolsonaro quando ele for candidato à reeleição”, afirma o secretário-geral do governo de Minas, Mateus Simões, homem de confiança de Zema. “É possível discordar sem ficar tachando os outros de bolsonaristas, para tentar desqualificar as suas posições e os seus argumentos.”
‘Partido do João’
Como se tudo isso não bastasse, as divergências no Novo, segundo lideranças e filiados, se estendem à organização e ao funcionamento do partido. “As brigas políticas são o reflexo de um problema de governança”, afirma Mateus Bandeira, ex-candidato a governador do Rio Grande do Sul pelo Novo e ex-presidente da Falconi, uma das principais consultorias em gestão do País. Ele se desfiliou da legenda após as eleições e está escrevendo um livro sobre a campanha, no qual dedica alguns capítulos ao partido e a Amoêdo.
Apesar de seu afastamento da direção, muitas lideranças e filiados da legenda dizem que o Novo “tem dono” e continua a ser “o partido do João”. Mesmo que seja praticamente unânime a percepção pelo grupo de que o fundador da legenda ainda tenha uma contribuição importante a dar, a visão é de que ele precisa trabalhar mais em equipe e não deve ter a palavra final nas decisões, impondo as suas ideias aos correligionários. “Está todo mundo cansado desse comportamento, O partido não pode se resumir à opinião do João Amoêdo”, diz Alexis Fonteyne.
No Diretório Nacional, ao menos dois dos cinco dirigentes são ligados a Amoêdo, de acordo com integrantes do partido, e um flutua para um lado e para o outro, ao sabor dos acontecimentos. Isso acaba inviabilizando a tomada de qualquer decisão que não tenha a bênção de Amoêdo, já que são necessários no mínimo 66,6% dos votos para aprovação de qualquer medida.
Fontes da legenda afirmam que um dos integrantes do Diretório Nacional é amigo de infância de Amoêdo e outros dois trabalhavam em empresas nas quais ele mantinha investimentos pessoais, criando um conflito de interesses que compromete a independência do órgão, embora ele negue os antecedentes das relações com os três. “A informação não é verdadeira”, diz.
Aplausos dos amoedistas
Amoêdo mantém também o controle da Comissão de Ética, cujos integrantes foram indicados por ele quando era presidente do partido e não foram trocados por seu sucessor. O órgão foi o responsável pelas expulsões do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e do empresário Filipe Sabará, então candidato à Prefeitura de São Paulo, duas decisões que, apesar dos aplausos recebidos dos amoedistas, geraram desconforto fora do grupo.
Além disso, o órgão foi responsável, entre outras medidas, por repreensões a Fonteyne, porque ele queria usar o auxílio-moradia, por não ser de Brasília, e à vereadora paulistana Janaína Lima, porque ela queria ter nove assessores, em vez dos oito estabelecidos como limite pelo partido, independentemente do número oferecido pela Câmara de Vereadores de São Paulo e outras Casas legislativas.
O fato de a assessoria de imprensa pessoal de Amoêdo ser a mesma do Novo é outra questão que incomoda lideranças do partido, por associar a ele a comunicação partidária. O mesmo acontece em relação à empresa encarregada de cuidar de suas redes pessoais e das redes sociais da legenda. “A informação é pública e está inclusive no site da assessoria”, declara Amoêdo.
Ele contesta a afirmação de que ainda tem o controle do partido e diz que, se fosse verdade, a sua posição em favor da apresentação do pedido de impeachment de Jair Bolsonaro teria sido aprovada pelo Diretório Nacional. “Qualquer instituição num primeiro momento depende muito de seu fundador, mas para ter sucesso tem de ficar independente daquela pessoa ou daquele grupo inicial, porque senão não cresce.”
Braço político
Há, ainda, uma questão estrutural, relacionada à exclusão dos mandatários das decisões políticas, que costuma causar muito atrito no partido. Como o Novo separa a gestão partidária de seu braço político, não há um canal formal de participação dos mandatários nas decisões, ainda que, eventualmente, eles sejam ouvidos de maneira informal. “Falta comunicação entre o Diretório Nacional e os representantes do partido”, diz a deputada federal Adriana Ventura (Novo-SP).
Para tentar resolver o problema, algumas lideranças passaram a defender a proposta de que o Novo formasse um Conselho Político, que seria composto pelos integrantes do Diretório Nacional e pelos mandatários, mas ela não foi para a frente. “O que está no estatuto do partido é que não deveria haver contaminação das agendas política e administrativa. Mas, na prática, o braço político está sendo subordinado ao braço administrativo, que não leva em consideração o pessoal que está no front, ralando, e isso é um erro crasso”, afirma Christian Lohbauer. “O que tem de acontecer é que as orientações, as políticas de ação partidária, para onde nós vamos, o que a gente quer, têm de ser feitas junto com os mandatários.”
Por fim, embora a ideia de promover um processo de seleção dos candidatos do Novo, para que tenham aderência aos valores e princípios do partido, pareça uma boa solução na teoria, na prática não está funcionando como se imaginava. Lohbauer conta que, no processo seletivo dos candidatos às eleições municipais de 2020, algumas perguntas feitas pela banca examinadora foram “muito mal formuladas”. “Quantos votos o João teve nas eleições de 2018?” era uma delas. “Quais são os autores liberais mais conhecidos?”, outra.
“Nós não temos pessoas com capacidade de interpretar o ambiente político com a missão de escolher pessoas para serem políticas. Não é que a gente seja idiota. Estamos tentando fazer a coisa certa, mas não temos os entrevistadores mais preparados para ouvir todo mundo pelo Brasil afora”, diz. “A gente errou muito em 2020, porque não soube se adaptar, ser maleável, e não se permitiu errar, escolher mais gente, competir em mais lugares. Quis escolher só gente nota 10, na visão sei lá de quem. A sociedade é heterogênea, as pessoas são diferentes, não têm formação política. Não estou dizendo que tem de nivelar por baixo, mas o resultado está aí: lançamos 34 candidatos a prefeito em 5.570 municípios e elegemos apenas um.”
Sem solucionar os problemas de governança, os conflitos políticos conjunturais, que envolvem o impeachment de Bolsonaro e a posição da legenda em relação ao governo, poderão até ser superados, mas outros, provavelmente, virão mais adiante. As divergências políticas, pelo que representam para o partido e para o País, têm muito mais visibilidade, mas são as questões de governança que acabam, em última instância, por alimentar a discórdia.
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