País tem uma população que se declara dentre as mais propensas do mundo a se vacinar
Ana Carla Abrão*, O Estado de S.Paulo
Com a queda de 4,1% no PIB em 2020 e as perspectivas de crescimento para a economia brasileira na casa de nada alentadores 3,0% para 2021, nos vemos metidos na lama. O governo federal se vê refém de um imbróglio orçamentário que ele ajudou a criar e acuado por uma legítima e necessária CPI que, sabemos, vai certamente demonstrar os erros na condução da pandemia que todos nós já conhecemos de cor. Enquanto isso a inflação ressurge, o câmbio se desvaloriza e o desemprego assola. O novo auxílio emergencial volta menor, os estímulos ao emprego e ao crédito capengam e o Congresso e o presidente da República só pensam na eleição de 2022, comprometendo não só 2021, mas também o futuro do País.
Nesse mar de lama, com a economia claudicando e a tragédia humanitária escalando o número já absurdo de mortes diárias, deveria ser a aceleração da vacinação – e não as obras eleitoreiras – a única prioridade do governo federal e dos parlamentares. Afinal de contas, para a população brasileira ela já é. O Brasil tem hoje uma população que se declara dentre as mais propensas do mundo a se vacinar. Isso é o que mostra a última rodada da pesquisa feita pela Oliver Wyman em dez países. Com 80% de propensão (maior do que os 76% da rodada anterior), apenas o Reino Unido aparece na nossa frente, com 88% da população se dizendo estar disposta ou muito disposta a se vacinar. Estamos bem à frente da França, onde somente 52% dos pesquisados demonstraram essa mesma propensão e dos Estados Unidos, cujos números superam os 70%, apesar do ceticismo declarado de alguns norte-americanos.
Na quebra por faixa etária, são os brasileiros de meia-idade, entre 55 e 64 anos, aqueles cuja disposição a se vacinar é maior. Nessa faixa chegamos a 87% dos respondentes se declarando dispostos ou muito dispostos a se vacinar. Na sequência vêm os mais novos, com idade entre 18 e 24 anos, cuja propensão atinge 84%. No recorte por renda observa-se uma variação maior. Nas faixas mais altas de renda, a propensão supera os 80%, mas se aproxima dos 65% quando olhamos para rendas mais baixas. Nada surpreendente, giram em torno de 55% quando a população pesquisada confia muito no governo e volta aos patamares de 80% para aqueles que não confiam, mostrando o estrago do viés antivax do presidente da República.
Quem usa máscara tem mais disposição para se vacinar do que os que não usam, o mesmo vale para quem pratica o distanciamento social. Entre homens e mulheres as diferenças não são significativas. Mas as mulheres, muito mais do que os homens, buscam se informar com médicos ou profissionais da saúde sobre a segurança das vacinas. A relação se inverte quando a fonte de informação é o governo. Embora em média apenas 12% dos brasileiros vejam no governo uma fonte confiável de informações sobre a vacina, esse número cai para 7% dentre mulheres e sobe para 15% dentre os homens entrevistados.
A mensagem principal é que, ao contrário de outros países, ou camadas específicas de alguns deles, no Brasil a disposição em se vacinar é generalizada e expressiva. Explica-se talvez pela familiaridade dos brasileiros com a vacinação – que em alguns casos é obrigatória. Temos um dos sistemas de vacinação mais eficientes do mundo. Operado pelo SUS, anualmente vacinamos a população brasileira – em particular os mais jovens e os idosos, contra várias doenças. De sarampo a gripe, passando pela pólio e a hepatite, brasileiros do Oiapoque ao Chuí se vacinam com naturalidade e confiança nos resultados. Não parece ser nada diferente com a vacina contra a covid-19. Mas onde abunda disposição, faltam vacinas. Faltam vacinas por uma combinação perversa de negacionismo com incompetência. Faltam vacinas por falta de senso de prioridade e por amadorismo.
Não fosse pelo Instituto Butantan e o governo de São Paulo, numa aposta arriscada e vencedora do governador João Doria, estaríamos sem vacinas, sem economia e rumando para mais mortes do que as que tragicamente já colecionamos. O tempo urge e já perdemos muito dele. Não podemos perder mais. Reduzir o número de mortes, reativar a economia e garantir uma retomada segura das atividades, com reflexo sobre emprego e renda, só será possível com a população vacinada e protegida. O brasileiro está disposto a isso.
Tivessem o governo federal e os nossos parlamentares a disposição que demonstram ter ao avançar sobre o Orçamento público em favor dos seus interesses eleitorais, estaríamos hoje dentre os países mais vacinados do mundo. Estivessem esses mesmos agentes públicos à disposição da população para enfrentar os problemas do Brasil e não os seus próprios, já estaríamos comemorando o final da pandemia. Infelizmente não parece ser esse o caso.
*ECONOMISTA E SÓCIA DA CONSULTORIA OLIVER WYMAN. O ARTIGO REFLETE EXCLUSIVAMENTE A OPINIÃO DA COLUNISTA