Novo marco regulatório no setor de gás pode criar até quatro milhões de empregos
Presidente da Abrace estima que modernização das regras que regem o setor vai beneficiar toda a indústria e trazer aumento anual do PIB em 1,5%
Por LUCAS MORAIS
Já aprovada na Câmara Federal e em discussão no Senado, o novo marco regulatório do gás promete modernizar o setor e reduzir os custos de energia para a indústria, além de atrair investimentos. Esse foi um dos assuntos abordados na Live do Tempo desta quarta-feira (9), que recebeu o presidente da Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace), Paulo Pedrosa. Para o dirigente da entidade que reúne mais de 50 grupos empresariais responsáveis por 40% do consumo de energia elétrica no país, a mudança na legislação tem o potencial de gerar até quatro milhões de empregos em cinco anos e ainda elevar o PIB em 1,5% a cada ano. Confira abaixo a entrevista completa:
Qual tem sido o impacto da pandemia nas empresas?
Em um primeiro momento, houve uma queda gigantesca na produção. Em algumas empresas, a situação foi extremamente difícil porque elas não só tiveram que reduzir a produção, como financiar os seus compradores. Com o tempo, esse nível vem se recuperando gradualmente. Nós não voltamos à normalidade ainda, mas basta circular as cidades para verificar que o consumo está sendo retomado e, de uma maneira mais lenta, a produção industrial.
O que falta para aumentar a oferta de gás no Brasil?
Falta o país decidir qual modelo ele quer para o gás. Hoje temos um cenário muito positivo, o cenário internacional de gás está super ofertado, os Estados Unidos se tornou um grande exportador de gás, os preços são muito competitivos e nós aqui no país temos a possibilidade não só do gás importado através dos terminais que já existem, mas do gás da Bolívia, através do gasoduto, mas principalmente do gás do pré-sal. Muitos produtos estão concluído investimentos decididos em leilões há três, quatro anos, e esses investimentos em petróleo vão vir associados a uma oferta maior de gás. Se o Brasil tiver um Marco Legal que dê solidez e atratividade para os investimentos, todo esse gás vai fluir para o território nacional triplicando a oferta no país e a produção industrial industrial a partir do gás. Esse é o tamanho da oportunidade que nós temos. Estimamos um acréscimo de meio ponto percentual no PIB a cada ano e geração de quatro milhões de empregos nos próximos cinco anos com a aprovação dessa nova lei do gás.
O país deveria investir mais na diversificação da matriz energética ou focar nas áreas que têm maior potencialidade?
O Brasil é o país da energia barata, nós temos muito sol, muito vento, potencial hidrelétrico. Agora paradoxalmente, nos tornamos o país da conta cara. Porque a energia é barata e a conta é cara? Porque no meio do caminho, antes de chegar aos consumidores e indústrias, a energia que é produzida de forma barata vai recebendo encargos, taxas, subsídios, impostos, vai acumulando custos de ineficiência e até oportunismo no mercado. Então isso vai chegando em uma conta cara. O Brasil é, talvez, o país campeão mundial em energia renovável, já somos nesse campo o que o mundo aspira ser daqui há 50 anos. Temos espaço para todas as energias na nossa matriz, e a escolha deveria ser feita muito em função da competitividade. Escolher as fontes baratas e desonerar a energia entre a produção e o consumidor para que possamos ter um ciclo de desenvolvimento, geração de emprego e transformar numa vantagem competitiva que o Brasil tem em ter energia barata numa vantagem para o país no cenário global.
O Brasil paga uma das tarifas mais cara do mundo, quatro vezes maior que a dos Estados Unidos, e mudança na lei do gás pode gerar mais de R$ 60 bilhões ao ano em investimentos. Essa nova legislação que tramita na Câmara pode corrigir essas distorções?
