Criação do Portal Nacional de Contratações Públicas é um dos itens considerados mais relevantes
Por LUCAS HENRIQUE GOMES23/03/21 – 06h00
Confederação Nacional dos Municípios quer a Lei de Licitações sancionada na íntegra
A Confederação Nacional dos Municípios (CNM) enviou na última semana ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) um ofício em que pede a sanção, na íntegra, do Projeto de Lei 4.253/2020, conhecido também como a nova Lei de Licitações. Com quase cem páginas, a proposta, que foi aprovada no Senado e enviada para sanção no último dia 12, tem até o dia 1º de abril para ser regulamentada pelo chefe do Poder Executivo.
O presidente da confederação, Glademir Aroldi, disse a Bolsonaro que, “para a administração pública municipal, as mudanças sugeridas pelo texto são de alta relevância” e citou algumas das mudanças propostas. A que é vista como a mais importante pela CNM é a criação do Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP), que ficará a cargo da União e deve concentrar os processos licitatórios por todo o Brasil. PUBLICIDADE
Mártin Haeberlin, coordenador da área jurídica da CNM e que coordenou o grupo de trabalho que sugeriu alterações no texto inicial da proposta, explicou que o portal vai ser positivo por, entre outros motivos, publicizar todos os processos. “É uma modificação relevante. Havia o entendimento de que a lei atual é analógica no mundo que se tornou digital. O PNCP será, no médio prazo, o maior avanço da nova lei. Qualquer pessoa vai poder acessar qualquer licitação, e há fomento de participação de pessoas de todos os lugares, é uma inovação gigantesca”, disse.
“Nesse portal, é possível verificar a mediana de preços praticados do mesmo produto. Vamos supor um material de escritório, vai ser possível pegar preços de produtos que foram adquiridos em licitações em Belo Horizonte, Porto Alegre, e em municípios menores, por exemplo, e, a partir daí, vai ser possível verificar se há sobrepreço em outros processos”, pontuou.
Outro ponto defendido por Haeberlin é a de “dar um rosto” na administração para cuidar dos processos licitatórios. O artigo 8º do projeto trata sobre o “agente de contratação”, que deve estar presente em todos os órgãos públicos e será o responsável por conduzir as licitações.
Para Haeberlin, quando se tem uma pessoa designada para a função, a coisa pública é tratada com mais zelo. “Se o agente conduzir o processo deixando aberturas para sobrepreço, superfaturamento ou algo semelhante, ele poderá ter responsabilidade individual”, alertou.
Convite
A simplificação dos processos licitatórios também é contemplada na proposta. Não haverá mais as modalidades de convite e tomada de preços, além de uma disciplina maior na contratação direta, com a consolidação dos valores de dispensa para R$ 100 mil (serviços de engenharia e manutenção de veículos automotores) e R$ 50 mil (demais contratações).
Haeberlin afirmou que a exclusão da modalidade de convite foi um pedido feito pela CNM, já que estudos feitos pela confederação mostram que essa é a prática mais fértil para a corrupção em contratos. “Isso também facilita a vida do gestor que vai ter só duas modalidades agora, que é pregão e a concorrência. Em regra geral, em se tratando de aquisição de bens e serviço, pregão, serviços especiais, concorrência, são essas as regras básicas”, disse.
Por nota, a assessoria de imprensa da secretaria geral da Presidência informou apenas que o “tema está em análise”.
Modernização
O presidente da Associação Mineira de Municípios (AMM), Julvan Lacerda (MDB), também defendeu a sanção na íntegra do projeto que institui a nova Lei de Licitações no país. Para ele, o texto moderniza a atual legislação e traz ferramentas atuais para os gestores municipais. “As novas propostas são mais eficientes. A atual legislação faz, muitas vezes, com que o Poder Público, com o pretexto de fazer transparência, acabe comprando mais caro. Com a nova lei, moderniza, traz novas ferramentas, vai ter um trabalho no começo, mas, com o tempo, com as associações, tem condição de dar certo”, avaliou.
Questionado se a mudança traria um ônus em um primeiro momento para os pequenos municípios, Lacerda, que era prefeito de Moema até o ano passado, preferiu usar a palavra “dificuldade” em vez de ônus, mas disse que, “se colocasse na balança”, valeria a pena pelo aprimoramento da coisa pública. O presidente da AMM defendeu, também, a realização de cursos para que os gestores municipais se adaptem à nova plataforma caso o texto seja sancionado.
“A gente recebe cobrança de alguns prefeitos para saber em que pé está o projeto, a maioria já está esperando por essa mudança, mas tem os que chegaram agora também, temos mais de 500 prefeitos de mandato novo, mas muitos já sabem da proposta e já têm a expectativa dessa mudança nos municípios”, contou.
Mais do que defender a sanção do projeto na íntegra, Julvan Lacerda acredita que o presidente não vai vetar o texto pelo fato de a discussão ocorrer há anos nas duas Casas Legislativas em Brasília. Já sobre as dificuldades de acesso à internet pelo país, o presidente da AMM disse que esse não deve ser um fator impeditivo, já que atualmente os gestores são acompanhados quase que diariamente pelos órgãos de controle.
Defesa
Coordenador da área jurídica da Confederação Nacional de Municípios (CNM), Mártin Haeberlin afirmou que, se o presidente Jair Bolsonaro vetar alguma parte dos 193 artigos, vai mexer em um consenso que levou anos para ser construído.
“Essa lei não surgiu da noite para o dia, o projeto inicial vem de 1995. É uma gestação muito difícil porque envolve uma série de interesses. Envolve interesse do Poder Público e de, modo imediato, do cidadão; de modo geral, de empresas que fornecem ao poder público; de bancos e seguradoras que também são colocados em contratos públicos”, declarou.
“Em 2018, as compras públicas movimentaram US$ 11 trilhões. Então, pode-se imaginar que são muitos interesses envolvidos. Então, ao longo de 26 anos, os interesses foram todos dialogados, compartilhados até se chegar, depois de muitas mediações a um texto”, disse Haeberlin.
“É um texto que atende, não é perfeito, porque a perfeição não existe, mas a gente chegou num texto de consenso de uma série de setores da sociedade. Se a Presidência da República mexer no texto, ela estará mexendo nesses consensos todos que foram realizados ao longo de 26 anos no Parlamento. É por isso que a CNM recomenda que o texto seja aprovado na íntegra para não rachar e não causar nenhum tipo de ruptura em um texto que foi gestado por tanta gente e por tanto tempo”, declarou Haeberlin.
Questionado se a modernização imposta no texto exclui municípios isolados e empresas que não tem acesso às tecnologias, o coordenador relativizou pontos da proposta. Caso a nova Lei das Licitações entre em vigor, ela vai “conviver” por dois anos com a antiga lei 8.666/1993 como período de adaptação. Para isso, cada licitação deverá ter, em seu edital, a lei que seguirá. Já os municípios terão um prazo de até seis anos para se adaptarem estruturalmente à forma eletrônica de acordo com a lei.
O tempo de adaptação varia de acordo com a população de cada cidade. Já as empresas que não estiverem no mundo digital, segundo Haeberlin, estão fadadas ao ostracismo, com um porém. A nova lei também prevê, assim como a atual, a possibilidade da administração pública restringir a localidade de fornecedores a depender do objeto da compra para aquecer a economia local, o que incentiva micro e pequenos empresários.
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