Lições da Ásia

A falta de um projeto nacional está custando caro ao Brasil

Por Juliano Alves Pinto18/03/21 – 03h00

No início do mês, foi divulgada uma lista com as maiores economias do mundo, e, pela primeira vez em cinco décadas, o Brasil deixou de figurar entre os dez primeiros colocados. Ocupando a décima segunda posição, o país confirmou o que muitos já previam: a última década representou o pior desempenho econômico da história, superando a ideia de que a “década perdida” teria sido a de 80, em que a estagnação econômica coincidiu com a hiperinflação.

Já apontei que grandes países, em território e população, não podem prescindir de um projeto nacional, capaz não apenas de maximizar a abundância de recursos naturais frente a um mercado interno gigante, mas também de criar meios de resolver problemas de maneira autônoma, sem depender de insumos estratégicos importados do exterior, como vem sendo no combate à pandemia da Covid-19.

Fato é que a falta de um projeto nacional está custando caro ao Brasil. A última vez que houve um esforço genuíno de se pensar o país de forma estruturada foi em meados do século passado, no âmbito da Comissão Mista Brasil-EUA para o Desenvolvimento Econômico. Entre 1951 e 1953, técnicos norte-americanos e brasileiros reuniram-se para fazer uma tarefa fundamental num país de dimensões continentais: pensar o Brasil. A reflexão passava primeiramente por entender o lugar do Brasil. Em seguida, gargalos foram diagnosticados, vantagens competitivas foram apontadas, uma estratégia, traçada, um cronograma financeiro, elaborado, e um discurso único, consolidado, no marco de um país que deixava o autoritarismo varguista e abraçava os ares democráticos do pós-Guerra.

A Comissão Mista Brasil-EUA reuniu, do lado brasileiro, um bom número de jovens talentos que se tornariam importantes lideranças do cenário técnico e político nacional. Naquela época, apesar das dificuldades de financiamento, o Brasil obteve as bases do que seria o “Plano de Metas”, no período JK, bem como os distintos planos nacionais de desenvolvimento do período militar. Buscou-se ampliar a infraestrutura de energia e transportes e dotar o país de capacidade tecnológica nos setores de telecomunicações, aeronáutica, agricultura tropical, petróleo e gás, etanol, energia nuclear, entre outros.

Importante ressaltar que a realidade daquela época era outra. O Estado se fazia mais presente, num tempo em que os fluxos de investimento privado eram muito mais tímidos do que hoje. Como é sabido, o Estado tornou-se pesado, moroso e pouco eficiente, em contraste com a agilidade que as parcerias com a iniciativa privada num ambiente regulado proporcionam nos dias atuais. No entanto, desde a redemocratização, não houve nada que se assemelhasse àquele esforço de planejamento do pós-Guerra. Deixamos de pensar o Brasil para pensarmos na próxima eleição e, dessa forma, patinamos e, em seguida, afundamos.

Se novamente olharmos para a lista atualizada das dez maiores economias de 2020, confirmamos a China na segunda posição e o Japão na terceira; vemos a Índia ocupando a sexta, e a Coreia do Sul desbancando o Brasil no décimo lugar. Não surpreenderá que em rankings futuros haverá mais países asiáticos do que ocidentais, e para tal vale a pena extrair algumas lições importantes.

Os fatores são múltiplos, que superam a velha noção de que a competitividade da Ásia é somente subjacente à mão de obra abundante e barata. A maioria dos países asiáticos investe maciçamente em qualificação de mão de obra, por meio de uma efetiva priorização da qualidade da educação e do aumento da escolaridade mínima, como no caso coreano. Por seu turno, o investimento em ciência, tecnologia e inovação foi uma das chaves para o expressivo crescimento indiano, país que se destaca por ter o maior número de doutores (PhDs) em todo o mundo.

No entanto, o que também merece atenção é a maneira como os asiáticos enxergam o tempo. A noção de que é preciso planejar décadas ou até séculos à frente, em detrimento do imediatismo típico das sociedades ocidentais, permite entender que não existe milagre quando não se tem um projeto de país. Nesse sentido, os asiáticos ainda apresentam outro diferencial, essencial para a inovação e para o planejamento de longo prazo: copiar aquilo que deu certo noutros países; queimar etapas, sem reinventar a roda; adaptar boas práticas; e aprender, por meio de parcerias internacionais, com instituições de ponta mundialmente reconhecidas, no marco de uma verdadeira diplomacia da inovação. Foi o que permitiu à China deixar de ser um mero copiador de produtos industrializados ocidentais para se tornar um polo difusor de novas tecnologias.

E o Brasil nos próximos anos e décadas? Ora, pensar apenas em 2022 e não compreender que temos de retomar um projeto de país, como na época de JK, é essencial para não termos novamente de amargar mais uma década perdida, à margem das grandes economias mundiais.

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