O texto aprovado na Câmara dos Deputados é o que chamamos de possível, necessário e suficiente. Talvez os grandes consumidores industriais tivéssemos gostado de um texto mais agressivo em relação a nossa competitividade, que nos garantisse o acesso direto aos grandes gasodutos de gás sem pagar as tarifas de distribuição. Mas isso trazia um conflito com base na própria Constituição que diz que os serviços locais de gás são regulados por cada Estado. Então o projeto não é o ideal, mas cada um abriu mão de algo para que ele fosse possível. E é o suficiente para dar um novo ciclo de desenvolvimento no Brasil. Já foi recebido no Senado e espera que o projeto seja aprovado para ir à sanção presidencial ainda neste ano para permitir que os produtores do pré-sal tomem a decisão de investir para trazer o gás para território nacional e não injetar o gás ou liquefazer para exportação. O potencial é enorme.
No caso do regime de exploração dos gasodutos, pode passar de concessão para autorização. Isso vai dar mais agilidade ao mercado?
O modelo atual não funcionou. Há 10 anos não conseguimos fazer uma licitação de gasoduto, até mesmo um gasoduto pequeno no Rio de Janeiro de 10 km de conexão não deu certo. O processo se tornou tão burocrático que não avançou. A lei do gás, o grande movimento dela, é criar as condições para que um grande número de ofertantes encontre um grande número de consumidores. Então, como isso vai acontecer? Através da simplificação da construção dos gasodutos, através da garantia do livre acesso de todas as instalações que hoje existem e ainda são subutilizada, e também através da garantia da competição verdadeira desse mercado, dando poderes, por exemplo, a ANP (Agência Nacional do Petróleo) para inibir um poder de mercado que possa atrapalhar o efeito de competição. Então é uma projeto baseado em uma visão de mercado, do investimento privado reúne interesse de produtores e de consumidores na sua defesa.
Porque ainda em 2020 ainda discutimos preço de gás caro com todo o potencial brasileiro e falta de investimento?
No fundo, hoje no setor de energia os interesses de cada competidor diferente no setor atuam para para tentar ampliar os seus mercados. Talvez eles atuem mais competindo pelo acesso às regras do que propriamente competindo no mercado para ser mais eficiente. Esse é o motivo que fez, por exemplo, a quantidade de subsídios ser imensa no país e pesar muito, tirando a competitividade da nossa produção. Até mesmo a energia solar e eólica, que hoje são as mais baratas, são subsidiadas, porque lá trás, quando elas estavam começando, se criou uma lei que deu subsídio a essas energias. A inovação, os ganhos de eficiência aumentaram a competitividade, mas se tornaram as mais baratas e continuaram subsidiadas. Da mesma forma, a energia nuclear, que é estratégica para o país, mas tem que ficar atento ao custo final. Se é para ser mais caro do que outras soluções e se um adicional para viabilizar política nacional, será que o consumidor tem que pagar por isso ou essa diferença tem que ser paga pelo orçamento da União e não diretamente pelo consumidor? Todas as fontes têm vocações, há uma complementaridade entre elas. Muitas vezes, quando estamos na estação de seca, justamente é a safra da biomassa, tem mais vento. Isso isso ajuda o nosso equilíbrio, mas tudo tem que acontecer conforme a racionalidade econômica e nos afastamos muito disso. Isso reflete um modelo de negócio para o setor do gás que é do passado, de um período em que o Brasil era importador de gás e não tinha essa condição que hoje ele tem com o pré-sal. A maioria das empresas distribuidoras do Brasil tem contratos de concessão que garante 20% de lucro ao ano sobre todo o custo e o investimento que elas tiveram naquele ano. Esse é o modelo antigo, que sem quebrar contrato, respeitando as regras, negociando essas mudanças, precisamos evoluir para algo melhor.
A Gasmig igualou o preço do gás a São Paulo. Já há reflexos no mercado, qual a influência disso para a indústrias de Minas Gerais?
Não, isso não resolve. O gás precisa cair de preço e chegar no patamar internacional para ser usado. Tem indústria siderúrgicas importando o carvão da Austrália para usar aqui, podendo usar o gás natural. Elas fazem isso porque querem? Claro que não, inclusive as indústrias têm compromissos para reduzir suas emissões. Elas fazem porque é mais barato comprar o carvão na Austrália, trazer de navio, do que usar o gás natural. Há um movimento positivo, o diálogo com a presidência da Gasmig e o governo de Minas Gerais é bom, mas há problemas ainda na competitividade do gás.
O que resolve então em relação ao preço do gás?
A verdade é que esse novo mercado de gás está baseado na competição. Não é só entre as empresas, mas também entre os Estados. O Rio de Janeiro, por exemplo, avançou em uma regulamentação estadual bastante moderna. Já o Sergipe está desafiando o mercado de gás com o protagonismo de modernizar o seu mercado. Se Minas Gerais não fizer tarifas que permita à indústria produzir produtos mais baratos do que custa um importado e vender no mercado nacional. Se isso não acontecer, as indústrias vão mudar de regiões. As indústrias precisam de um preço de gás que ajude na produção. Hoje, por exemplo, nos importamos 80% dos fertilizantes do Brasil, praticamente todo o metanol utilizado, que é um produto básico. Importamos isso porque se produzirmos com o gás nacional, o nosso produto na porta da fábrica para vender será mais caro que o que chega de navio do exterior. Não será vendido e teremos prejuízo na produção.
O custo da indústria brasileira é um dos mais caros no mundo?
Certamente somos uma dos mais caros, só que esse ranqueamento varia muito com a variação do dólar, com a valorização esse equilíbrio foi afetou. Mas eu posso garantir que no Brasil temos uma energia mais cara que Estados Unidos, Europa e países que competem conosco no mercado internacional, como a Turquia, que têm energia mais barata. A nossa produção industrial perde espaço. O custo de energia sobre um produto varia muito, pode chegar a 40% do custo final, no caso da indústria de alumínio, em outros é da ordem de 15%, como produtos da siderurgia e indústria de cimento. Num casa própria, popular, um quarto do custo final dela é energia, não a energia que está na betoneira ou na furadeira, mas a energia que está no aço, cimento, cerâmica, vidro, tinta. A população brasileira paga duas vezes mais energia a cada mês nos produtos e serviços que ela compra do que na conta da Cemig. Se um trabalhador mineiro gasta R$ 150 com energia da Cemig, na vida dele gasta mais ou menos R$ 400 do frango congelado e do rejunte a obra do banheiro.
Com o câmbio alto neste ano, as revisões tarifárias devem ser maiores no ano que vem?
Esse é um ano atípico, porque em função da pandemia esses custos estãos sendo financiados, mas o sistema pegou empréstimo em nome do consumidor, as contas vão subir e lá na frente vai pagar esse empréstimo com juros, e o efeito do dólar é patente. A parcela de Itaipu da energia dos consumidores, em Minas tem uma fatia importante que é de Itaipu, vai ter um aumento muito grande. Ela foi calculada a um dólar próximo a R$ 4 e agora quase R$ 5,50. Essa diferença sozinha já seria suficiente para um reajuste de 5%, e não ocorreu agora porque está sendo financiada.
No Brasil, são usadas sete milhões de toneladas de GLP por ano e, desse total, importa 2,5 milhões de toneladas. Com o aumento da oferta do pré-sal, poderia se tornar auto suficiente e o preço do gás cair 30%?
Isso que apontam os números, vamos pensar que no poço da região do pré-sal, saem diferentes produtos, eles são parecidos, quase tudo você pode entender como molécula de carbono cercada por molécula de hidrogênio. Esse comecinho da produção que vem dos poços, que é o gás, tem ainda o mais leve, que é o natural, que circula por tubos ou caminhões, e o um pouquinho mais pesado já é o GLP, mas eles vem juntos. Dessa produção gigantesca do pré-sal, quando chega na terra, há uma separação. O gás de bujão é separado do natural, portanto a produção de gás de bujão vai crescer muito no país. Hoje somos importadores e vamos nos tornar exportadores. A expectativa é que com o aumento da produção, os preços possam mesmo cair 30% ou mais. Isso vai beneficiar os brasileiros. É bom lembrar que ainda temos 14 milhões de famílias com que cozinham com lenha, muitas vezes essa lenha é coletada em áreas nativas. Portanto o gás, essa revolução do novo mercado de gás natural vai ter varios efeito positivos, e um deles é o gás de botijão mais barato em todo o território nacional.
Mas isso não depende da exploração do pré-sal?
A exploração do petróleo vira, até porque essas áreas foram licitadas pelo governo e muitos empreendedores internacionais pagaram verdadeiras fortunas por esse direito de extrair petróleo. E na produção, um percentual importante nas áreas de partilha do pré-sal é pago novamente aos governos, não só de royalties, mas de participação especial. O que acontece é que esses produtores vão tomar a decisão, se o Brasil não tiver um mercado de gás capaz de absorver esses volumes, vão fazer investimentos para reinjetar o gás, tirar junto com petróleo, vender o petróleo e mandar o gás de novo abaixo da terra, que é uma maneira de garantir a produção do petróleo. O que o país precisa fazer agora é aprovar a lei do gás para que o produto venha para o mercado nacional.
A alternativas as térmicas, que são mais caras e ligadas na época de seca?
Em tese, o sistema foi feito para operar pelo menos custo. Usa o máximo que pode da energia mais barata e apenas quando há um perigo de ter uma energia muito cara é que essas térmicas são despachadas. O que precisamos é um sinal econômico melhor para os consumidores, têm propostas andamento no Congresso que já foram discutidas muito no âmbito do governo de modernização do setor elétrico. Seria desarmar essa malha de ineficiência e subsídios, ter uma informação correta sobre o preço da energia e permitir que a invocação, a eficiência e inovação atue no setor para baixar o preço para o consumidor final. Esse é um passo importante. Agora, assim que aprovar a lei do gás, o nosso esforço estará muito concentrado na modernização do setor elétrico. Hoje, os subsídios na conta são caros, muitas energias que se apresentam como baratas, são baratas porque o seu vizinho para a conta que você teria que pagar. Na verdade, está redistribuindo o peso entre consumidores que não tem acesso a determinado projeto, por exemplo. No longo prazo não pode funcionar.
Vamos falar um pouco sobre o monopólio da Petrobras. 80% do gás produzido no Brasil vêm das plataformas offshore. E das unidades de tratamento e transporte, das 15 que existem, 14 pertencem a Petrobras. Esse monopólio deveria ser quebrado?
É fundamental, mas esse é um problema que está encaminhando. O governo, as agências reguladoras e o Cade, conduziram um acordo com a Petrobras e fez com que a empresa assumisse o compromisso de sair de um conjunto de investimentos que ela tinha e abrir o mercado para a participação de outros agentes, inclusive abrindo mão do direito quase exclusivo dos gasodutos de transporte. Esse é problema bem encaminhado não só pelo acordo o cade, mas por essa proposta da lei do gás. A preocupação agora não é monopólio, é com mudanças na lei do gás que permitiram a formação de monopólios regionais privados em torno do gás. É como se cada pequena região tivesse sua empresa com quase exclusividade de comprar desse produtor local. O monopólio é um grande problema. A própria Petrobras entende que não é função dela ser monopolista, ela pagou muito por isso no passado quando o governo obrigou a Petrobras a construir instalações desnecessárias e vender produto com prejuízo, e própria empresa concluiu que têm mais a ganhar em um ambiente de concorrência. Temos que trabalhar a lei para ter segurança de que não vão surgir monopólios privados para substituir o monopólio privado.
Teria condições do mercado livre ser para todos os consumidores, e não só as grandes empresas?
Teria, isso é o ideal e é o que acontece em toda a Europa. Os consumidores sào livres para escolher seus fornecedores de energia. O monopólio é do o fio, ou seja, o fio por onde passa a energia é. E tem que ser monopólio, não tem sentido uma empresa colocar um poste ao lado da cemig. Mas o ideal é que usando e pagando os fios da Cemig possa comprar energia de outro fornecedor. Para que o mercado abra, é preciso acabar com essas deformações. Alguns consumidores não pagam o fio da energia que utiliza.Também não pagam pelas termelétricas para gerar a energia porque eles comparam a solar. Esses custos que são jogados para que o vizinho pague. Daqui a um tempo, só um morador da rua vai pagar por tudo que deveríamos apagar e isso vai fazer o sistema entrar em colapso. A liberdade está associada a responsabilidade, para que o mercado possa ser aberto, é preciso que seja organizado para que cada um corra o risco, sem onerar os outros consumidores.